Manhattan
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Bloomberg Opinion — O aumento do trabalho remoto durante a pandemia reduziu a demanda por espaço de escritório e deixou algumas cidades americanas parecendo cidades fantasmas. Como resultado, tem se falado muito em converter escritórios nos centros das cidades em apartamentos.

Isso poderia não apenas ajudar proprietários de imóveis comerciais subitamente menos valiosos, segundo os defensores da medida, mas trazer vida a bairros vazios, passageiros a sistemas de trânsito subutilizados e moradias acessíveis a cidades que precisam.

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Pode dar certo? Bem, uma icônica região dos Estados Unidos – o Distrito Financeiro de Nova York, também conhecido como Wall Street – embarcou nessa transformação há várias décadas e certamente conseguiu atrair moradores.

Em 1970, o censo de Manhattan constatou que a região compreendida pela Chambers Street e a ponte do Brooklyn tinha 833 habitantes. No Censo de 2020, eram 60.806 habitantes.

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Centro de Manhattandfd

Essa população pode ter diminuído um pouco durante a pandemia. Mas com os compradores começando a se mudar para a área de maior conversão de escritórios para residências – o condomínio One Wall Street, na antiga sede da Irving Trust – e de mais conversões e novos edifícios residenciais a caminho, a região parece estar voltando ao crescimento.

O térreo do One Wall Street também abriga um grande supermercado Whole Foods, e o edifício também incluirá a primeira unidade americana da rede de lojas de departamento francesa Printemps.

Há uma estação de metrô bem na frente do prédio, na qual os residentes podem pegar um trem que os leva a Midtown (região ao meio da ilha de Manhattan) em 15 minutos, bem como quatro outras linhas de trem, várias balsas, um shopping de luxo, museus, locais históricos, restaurantes finos e um parque à beira-mar, tudo a uma caminhada de distância.

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A transformação do bairro foi ainda mais notável considerando que em setembro de 2001 os terroristas destruíram seus dois maiores edifícios, as torres gêmeas do World Trade Center, matando milhares de pessoas e deixando a vizinhança coberta de escombros e cinzas tóxicas. Agora o World Trade Center está de volta, de forma alterada, mas ainda impressionante. O Memorial do 11 de Setembro se tornou um grande atrativo turístico. O centro de Manhattan parece ser implacável.

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Contudo, não é acessível – pelo menos para as pessoas que recebem menos que a renda familiar média da cidade de Nova York de US$ 70.663 ao ano. Os apartamentos do One Wall Street no site StreetEasy variam de um studio de 47 metros quadrados por US$ 990 mil a um apartamento de cinco quartos e 543,6 metros quadrados por US$ 19 milhões.

O edifício está na zona de luxo da região, mas não muito. Dois terços dos apartamentos do Distrito Financeiro listados para venda nos sites StreetEasy e Realtor.com custam US$ 1 milhão ou mais, e as estatísticas de 2017 até 2021 mostram que 76% dos inquilinos da área pagam US$ 3 mil ou mais de aluguel por mês.

Renda média das regiões de Manhattandfd

UES é a sigla de Upper East Side, sinônimo de luxo desde o início do século 20 – embora as áreas distantes do Central Park e do East River não sejam tão extravagantes.

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BPC é Battery Park City, a comunidade planejada construída em 1980 em um terreno que consiste em grande parte de terra e rochas escavadas para o vizinho World Trade Center.

A área é divididas em duas regiões para o censo que, juntas, representavam 16.269, ou 26,8%, dos residentes ao sul da Chambers Street e que, para fins deste artigo, estou tratando apenas como parte do Distrito Financeiro. FiDi é a abreviação de Distrito Financeiro, e Tribeca é o “triângulo abaixo da Canal Street”, logo ao norte de FiDi – na verdade, é um quadrilátero.

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A média de trabalho remoto de 17,2% para a área acima é, novamente, uma média de cinco anos que não reflete totalmente o impacto das recentes mudanças nos acordos de trabalho corporativo.

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O censo fornece estimativas anuais para uma área maior composta pelo Distrito Financeiro, Tribeca, SoHo e Greenwich Village, e sua participação no trabalho remoto em 2021 foi de 43,4%, em comparação com 24,1% para toda a cidade e 12% para o Bronx, o bairro com a menor participação. Sim, o centro da cidade é diferente.

No Distrito Financeiro, a diferença se dá em parte por causa da novidade do status da área como bairro residencial. Ao contrário de outras partes da cidade de Nova York e em bairros que estão passando por gentrificação em todo o país, não há muitos bairros mais antigos e de baixa renda como antigamente.

Isso também acontece porque, com praticamente todas as moradias da área em edifícios de escritórios convertidos e novas construções, há poucos apartamentos no térreo e prédios baixos que às vezes podem custar menos.

Em Battery Park City, o plano original da cidade e do estado previa a reserva de dois terços das moradias para inquilinos de baixa e média renda. No início dos anos 70, esse índice foi reduzido para 14% em meio a preocupações com o custo e manter o empreendimento atraente para os inquilinos de baixa renda.

Agora, de acordo com a Battery Park City Authority, cerca de 300 das 8.715 unidades da comunidade estão sujeitas a limites de renda, com “mais centenas” cobertas pela lei de estabilização de aluguel. Parte da “receita excedente” da autoridade (US$ 215,3 milhões no exercício fiscal de 2022) é destinada para os esforços de moradia acessível em outras partes da cidade, mas a maioria do dinheiro acaba sendo gasto com outras coisas.

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A readequação de edifícios mais antigos para uso residencial começou na área com artistas que converteram armazéns vazios em Tribeca em studios nos anos 70. No início dos anos 80, começaram as conversões de escritórios em residências no Distrito Financeiro.

O esforço focado para incentivar essas conversões começou em meados dos anos 90. Na época, a cidade de Nova York estava em plena crise imobiliária comercial – muito mais severa do que a que sofreu (até agora) após a pandemia – provocada por um boom na construção de escritórios nos anos 80 e, em seguida, uma crise no setor financeiro.

Com a crise financeira e alta proporção de edifícios mais antigos, o Distrito Financeiro foi o principal afetado, com fortes quedas na receita do imposto imobiliário e temores de que que a área sucumbiria a uma espiral descendente de abandono e decadência.

Segundo uma lei estadual promulgada em 1995, as incorporadoras que converteram edifícios de escritórios do centro da cidade em apartamentos durante a década seguinte receberiam uma dedução nos impostos prediais por 14 anos.

Os edifícios que aproveitaram a redução de impostos deveriam estar “totalmente sujeitos” às leis de estabilização de aluguel por esses 14 anos, mas a Câmara Municipal votou em 1994 para isentar apartamentos vagos com aluguéis de US$ 2 mil ou mais, e o prefeito Rudolph Giuliani decretou que a regra também se aplicaria aos aluguéis subsidiados no Distrito Financeiro, dos quais três quartos escaparam da regulamentação. Enquanto isso, os edifícios condominiais que receberam as deduções nunca ficaram sujeitos a limites de custo ou renda.

O objetivo era começar a reincorporação no Distrito Financeiro, não criar moradias acessíveis, e foi isso que a legislação estabeleceu. Em 1995, as autoridades municipais esperavam que as conversões de escritórios em residências no Distrito Financeiro gerassem de 2 mil a 3 mil novas moradias durante a década seguinte.

De acordo com um relatório recente da Citizens Budget Commission, o total final de moradias que receberam os benefícios fiscais foi de 12.865. Convertendo para a cotação atual, o custo foi de US$ 132 mil por unidade, segundo o relatório, mas é claro que a perda de receita fiscal poderia ter sido muito maior se os edifícios tivessem ficado vazios.

Desde que a legislação expirou, pelo menos mais 3.171 apartamentos foram criados em antigos prédios de escritórios do Distrito Financeiro. O número de grandes edifícios residenciais novos também está aumentando. Em alguns deles, algumas unidades foram reservadas para moradores de baixa e média renda em troca de uma isenção do imposto predial.

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Sou uma das pessoas que acreditam (porque é o que as evidências nos mostram) que as novas moradias pelo preço de mercado são boas e incentivam a queda dos preços no geral.

O Community District 1, que engloba o Distrito Financeiro e Tribeca, acrescentou mais novas moradias que qualquer outro distrito na cidade de Nova York de 2000 a 2010, e ficou em sétimo lugar (de 59) de 2010 a 2020. Se mais partes da cidade de Nova York e de seus subúrbios produzissem moradias a um ritmo semelhante, os aluguéis e preços das casas na região certamente seriam mais baixos.

Parece perverso, considerando o envolvimento do governo em trazer as pessoas de volta ao Distrito Financeiro, que tão pouco se fez para pessoas menos abastadas.

Esse é o bairro com talvez o melhor acesso a transporte público em todo o país, mas ele está efetivamente fora do alcance da maioria dos nova-iorquinos com empregos que exigem que eles trabalhem presencialmente todos os dias.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Justin Fox é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre negócios. Foi diretor editorial da Harvard Business Review e escreveu para a Time, Fortune e American Banker. É autor de “O Mito dos Mercados Racionais”.

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