Mercado de podcasts dá sinais de esgotamento após a alta dos últimos anos

Com a suspensão das contratações, pagamentos mais baixos e menos aquisições, a onda de podcasts parece ter chegado a um ponto de saturação

O Índice Media Titans 30, que inclui empresas de áudio como Spotify e SiriusXM, caiu quase 40% durante o ano passado, contraindo mais de US$ 300 milhões em valor de mercado
Por Ashley Carman - Lucas Shaw
11 de Janeiro, 2023 | 05:15 PM

Bloomberg — Com o amadurecimento do mercado de podcasts nos últimos anos, o setor adotou muito da ostentação das indústrias de mídia mais estabelecidas, desde uma próspera imprensa comercial até seu próprio circuito de premiação. Neste último ano, os podcasts finalmente alcançaram um dos principais sinais de meia-idade – uma constatação inquietante de que seus anos dourados podem ter chegado ao fim.

Enquanto a receita global de podcasts e a audiência continuam aumentando, a exuberância que muitos sentiram sobre esse meio vem se dissipando mesmo entre alguns de seus participantes mais fervorosos.

“Quando é que precisamos parar e admitir que, em vez de ser ‘algo grandioso’ que está por vir, isso é apenas ‘algo mediano’?” escreveu Nick Hilton, um empresário de podcasts, em uma recente publicação em seu blog intitulada “2022: The Year That Podcasting Died” (2022: O ano em que o podcast morreu, em tradução livre).

A ilustração era uma lápide.

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Hipérbole à parte, existe uma energia severa que permeia o setor de podcasts – e por um bom motivo. Após uma prolongada onda de compras, alguns dos maiores grupos da indústria estão agora recuando devido à crescente preocupação com a economia e a possibilidade de menos vendas de publicidade em áudio.

A Sirius XM Holdings (SIRI) diminuiu o ritmo de seus negócios, e o Spotify está congelando seu orçamento para novos podcasts nos Estados Unidos, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.

A Amazon Music desistiu de novos negócios e orientou sua equipe a reduzir as ofertas já feitas, disseram duas pessoas que pediram para não serem identificadas por causa da sensibilidade das negociações.

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Em alguns casos, as três empresas estão oferecendo pagamentos antecipados menores para novos programas e procurando ficar com mais receita publicitária, de acordo com várias pessoas familiarizadas com o assunto. Os programas que antes podiam reivindicar 80% das vendas de publicidade são agora muitas vezes obrigados a se contentar com 50%, segundo duas fontes.

Representantes da Amazon (AMZN) e do Spotify não quiseram comentar. Scott Greenstein, presidente e diretor de conteúdo da SiriusXM, disse que a empresa se sente “muito bem” com sua área de podcasts e espera “crescer ainda mais este ano” com o lançamento de vários novos programas.

“Muitas dessas plataformas que estão adquirindo e gastando muito no setor de podcasts fizeram essas apostas e estão colocando esses negócios para funcionar”, disse Chris Peterson, fundador e CEO da Modish Media, uma empresa de consultoria de áudio.

“É um período de desaceleração, mas continuaremos tendo mais fusões e aquisições à medida que mais empresas e dinheiro vierem para o espaço”, afirmou.

Perda do ímpeto

Durante os anos de boom, parecia que os negócios de licenciamento de podcasts estavam apenas aumentando em valor. Mas recentemente, surgiram sinais de que a trajetória ascendente pode estar perdendo o ímpeto.

No início de 2022, Jacob Weisberg, o fundador da produtora de podcasts Pushkin Industries, começou a procurar por um novo parceiro de licenciamento. O atual acordo da Pushkin com a iHeartMedia, assinado em 2020, estava prestes a expirar.

A Pushkin começou a elaborar um novo e promissor acordo com a Amazon que teria pago à rede de podcasts mais de US$ 10 milhões em troca dos direitos de distribuição e venda de publicidade nos programas da empresa, que incluem o Revisionist History, de Malcolm Gladwell, e o Broken Record, de Rick Rubin, durante um período de vários anos.

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Mas a gigante do varejo tinha más notícias. Devido à contenção de gastos na Amazon, a divisão de áudio poderia oferecer um valor significativamente mais baixo que a proposta inicial, segundo pessoas familiarizadas com as negociações. A Pushkin, que não quis comentar, acabou recuando na oferta reduzida.

“Já existem muitos programas, e programas bons – está ficando cada vez mais difícil inovar”.

Enquanto isso, saídas lucrativas, que antes eram comuns para empresários de podcasts, agora são escassas.

Em 2018, Rob Herting deixou seu emprego em Hollywood, quando trabalhava na agência de talentos Creative Artists Agency, para abrir a QCode, empresa de podcasts que visava usar suas conexões de Hollywood para capitalizar a indústria em expansão.

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Herting arrecadou US$ 6,4 milhões e montou uma fila de séries com scripts realizados por artistas de renome, incluindo Demi Moore, Matthew McConaughey e Rami Malek.

No início do ano passado, Herting considerou vender seu negócio. De acordo com pessoas familiarizadas com as conversas, ele queria vender por mais de US$ 100 milhões. Mas até o momento, Herting ainda não vendeu.

Um porta-voz da QCode disse que a empresa recebeu várias ofertas, mas ainda não encontrou o parceiro ou a estrutura de negociação certa, citando o timing do mercado. A QCode se recusou a comentar o valor do valuation.

Nos quatro anos desde que Herting fundou a QCode, o número de americanos que ouvem um podcast a cada mês cresceu de 26 milhões para 38 milhões, de acordo com a Edison Research. As vendas de anúncios aumentaram para mais de US$ 1 bilhão por ano, de acordo com a IAB.

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Em 2022, várias categorias de compradores de anúncios, incluindo varejistas, superaram seus gastos totais estimados do ano anterior, de acordo com dados da Magellan AI, que rastreia as compras de anúncios em podcast. “Não é o fim do mundo”, disse John Goforth, diretor de receita da Magellan.

Mas nos últimos anos, mesmo quando as receitas continuaram aumentando, o número de podcasts competindo por atenção e dinheiro publicitário cresceu a um ritmo ainda mais rápido. No primeiro trimestre de 2020, a Spotify tinha 1 milhão de podcasts em sua plataforma. Em setembro do ano passado, o número havia duplicado, chegando a 4,7 milhões.

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Uma explosão semelhante aconteceu por todo o setor. O excesso de programas ajuda a explicar, em parte, como uma indústria que ainda está em expansão pode agora muitas vezes parecer estar se contraindo. O crescimento pode até ocorrer no geral, mas ultimamente a remuneração relativa diminuiu.

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Durante anos, muitos empresários acreditavam que a publicidade em podcasts não só continuaria crescendo, mas também aprimoraria os anúncios tradicionais de rádio com mensagens mais direcionadas e um processo de vendas mais automatizado.

Da mesma forma, as grandes plataformas tecnológicas esperavam recuperar o dinheiro gasto na aquisição de podcasts parcialmente ao instituir um tipo de publicidade que tornasse os anúncios em podcasts mais parecidos com os da web – fáceis de comprar e simples de administrar.

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Mas, na maioria das vezes, a inserção de um anúncio em um programa ainda requer uma equipe de vendas prática e negociações demoradas. Como resultado, as eficiências ainda não se materializaram, o que, por sua vez, dificultou para as plataformas justificar novas aquisições de grande porte.

O aumento de podcasts também criou um novo e não resolvido desafio tecnológico. Com tantas opções, como o consumidor encontra algo novo para ouvir? Enquanto algumas empresas investiram ou lançaram produtos para ajudar na descoberta de podcasts, uma sensação de estagnação chegou ao topo das paradas.

Em agosto, nenhum dos 10 podcasts mais populares nos Estados Unidos havia estreado nos últimos dois anos. Para novos podcasts, ganhar atenção pode parecer mais difícil do que nunca – não é a melhor dinâmica para os produtores que procuram atrair investimentos externos em novos produtos.

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“Um grande fator no crescimento da Campside foi os podcasts que chegaram ao topo ou perto do topo das paradas e ali ficaram, permitindo-nos puxar nossos outros programas”, disse Matthew Shaer, cofundador da Campside Media, uma empresa de produção de podcasts.

“Se estivéssemos começando em 2022, acredito que teríamos muito mais dificuldade para ter sucesso – já existem muitos programas, e programas bons – está ficando cada vez mais difícil inovar”

Matthew Shaer, cofundador da Campside Media

Cortes de custos

O setor de podcasts também está sofrendo com o declínio macroeconômico que está prejudicando a mídia e as empresas de tecnologia. O Índice Media Titans 30, que inclui empresas de áudio como Spotify e SiriusXM, caiu quase 40% durante o ano passado, com uma queda de mais de US$ 300 milhões em valor de mercado.

O emprego na indústria de podcasts também parece menos seguro. A Acast, que em maio assinou um acordo de três anos com Marc Maron, recentemente demitiu 15% de seus funcionários devido às preocupações sobre uma possível recessão.

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A SiriusXM está planejando reduzir seu pessoal. Recentemente, o Spotify também demitiu alguns de seus roteiristas de podcast, além dos funcionários de seus estúdios Gimlet Media e Parcast. Em novembro, a National Public Radio revelou que faria cortes de orçamento e praticamente congelaria as contratações.

Mesmo assim, muitos no setor esperam que 2023 seja um ano forte, não importa o que os céticos estejam dizendo. O YouTube entrou formalmente no setor de podcasts em agosto, e as redes que postaram programas na plataforma esperam se beneficiar de seus bilhões de usuários.

Várias empresas consideram os mercados internacionais uma oportunidade inexplorada para distribuir hits no exterior, e a necessidade de novas tecnologias é alta, possivelmente apresentando diferentes oportunidades de fusões e aquisições.

“Estou otimista porque as mesmas coisas que sempre funcionaram no setor continuam dando certo”, disse Ben Riskin, diretor da Room Tone, uma empresa de consultoria de áudio. “O meio e o modelo continuam evoluindo, mas temos que confiar em nossos instintos sobre como crescer em vez de deixar que especulações impulsionem nossa definição de sucesso”.

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