Brasil não pode depender só de commodities, diz Marina Silva

Em entrevista à Bloomberg Green, ministra do Meio Ambiente defende que as florestas não podem ser convertidas em terras agrárias e que transição energética está atrasada no mundo

Ministra Marina Silva em gabinete do Ministério do Meio Ambiente, em Brasília
Por Simone Iglesias - Siobhan Wagner
15 de Setembro, 2023 | 02:39 PM

Bloomberg — A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reconhece que o país é uma potência agrícola, mas se preocupa com os riscos que o crescimento desse setor influente representa para a floresta amazônica.

A agropecuária é apontada por especialistas como um dos impulsionadores do desmatamento no Brasil, com queimadas para criação de pastagens. Estima-se que cerca de 20% da floresta desapareceu nos últimos 50 anos devido ao desmatamento e à degradação das terras.

A maior floresta tropical do planeta absorve uma parte significativa do dióxido de carbono que contribui para o aquecimento global.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu reverter a tendência. Desde que assumiu em janeiro, houve uma redução de 48% no desmatamento da Amazônia. De agosto de 2022 (ou seja, já com a disputa eleitoral à presidência em andamento) a agosto de 2023, essa redução foi de 66%.

PUBLICIDADE

Marina Silva recentemente compartilhou suas ideias com a Bloomberg Green sobre o papel do Brasil nas negociações climáticas globais e os desafios de reparar os danos já causados à floresta tropical. Os comentários foram editados por motivos de espaço e clareza.

G20 na questão do clima:

“Nós temos 80% do PIB e 80% das emissões no mundo. Imagine uma redução de 80% das emissões e uma redução de 80% das desigualdades. O problema do mundo estaria praticamente resolvido.”

Senso de urgência:

“Enfrentamos uma incapacidade política, uma incapacidade ética e uma incapacidade social, porque a capacidade técnica e científica sempre tivemos. O que faltou foi a capacidade política, ética e social para usar essa técnica para não permitir que chegássemos aonde chegamos.”

PUBLICIDADE

“Nós já estamos vivendo sobre o risco das ondas avassaladoras de calor, dos incêndios avassaladores, das enchentes avassaladoras, das secas avassaladoras, das mudanças nas correntes marinhas avassaladoras. Se nós tivéssemos agido com sentido de urgência diante da emergência diagnosticada, nada disso estaria acontecendo.”

Papel das commodities:

“O Brasil está pautando muito fortemente o mundo para além da agenda da mitigação e da adaptação, mas tendo uma agenda de transformação ecológica, já pensando como muda a agricultura intensiva para a agricultura de baixo carbono, por exemplo.”

“O modelo tal como ele é e por mais que possamos mitigar, adaptar, não dá conta dos imensos desafios que temos para essa população planetária de 8 bilhões de pessoas e que vai precisar fazer grandes transformações econômicas, sociais e culturais.”

“Tem coisas que nós temos que abandonar, como a ideia de que o Brasil é uma potência agrícola porque tem muitas áreas e de que se pode converter a floresta em área agricultável, essa ideia tem que ser abandonada. O desmatamento zero implica a atividade econômica só nas áreas que legalmente podem ser usadas para aumento de produção por ganho de produtividade. Não podemos continuar vivendo apenas das commodities, essa ideia tem que ser descontinuada também.”

COP 2025 em Belém:

“Foi um grande desafio fazer aqui no Brasil a Rio 92. Levando-se em conta que a gente ia dar consequência a partir da Rio 92, com menos conhecimento, menos compromisso e muito mais resistência do que temos hoje ao tema da mudança do clima, da perda de biodiversidade e desertificação.”

“Com todos os avanços que tivemos, é um desafio semelhante, passados 30 anos, porque agora nós sabemos que tudo o que já fizemos ainda é insuficiente e que não há mais tempo.”

Reparação de danos:

“É mais difícil consertar, reparar algo que foi destruído ou fortemente prejudicado do que levantar uma dinâmica nova, ainda que isso seja mais complexo. Por outro lado, nós temos o know-how da experiência anterior dos governos do presidente Lula. Isso é uma vantagem comparativa para essa reconstrução.”

PUBLICIDADE

-- Com a colaboração de Beatriz Reis e Bruna Lessa.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

De saneamento a rodovias: por que os planos de investimento voltaram ao setor

Por que a economia brasileira surpreendeu? Veja 7 visões sobre a alta do PIB