Quebra do SVB mostra que startups precisam de plano B, diz investidor de VC

Tim Draper, experiente nome do venture capital que aportou em empresas como Tesla e Coinbase, diz em entrevista à Bloomberg Línea que empresas devem mitigar os riscos

'As startups viram que precisam estar mais bem preparadas para enfrentar uma crise', diz megainvestidor do Vale do Silício
24 de Abril, 2023 | 04:48 AM

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Bloomberg Línea — O colapso do Silicon Valley Bank (SVB), banco que era utilizado por startups que recebiam investimentos de fundos do Vale do Silício, mostrou que as empresas do ramo não estavam preparadas para lidar com uma crise bancária dessa magnitude. A avaliação é de Tim Draper, um renomado investidor de venture capital americano, famoso por ter investido em empresas como Tesla, SpaceX, Skype, Twitter, Baidu, Coinbase, Robinhood, entre outras.

Em entrevista à Bloomberg Línea, o investidor afirma que a crise reforçou a importância de as startups diversificarem os bancos em que mantêm os seus depósitos. Segundo ele, muitas empresas hoje estão focadas em fortalecer uma base financeira mais sólida.

“Quando esses problemas com os bancos aconteceram, houve um pânico geral e empreendedores vinham até mim e diziam: ‘preciso de um financiamento emergencial para segunda-feira’. Era sexta-feira. Isso realmente quebra a engrenagem do sistema. Felizmente, consegui tirar o dinheiro dos meus investidores do Silicon Valley Bank antes da crise. Então fui capaz de oferecer um financiamento emergencial [às startups investidas]”, conta o investidor que estará em São Paulo esta semana para participar no dia 30 de abril, do evento Know How Experience, organizado por Sarah Barros e Filipe Trindade, da rede Know How Club.

Draper também vai gravar no Brasil um episódio do Meet The Drapers, seu reality show de empreendedorismo, que terá participação de quatro empreendedores brasileiros. Trindade é um dos jurados do programa.

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Entusiasta das criptomoedas, o investidor também diz que hoje recomenda às empresas em que investe para manterem o valor equivalente a pelo menos duas folhas de pagamento em bitcoins, também como uma forma de proteção.

Ele acredita que a crise bancária reforçou como os bancos tradicionais não são 100% seguros e avalia que as próximas inovações que serão criadas por startups do ramo financeiro terão o potencial de transformar alguns dos maiores setores do mundo.

Na sua visão, o tombo do preço do bitcoin em 2022, que levou a uma quebra de diversas empresas do ramo e à acusação de fraude a grande empreendedores que atuavam na área, faz parte de um movimento natural de altos e baixos do mercado, mas que a tendência de longo prazo da moeda digital é de crescimento.

“As coisas avançam aos trancos e barrancos. Houve um crash depois do boom da internet no ano 2000. A bolha estourou. Todas as empresas de internet tiveram uma queda. As pessoas ficaram com medo de usar o cartão de crédito na Amazon. Achavam que o Google não funcionava. Falava-se todo tipo de coisa ruim sobre a internet. E a internet só cresceu, cresceu e cresceu. Acho que vai acontecer o mesmo com o bitcoin. Com o tempo, só vai crescer e crescer”, afirma o investidor, que é um dos fundadores das empresas de venture capital Draper Fisher Jurvetson (DFJ), Draper Associates, Draper Venture Network, Draper Goren Holm e da Draper University, uma instituição de ensino de cursos de negócios.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editada para fins de clareza e extensão.

Bloomberg Línea: Como o sr. viu o colapso do Silicon Valley Bank (SVB), em março? Por que isso aconteceu e como afetou as empresas de venture capital no Vale do Silício?

Tim Draper: Confiança é uma grande parte de uma economia. E quando a confiança é abalada, você busca outras alternativas. Tenho dito aos empreendedores em que invisto para manter o dinheiro em pelo menos dois bancos diferentes. Idealmente, um nos Estados Unidos e outro fora do país. E sugiro manter também uma quantia de pelo menos duas vezes a folha de pagamento em bitcoins no seu balanço.

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Quando esses problemas com os bancos aconteceram, houve um pânico geral e empreendedores vinham até mim e diziam: “preciso de um financiamento emergencial para segunda-feira”. Era sexta-feira. Isso realmente quebra a engrenagem do sistema. Felizmente, consegui tirar o dinheiro dos meus investidores do Silicon Valley Bank antes da crise. Então fui capaz de oferecer um financiamento emergencial [às startups investidas].

O que as pessoas não entendem é que, se você é membro do conselho de administração, você é pessoalmente responsável pelas folhas de pagamento. E se você tem o valor equivalente a duas ou três folhas de pagamento guardado em bitcoins, você pode suportar a pressão. Você tem uns dois meses para tomar decisões de ajustes. E isso é algo que as pessoas estão começando a entender.

Centenas de milhares de pessoas poderiam ter sido imediatamente dispensadas. Uma empresa não conseguiria continuar a operar nem um dia nessa situação. Nossa economia conta com todas essas pessoas trabalhando.

Como está a situação financeira para as startups agora? Já se estabilizou?

De algumas formas, sim. Mas, de outras, as startups viram que precisam estar mais bem preparadas para enfrentar uma crise. Isso acabou tirando a atenção delas do seu foco principal. Digo, a empresa quer ter confiança por trás dela para que possa construir algo de grande valor.

Quais outras lições é possível tirar dessa crise?

Incerteza é sempre bom para startups. Startups inventam coisas novas, desenvolvem novos processos. E se o processo atual não está funcionando – e claramente o setor bancário, o governo, os monopólios, não estão funcionando – então os empreendedores acabam trazendo soluções.

Na minha visão, bitcoin é uma solução dessas. Acho que está provado que os bancos não são 100% seguros. E as pessoas não se sentem tão confortáveis com o sistema bancário.

O governo é ainda menos seguro, porque é centralizado. Temos bancos centrais. Como qualquer coisa centralizada, alguém no topo de comando pode tomar uma decisão ruim e, nesse caso, pode causar o que seria o equivalente a um terremoto na economia e fazer tudo tremer.

Que tipo de oportunidades o sr. vê diante dessa crise bancária recente?

Diria que existe muito trabalho interessante e criativo sendo realizado em torno do bitcoin e do setor bancário. Muitos empreendedores estão me procurando nesse sentido, por causa dessa crise.

Nós estamos vendo oportunidades em outras áreas também. Estamos vendo oportunidades na indústria espacial, em transporte, em atendimento personalizado em saúde, robótica, inteligência artificial. O ChatGPT fez o mundo acordar para a inteligência artificial. A gente tem financiado empresas de IA por muito tempo. Mas agora, de repente, há muito interesse nesse assunto.

Eu diria que o mundo do empreendedorismo está prestes a entrar em uma nova renascença. Isso vai ser extraordinário. Os próximos 10 anos vão ser ainda mais extraordinários do que a internet nos últimos 30 anos.

De que maneira o sr. quer dizer?

Nos últimos 30 anos, a internet transformou as comunicações, o setor de games, de entretenimento, mídia, muitos segmentos muito grandes. Mas bitcoin, blockchain, contratos inteligentes, inteligência artificial, eles têm a possibilidade de transformar as maiores indústrias do mundo. Bancos, finanças, seguros, comércio, governo, setor imobiliário. São todos setores prontos para serem transformados. E essas são indústrias ainda maiores.

As oportunidades são ainda mais vastas para os empreendedores. Essa é uma época realmente muito especial. Para o venture capital, é uma época especial também. O período de dois anos depois de uma crise é uma época boa para as pessoas investirem em venture capital.

O sr. fala do bitcoin, mas a moeda teve uma forte desvalorização de 67% em 2022. Muitas empresas do setor quebraram e empreendedores como o fundador da FTX, Sam Bankman-Fried, são acusados de fraude. Isso não prejudica a confiança na moeda digital?

Bem, o bitcoin quase dobrou de valor nos últimos meses. Vamos ver grandes altos e baixos. Um bitcoin ainda vale um bitcoin. São só essas outras moedas que estão voláteis à medidas que elas desaparecem do uso. Se você comparar a confiança nas moedas de governos e a confiança no bitcoin, verá que a confiança nas moedas dos governos vem caindo, enquanto a confiança no bitcoin vem subindo.

Essa é uma tendência de longo prazo que tem se mantido. Assim que as pessoas puderem pagar por comida, habitação, roupas, tudo em bitcoin, elas não vão mais querer manter suas economias em moedas dos governos. Eles vão manter somente o suficiente para pagar impostos. E no final os governos vão perceber que é um sistema mais honesto receber os impostos em bitcoin. Eles vão querer fazer isso também.

As coisas avançam aos trancos e barrancos. Houve um crash depois do boom da internet no ano 2000. A bolha estourou. Todas as empresas de internet tiveram uma queda. As pessoas ficaram com medo de usar o cartão de crédito na Amazon. Achavam que o Google não funcionava. Falava-se todo tipo de coisa ruim sobre a internet. E a internet só cresceu,cresceu e cresceu. Acho que vai acontecer o mesmo com o bitcoin. Com o tempo, só vai crescer e crescer.

O que vimos no último ano foi só uma fase de baixa?

Sim. A confiança pública vai flutuar. Vai ter altos e baixos. Mas a tendência de longo prazo é de alta para o bitcoin e de queda para moedas tradicionais. Quanta confiança você tem na sua moeda [brasileira, o real] atualmente? Não deve ser muita. Você sabe que eles vão ter que inflacionar. O que significa que a moeda que você tem agora vai valer menos com o tempo. Mas o bitcoin vai valer mais. A tendência de longo prazo é de que vai valer mais.

Falando sobre outro assunto. Qual sua expectativa sobre o mercado de venture capital para este ano? Vê chance de uma recuperação já?

Seria ótimo. Mas depende dos reguladores. Se os reguladores quiserem regular, o que eles geralmente fazem, esta vai ser uma recessão prolongada. Vai ser um momento ruim para o venture capital. As pessoas não vão querer colocar muito dinheiro em investimentos arriscados. Mas se os reguladores perceberem que para crescer é preciso desregulamentar, então as coisas vão ir bem. E seria uma recuperação muito mais rápida.

É interessante que os reguladores tendem a culpar alguém por essa situação. Mas eles devem olhar no espelho. Eles nos mantiveram presos em casa [durante a fase mais crítica da pandemia, época em que as infecções e mortes por covid-19 dispararam, sobrecarregando o sistema de saúde, antes do desenvolvimento da vacina], eles fecharam as empresas, então eles imprimiram dinheiro, e então eles reagiram de forma exagerada à inflação. Tudo isso foram os reguladores. Eles fizeram isso. Se forem espertos, eles vão desregulamentar.

Algumas empresas de venture capital levantaram mais capital para investir na América Latina recentemente. O sr. também está no processo de levantar mais capital? E que tipo de oportunidade o sr. vê hoje?

Não tenho permissão para dizer publicamente se estou levantando dinheiro. Mas existem muitas empresas de venture capital pedindo recursos, mas não tanto dinheiro sendo levantado. Tem sido um período duro para levantar dinheiro para o venture capital.

Na América Latina, na fase de boom, eu vi muitas empresas de venture capital procurando empreendedores na América Latina. Sinto que eles agora se retraíram. Isso significa que os empreendedores vão precisar financiar o seu crescimento com o dinheiro das vendas aos seus consumidores.

Como vê a América Latina como mercado potencial para investimentos em startups? O sr. também está buscando empresas aqui para investir?

Somos investidores em muitas empresas na América Latina. Somos investidores early-stage na Rippio, BitPagos, somos investidores na Lemon. Temos muito interesse na América Latina e no crescimento na América Latina.

Ainda há potencial para a América Latina mesmo nesse cenário de menos disponibilidade de capital?

Sim. Há provavelmente melhores retornos para os investidores. Porque há menos dinheiro disponível. Mas vai ser difícil. Os empreendedores vão ter que apertar os cintos.

Sua visita ao Brasil também tem relação com isso? Conhecer startups com o potencial de investir?

Ah, sim. Estou procurando startups, absolutamente. Na Draper University, temos um número desproporcional de brasileiros que nos procuram para construir negócios. E o Brasil é um ponto de parada principal na nossa competição global do programa de TV Meet the Drapers. Então, sim. O Brasil é muito importante para nós. Estamos muito animados. Eu nunca fui ao Brasil. E estou animado para conhecer o Rio e São Paulo.

O que pode dizer sobre o episódio do programa Meet the Drapers que vai filmar aqui?

Tivemos milhares de inscrições. E agora escolhemos quatro empreendedores para entrevistar e avaliar durante o programa. O programa tem agora algo como 40 milhões de espectadores ao redor do mundo. Estamos muito animados com o sucesso que alcançou. Essa é a nossa sexta temporada e é toda filmada ao redor do mundo.

O Brasil é um dos 10 países em que paramos para encontrar empreendedores. E eles são de muita qualidade, porque eles foram avaliados pela nossa equipe. Nossa equipe entrevista milhares deles antes de escolher os quatro que temos em cada programa.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.