Americanas, diretores e controladores entram na mira de acionistas minoritários

Investidores vão pedir que Ministério Público Federal investigue supostas práticas de insider trading, fraude contábil e venda de ações sem lastro

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Bloomberg Línea — O rombo contábil de R$ 20 bilhões divulgado pela Americanas (AMER3) pode resultar em complicações também para os diretores e sócios controladores da empresa, entre eles Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Acionistas minoritários da companhia já preparam medidas para tentar garantir que serão ressarcidos pelos prejuízos que tiveram com a queda nos preços dos ativos da empresa.

Para evitar que os débitos sejam executados em detrimento dos acionistas, o advogado Daniel Gerber vai pedir, em nome de minoritários, que o Ministério Público Federal (MPF) investigue se foram cometidos crimes contra o mercado de capitais e contra o mercado financeiro. Também pedirá o bloqueio de bens dos apontados como responsáveis pelo rombo, para garantir que os minoritários sejam ressarcidos.

O pedido envolverá tanto a Americanas quanto a PricewaterhouseCoopers (PwC), auditoria responsável pelos balanços da empresa.

Na sexta-feira (13), a Justiça do Rio de Janeiro atendeu a um pedido da Americanas e suspendeu a execução das dívidas da empresa, proibindo o bloqueio, penhora ou suspensão de bens e ativos da companhia por 30 dias. No pedido feito à Justiça, a Americanas informou ter “cerca de R$ 40 bilhões” em dívidas, já contando, em tese, as “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões reveladas dois dias antes em fato relevante ao mercado.

O BTG Pactual (BPAC11), credor de R$ 1,9 bilhão, já pediu a suspensão da decisão. Na petição, o banco alega que o pedido da Americanas à Justiça foi feito “para impedir os credores de legitimamente protegerem o seu patrimônio à luz da maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país”.

O anúncio do rombo, que foi tratado como “inconsistências contábeis” pela companhia, derrubou as ações em cerca de 75% no pregão de 12 de janeiro, dia seguinte ao comunicado ao mercado. Nos Estados Unidos, onde a empresa negocia ADRs, a queda foi de 22% na abertura do mercado nesse dia.

Segundo o advogado criminalista Daniel Gerber, o pedido será para investigar se foram cometidos os crimes de insider trading (uso de informações privilegiadas para obter vantagens no mercado de capitais), gestão fraudulenta, venda de ações sem lastro e organização criminosa.

“As pessoas passaram anos se organizando de forma hierárquica para cometer esses crimes”, disse o advogado em entrevista à Bloomberg Línea.

O MPF em São Paulo já apura se há indícios do cometimento de insider trading pelos diretores e controladores da companhia desde sexta. A apuração ainda é preliminar e não foi aberto inquérito.

A suspeita do uso de informações privilegiadas acontece porque, desde que a Americanas informou o mercado sobre o rombo, circulam informações em redes sociais de que diretores venderam o equivalente a R$ 210 milhões em ações da empresa ainda no segundo semestre de 2022 - antes, portanto, de as “inconsistências contábeis” terem sido anunciadas ao mercado.

A fraude contábil, se confirmada, seria relacionada com o fato de a Americanas ter registrado dívidas financeiras como outras rubricas no balanço. Em vídeono YouTube, o ex-CEO da Americanas Sergio Rial disse que o rombo de R$ 20 bilhões “é uma estimativa de diversos lançamentos contábeis”.

“Na verdade”, diz o executivo no vídeo, “esse número está dentro da estrutura atual do balanço, só que ele não está registrado, apropriado”. “Esses lançamentos estão, de alguma forma, colocados dentro da estrutura do balanço ou da conta de resultado da empresa.”

Nos EUA

Como a Americanas tem ADRs (recibos de ações) negociados nos Estados Unidos, a empresa também está sujeita a medidas judiciais nesse mercado.

O escritório de advocacia Almeida Law anunciou na sexta-feira (13) que já trabalha no ajuizamento de uma ação coletiva (class action) nos EUA “em defesa dos investidores lesados pelas inconsistências reportadas pela Americanas”. Isso não significa, no entanto, que essa ação será levada adiante.

A ação coletiva nos EUA é diferente do instituto no Brasil. Lá, escritórios de advocacia apresentam teses à Justiça em nome de uma classe de pessoas - nesse caso, de investidores -, e é o juiz quem decide qual escritório será responsável por cuidar do processo. É uma espécie de leilão de teses jurídicas.

O Almeida Law trabalha em parceria com escritórios norte-americanos. No anúncio feito na sexta, a banca disse que o objetivo da ação contra a Americanas é conseguir uma “indenização punitiva” ou um acordo com a empresa.

A estratégia é semelhante à adotada pela banca de advocacia com a Petrobras na época da Operação Lava Jato. Em dezembro de 2014, a firma levou à Justiça dos EUA uma ação contra a companhia em nome dos acionistas minoritários. Na ocasião, o escritório escolhido para tocar o caso foi o Pomerantz, mas o Almeida Law ficou responsável por um grupo de acionistas.

O caso de 2014 resultou em um acordo, assinado em 2018, por meio do qual a estatal brasileira se comprometeu a pagar R$ 3 bilhões aos minoritários. Foi o maior acordo envolvendo uma empresa estrangeira nos EUA. A PwC, auditoria responsável pelas informações da Petrobras, teve de pagar US$ 50 milhões.

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