Aposta em crédito vai além de ciclos adversos de curto prazo, diz CEO da Totvs

Dennis Herszkowicz comenta parceria com o Itaú e diz que empresa de tecnologia pretende fazer aquisições em 2023 tomando proveito da posição de caixa

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Bloomberg Línea — A onda de inadimplência no segmento corporativo tem imposto perdas a players de todos os tamanhos no setor financeiro, de grandes bancos a fintechs. Mas isso não muda os planos da Totvs (TOTS3), empresa de tecnologia de software de gestão que pretende crescer nesse mercado. Foi o que afirmou o CEO da Totvs, Dennis Herszkowicz, em entrevista à Bloomberg Línea.

“O nosso investimento não é de curto prazo, ele é estrutural de longo prazo. Então o fato de o ciclo de crédito estar melhor ou pior no curto prazo não afeta uma decisão estratégica como essa”, disse Herszkowicz.

A Totvs foi afetada já pela crise do mercado corporativo e provisionou no quarto trimestre 100% do valor que tinha a receber (R$ 9,6 milhões) de uma empresa que entrou em recuperação judicial e que era afiliada da Techfin, seu braço fintech.

A aposta da Totvs para crescer a Techfin passa pela joint venture com o Itaú Unibanco (ITUB4), anunciada em abril de 2022, que já recebeu aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), restando pendente o aval do Banco Central.

“A escolha do modelo de joint venture e do Itaú como parceiro vem de uma combinação de vários elementos. De um lado, acesso a funding de uma maneira muito mais ampla e muito mais acessível para nós - e funding para crédito é essencial -, além do fato de o Itaú ter um portfólio de produtos e um know-how no mundo financeiro que a Totvs demoraria para atender”, disse o CEO.

Herszkowicz também disse que a Totvs pretende fazer novas operações de M&A ao longo de 2023, a exemplo de anos anteriores, tomando proveito do fato de estar capitalizada.

“Vivemos um mercado em que os preços relativos continuam se ajustando e em que uma empresa com o balanço da Totvs - muito positivo, com uma posição de caixa fortíssima - acaba sendo favorecida. Não tenho dúvida que teremos boas oportunidades para M&A em 2023″, afirmou o executivo, que comentou também os resultados do quarto trimestre (veja depois da entrevista a análise do mercado).

Veja abaixo a entrevista do CEO da Totvs, Dennis Herszkowicz, com a Bloomberg Línea, editada para fins de concisão e clareza:

Como avaliam os resultados do quarto trimestre?

Tivemos um ano realmente muito positivo, e o quarto trimestre, com esse recorde, começou de uma maneira mais difícil em razão das eleições, o que fez com que alguns negócios novos que estávamos assinando com clientes fossem postergados.

Mas conseguimos ao longo de novembro e dezembro ter uma recuperação importante. Tivemos um resultado recorde não só de receita [líquida] mas a adição de ARR [receita anual recorrente, na sigla em inglês] foi extremamente positiva.

Como avaliam as incertezas para este ano?

Incerteza certamente teremos. Nunca sabemos exatamente o que vai vir. Quando estávamos planejando 2022 lá em 2021, o que se imaginava para 2022 não foi exatamente o que aconteceu em termos de Brasil e de mundo. Eu tenho certeza de que 2023 não vai ser diferente. Boa parte das coisas que vão acontecer em 2023 não terão sido previstas agora.

Porém eu entendo que o mercado de tecnologia e software de gestão - em que temos nossa principal atuação - vai seguir crescendo muito acima da economia. Nós, com um portfólio amplo, um nível bastante reconhecido e uma distribuição capilar, teremos um bom ano de 2023, independentemente do que venha de incerteza ou de problema do ponto de vista político, econômico, de Brasil ou mundo.

E a crise da Americanas? Isso afeta de alguma forma a Totvs?

Não, nenhum efeito direto para nós. Obviamente que um caso como esse, que é um caso grande, tem uma certa repercussão no mercado financeiro e no mercado de crédito como um todo. É natural que algum tipo de conservadorismo maior possa acontecer, mas a Totvs é uma empresa que tem caixa líquido positivo, ou seja, nós não precisamos de financiamento do mercado.

A nossa operação de crédito é bastante diferente da operação de risco sacado, é bastante tranquilo e eu não vejo nenhum impacto direto para a Totvs.

O resultado da Techfin veio um pouco mais fraco porque foi necessário fazer provisões, dado que uma empresa associada entrou em recuperação judicial. O que aconteceu exatamente?

Não é uma empresa associada, é uma afiliada, cliente da supplier. Essa empresa entrou em recuperação judicial em dezembro do ano passado e nós fizemos a provisão integral do potencial prejuízo que esse cliente pode nos trazer.

A partir do momento em que fazemos a provisão, o que temos daqui para frente são eventuais efeitos positivos, caso essa recuperação signifique que a empresa vai continuar operando e eventualmente atendendo seus clientes.

E as demais adquiridas, como a RD Station: os negócios têm performado como imaginavam?

Sim, eu diria que 2022 foi um ano bastante positivo. A RD seguiu crescendo na casa dos 30% para mais e já é uma empresa rentável, com margem de contribuição na casa dos 50%.

É uma empresa com uma combinação muito positiva de rentabilidade, que, do ponto de vista estrutural, não é diferente da nossa operação de software de gestão. Também é uma operação em que esse mandato duplo de crescimento e rentabilidade se aplica.

A RD segue com um nível de recorrência de receita acima dos 95%, tem uma taxa de renovação de clientes na casa dos 97%. Uma operação bem dentro do que imaginávamos quando fizemos a aquisição.

A Totvs considera M&A para este ano visto que muitas startups não estão conseguindo captar e podem ser alvo de aquisição?

Sem dúvida. O M&A é parte do nosso DNA. Para uma empresa de tecnologia como a nossa, que tem uma proposta de valor ampla para o cliente, sabemos que é impossível ter um portfólio completo sem que a gente use esse mecanismo de M&A.

Sempre vamos ter isso na agenda de maneira relevante. Vivemos um mercado em que os preços relativos continuam se ajustando e é um mercado em que uma empresa com o balanço da Totvs - muito positivo, com uma posição de caixa fortíssima - acaba sendo favorecida. Com a devida disciplina e paciência, não tenho dúvida que teremos boas oportunidades para M&A em 2023.

Como vocês têm conseguido navegar nesse cenário com juros mais altos?

Há uma combinação de tempo como empresa listada - lembrando que a Totvs está na bolsa desde 2006 -, tamanho, liderança, modelo de negócio baseado em receita recorrente, a importância que temos para o nosso cliente, a capacidade de distribuição e uma maturidade corporativa no sentido de que, mesmo nos momentos em que o mercado estava um pouco mais otimista com relação à importância do crescimento em detrimento da rentabilidade, a Totvs nunca se enganou nesse sentido.

Pelo contrário, sempre mantemos o que chamamos de “duplo mandato”, a combinação e a busca do equilíbrio entre crescimento e rentabilidade. Mesmo no final de 2021, quando o mercado de tecnologia atingiu o pico e os investidores estavam mais preocupados com crescimento, e não ,com rentabilidade, a Totvs não era assim.

Big techs e empresas menores têm feito demissões em massa como estratégia de cortes de custos. Vocês têm algum plano nesse sentido?

Não, não temos previsão de layoffs, pelo contrário, fechamos 2022 com o time maior do que quando começamos o ano. A expectativa para 2023 não é diferente. Na prática, estamos fazendo esse trabalho de disciplina de custos diariamente.

Como já estávamos em processo equilibrado de gestão de custos, não tivemos a necessidade de fazer demissões e não acredito que tenhamos essa necessidade para 2023.

Vocês fornecem algum guidance para o próximo trimestre?

Não fornecemos guidance nem para o trimestre nem para o ano, mas entendemos que 2023 será um ano bom para nós porque nosso cliente continua com a necessidade de expandir com os nossos sistemas.

Temos a criação da JV (joint venture) da Techfin com o Itaú, que entendemos que será um elemento de aceleração do portfólio de Techfin e do crescimento, e temos a dimensão de performance de negócio com lançamentos de soluções nos próximos meses.

Por que apostar em uma JV com a Techfin e em crédito em um momento em que inadimplência e dívida são grandes questões no Brasil?

O nosso investimento não é de curto prazo, ele é estrutural de longo prazo. Então o fato de o ciclo de crédito estar melhor ou pior no curto prazo não afeta uma decisão estratégica como essa.

Decidimos há três, quatro anos, entrar no mundo financeiro, com crédito sendo o principal elemento dessa estratégia, e não é o curto prazo que mudaria essa decisão.

A escolha do modelo de joint venture e do Itaú como parceiro vem de uma combinação de vários elementos. De um lado, acesso a funding de uma maneira muito mais ampla e muito mais acessível para nós - e funding para crédito é essencial -, além do fato de o Itaú ter um portfólio de produtos e um know-how no mundo financeiro que a Totvs demoraria para atender.

Lembrando que já foi aprovado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), mas ainda falta uma aprovação do Banco Central para começar a operar.

A visão dos analistas sobre o resultado da Totvs

A Totvs teve no quarto trimestre uma receita líquida consolidada de R$ 1,1 bilhão (com crescimento de 21% no ano contra ano e de 3% no trimestre contra trimestre), em linha com as estimativas de analistas da XP e do BTG. O Ebitda ajustado foi de R$ 266,1 milhões, superando as expectativas em 1,3%.

A margem de contribuição teve queda de 0,7 ponto percentual no ano contra ano, atingindo 53,4%, com impacto principalmente da Techfin com o aumento da provisão para uma afiliada em recuperação judicial.

A Totvs provisionou 100% do valor da inadimplência (R$ 9,6 milhões) referente à afiliada chamada Mixtel.

A Mixtel era uma afiliada da Techfin, adiantou recebíveis com a Totvs e não entregou os produtos que vendeu, o que significa que seus clientes não pagarão à Totvs.

“Como a Totvs optou por provisionar 100% do valor antecipado, tudo o que eles conseguirem recuperar aumentará os resultados futuros”, disseram analistas do BTG em relatório.

A Totvs também é alvo de uma ação coletiva ajuizada em 2013 e recebeu duas decisões em instâncias inferiores, levando seus assessores a avaliar as chances de perda do processo como ‘remota’, mas perdeu recentemente no Superior Tribunal de Justiça, o que derrubou em R$ 8,1 milhões o Ebitda.

“Como esses itens são não recorrentes - foi a primeira vez que um fornecedor de uma afiliada faliu -, a maneira certa de avaliar o desempenho operacional do quarto trimestre é olhar os resultados excluindo esse aspecto”, apontou o BTG.

Além da provisão das perdas esperadas em Techfin, a margem Ebitda da Totvs caiu -1,7 ponto percentual no ano contra ano, impactada negativamente também por contingências em gestão.

Se não fosse esse impacto, a margem Ebitda ajustada atingiria o mesmo patamar do terceiro trimestre de 2022 e do quarto trimestre de 2021, em 24,7%, segundo análise da XP.

A receita recorrente da empresa cresceu 26% no ano contra ano, chegando a R$ 4 bilhões.

Os analistas da XP Bernardo Guttmann e Marco Nardini apontaram “resultados sólidos no quarto trimestre, combinando crescimento com defensividade”

O lucro líquido dos controladores foi de R$ 148 milhões (9% acima do esperado pelos analistas da XP).

Guttmann e Nardini mantiveram a recomendação de compra do papel com o preço-alvo de R$ 39 por ação para o fim de 2023. Já o Credit Suisse colocou a recomendação como “neutra”, considerando que os números principais ficaram abaixo do consenso e das estimativas de seus analistas.

“No entanto, os resultados foram afetados por eventos extraordinários desfavoráveis (cliente em recuperação judicial, altas provisões cíveis e custos relacionados a fusões e aquisições) que não devem direcionar as estimativas futuras”, disse o Credit Suisse, pontuando que, feitos os ajustes, receitas, Ebitda e lucro líquido estariam em linha com os números esperados.

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