Bancos da Argentina constroem cofres para lidar com recorde de dinheiro vivo

Alta da da inflação de mais de 85% levam instituições a acúmulo de cédulas; nota de maior valor em circulação no país equivale a apenas US$ 3

Os bancos argentinos estão construindo mais cofres para armazenar o número recorde de cédulas em circulação, que ultrapassa oito bilhões
07 de Janeiro, 2023 | 03:46 PM

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Bloomberg Línea — Quatro bancos argentinos, que pediram para não serem identificados, confirmaram à Bloomberg Línea que recentemente tiveram de construir novos cofres e armazéns no interior do país ou tiveram que otimizar o espaço já existente para dar espaço para os pesos excedentes que precisam armazenar.

Em novembro, a inflação no país atingiu 85,3% em 12 meses, o que fez a moeda perder valor ainda mais rapidamente. Atualmente, a cédula de maior de denominação na Argentina equivale a aproximadamente US$ 3. A emissão de dinheiro continua aumentando e, com isso, os bancos precisam armazenar cada vez mais cédulas. Mas nem sempre foi assim. Apenas cinco anos atrás, quando foram emitidas pela primeira vez, as notas de mil pesos equivaliam a cerca de US$ 54, mas desde então perderam seu poder de compra.

Essa realidade, em uma economia ainda muito informal, pode ser um verdadeiro incômodo. Não apenas para uma sociedade que às vezes é forçada a circular com pacotes de dinheiro, com os riscos que isso implica, mas também para empresas e bancos.

Recorde de circulação de cédulas

Segundo dados do Banco Central Argentino (BCRA), o número de cédulas em circulação neste mês atingiu o recorde de 8,06 bilhões e, dessas, 3,08 bilhões (ou seja, 38%) são cédulas de mil pesos – que se tornaram as notas mais difundidas no país em 2022 – e 1,34 bilhão (16%) são cédulas de 500 pesos. São as únicas cédulas argentinas que valem mais de um dólar à taxa de câmbio livre.

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O restante, ou seja, as notas de 10, 20, 50, 100 e 200 pesos, são um total de 3,63 bilhões, e são notas que os bancos já qualificam como de “baixa denominação”, e que são uma dor de cabeça em vista da recusa do governo em emitir notas de denominação mais alta.

A equipe econômica do governo normalmente argumenta que a decisão de não emitir notas de maior valor tem como base, em primeiro lugar, o fato de que eles buscam incentivar a digitalização dos pagamentos e, em segundo lugar, para dificultar transações informais ligadas à evasão fiscal ou atos ilícitos. Este último argumento foi utilizado pelo Banco Central Europeu (BCE) quando este decidiu parar de emitir cédulas de 500 euros.

Mais cofres e a otimização do espaço para depósito

No primeiro semestre de 2022, um relatório da Associação Bancária Argentina (Adeba) mostrou como os bancos foram afetados pelo excesso de pesos. Em março, 900 bilhões de pesos (US$ 5 bilhões) foram retirados dos caixas eletrônicos, enquanto os saques na boca do caixa chegaram a mais 600 bilhões de pesos. Esse valor – 1,5 trilhão de pesos – foi o equivalente a 1,5 trilhão de notas de mil pesos.

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Para se ter uma ideia da magnitude desses números, basta mencionar que, com as notas retiradas de bancos e caixas eletrônicos, 1,5 piscina olímpica poderia ser preenchidas com notas de mil pesos”, disse a Adeba. Esse 1,5 trilhão de notas, acrescentou a associação, pesam 1.500 toneladas.

Na época, o número de pesos em circulação era de 7,36 bilhões, 8% abaixo dos níveis atuais, portanto, o problema só piorou.

Dos quatro bancos argentinos que reconheceram à Bloomberg Línea que tiveram que construir novos cofres e depósitos no interior do país ou que tiveram que otimizar espaços para dar espaço ao excedente de pesos, um deles afirmou que a quantidade de cédulas é um problema, pois não só complica a vida das pessoas, mas também aumenta os custos de transporte de dinheiro e aumenta a necessidade de espaço de armazenamento.

Os bancos não só têm mais dinheiro em termos reais, mas um volume maior de dinheiro em termos de metros cúbicos.

Cédulas de 100 pesos

Outro banco reconheceu o mesmo problema, e disse ter em seus cofres pallets cheios de notas de 100 pesos que recebem como depósitos, mas não é conveniente utilizá-las para recarregar seus caixas eletrônicos por não ser lucrativo.

Segundo o banco, ele já está recarregando seus caixas eletrônicos até três vezes ao dia, mas dado o limite de saques, a única maneira de tornar o processo mais eficiente é carregá-los com notas de 500 ou mil pesos.

Devido ao volume de cédulas envolvidas, segundo um terceiro banco, há uma necessidade de expandir o espaço de armazenamento, bem como investir em máquinas para gerenciar as cédulas.

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Para dispor das notas de baixa denominação que não são absorvidas pelo banco central, os bancos estão assumindo o custo do envio de remessas, o que gera despesas como custos logísticos.

As notas armazenadas pelos bancos agora substituem a quantia que eles mantêm em custódia em nome do BCRA, e que em 2022 aumentou em 17% em relação ao ano anterior. O espaço atribuído a esse armazenamento totaliza 900 m³.

Como o BCRA não consegue absorver todas as notas como depósitos, elas acabam sendo armazenadas por outros bancos, apesar de aparecerem nos balanços como depositadas no BCRA, e o que obrigou os bancos a ampliar seu espaço para armazenamento.

Um quarto banco consultado pela Bloomberg Línea descreveu a situação atual de acúmulo de dinheiro como “crítica”, acrescentando que 40% do dinheiro armazenado é composto de notas de baixa denominação que não são mais eficientes em caixas eletrônicos, devido aos limites da quantidade de notas que eles podem emitir por transação.

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Os bancos disseram que uma solução para o problema é incentivar seus clientes a adotar as diferentes ferramentas de dinheiro digital para reduzir o uso de dinheiro em espécie, enquanto trabalham para minimizar os custos e otimizar o espaço.

Possíveis soluções

Fontes consultadas dentro do setor bancário dizem que o uso de dinheiro em espécie continua crescendo todos os meses, o que aumenta os custos de transporte e armazenamento dos bancos, e argumentam que uma medida para aliviar o problema seria a emissão de notas de maior valor nominal, como exigido pela associação bancária.

As fontes apontam que a inflação tornou obsoleta a segunda nota mais abundante, de 100 pesos, pois ela não pode ser colocada nos caixas eletrônicos por ter um tamanho incompatível, e cada vez menos pessoas as aceitam. Em muitos casos, nem o BCRA não as aceita porque não tem capacidade suficiente para destruí-las.

Por esta razão, e considerando a recusa do governo em colocar em circulação notas de maior denominação, os bancos estão propondo outras medidas paliativas, como a remoção ou redução do chamado “imposto sobre o cheque” sobre pagamentos e transferências eletrônicas inferiores a 200 mil pesos, bem como a cessação da cobrança de impostos sobre o uso do cartão para incentivar seu uso, ou para permitir que os bancos cobrem a administração de caixa de depósitos superiores a um milhão de pesos por mês e saques de mais de 500 mil pesos, medida que, segundo os bancos, incentivaria as empresas a utilizarem mais meios eletrônicos de pagamento.

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Economia informal

Embora a pandemia tenha acelerado significativamente o uso de pagamentos digitais na Argentina, o uso desses métodos ainda precisa ser difundido. Entretanto, devido à natureza altamente informal da economia, é difícil estimar quantas transações são feitas com dinheiro – estimativas colocam o número em oito de cada 10 transações.

Um estudo recente do Mercado Pago estima que 50% do faturamento das pequenas e médias empresas do país são pagamentos recebidos em dinheiro.

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Para o economista Fausto Spotorno, diretor de pesquisa econômica e financeira da empresa de consultoria OJF & Asociados, a Argentina continua tendo ter uma economia com alto uso de dinheiro em espécie porque os sistemas digitais são muito caros. Isto, explica ele, deve-se a dois motivos: comissões e a carga tributária das carteiras digitais.

O valor dos impostos na Argentina, incluindo os federais, provinciais e municipais, diz Spotorno, “distorce totalmente o uso do pagamento digital para transações comerciais”. Por isso, diz Spotorno, não se pode esperar que o uso do sistema digital cresça quando ele é tão punido por impostos.

Ele acrescentou que o uso de dinheiro vivo “gera um custo muito alto para os bancos devido ao custo associado à transferência e movimentação de dinheiro”. Mas, para Spotorno, o alto custo logístico de ter pequenas notas em circulação, em relação ao fato de que cinco das sete notas em circulação equivalem a menos de US$ 1 à taxa de câmbio paralela, afeta tanto o sistema financeiro quanto o privado.

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A circulação de dinheiro fora dos bancos é cerca de 10 vezes maior do que dentro dos bancos. É por isso que também é um problema para as empresas. Na rua há praticamente 4 trilhões de pesos em circulação que não estão nos bancos”, disse ele, e que “a nota de maior denominação na Argentina hoje deveria estar na ordem de 50 mil pesos, principalmente se considerarmos que daqui a um ano a inflação provavelmente será de 100%”.

Boom de máquinas de contagem de dinheiro

Um dos métodos mais comuns que os varejistas argentinos encontraram nos últimos meses para lidar com este problema tem sido a compra de máquinas de contagem de cédulas.

A Bloomberg Línea apurou que, depois de aumentar no último trimestre de 2021, as vendas de máquinas de contagem de cédulas através de canais eletrônicos permaneceram altas durante os últimos 12 meses, com picos entre os meses de maio e agosto, meses em que a inflação acelerou e excedeu os níveis de 7% ao mês.

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Uma empresa dedicada ao aluguel e venda de processadores de notas disse à Bloomberg Línea que a demanda pelas máquinas saltou no final de 2021 e foi sustentada durante 2022, com maior demanda por parte de pessoas que antes não haviam procurado o produto.

Banco Central da Argentina (BCRA) em Buenos Airesdfd

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Tomás Carrió

Tomás Carrió, jornalista especializado em economia e finanças. Trabalhou para os jornais El Cronista e La Nación e é colunista de economia da Radio Milenium. Licenciado em Comunicação Social (Universidad Austral) e Mestre em Jornalismo (Universidade Torcuato Di Tella).