Bloomberg Línea — 2022 foi um ano de virada do mercado financeiro com o aumento das taxas de juros e das incertezas. Houve demissões em corretoras e casas de análise. A captação desacelerou. No Brasil, crescem os riscos envolvendo mudanças na política econômica. Mas isso não significa que não haja oportunidades. Pelo contrário. É o que defende Rodolfo Riechert, CEO da Genial Investimentos.
“Esses momentos de bear market são os melhores para estar próximo do cliente, para mostrar alternativas mais criativas de captação de recursos. Quando está tudo bem, aparecem pessoas de tudo quanto é lado para querer vender, mas, quando está ruim, como agora, as pessoas tendem a sumir um pouco, ou plataformas tendem a desinvestir bastante”, disse Riechert à Bloomberg Línea.
O executivo é um dos mais experientes profissionais do mercado: passou 18 anos no Pactual, hoje BTG Pactual (BPAC11), dos quais três liderando a divisão de investment banking, antes de sair para fundar no início da década passada a Brasil Plural, que deu origem à Genial. Ele disse ter visão semelhante para o mercado de criptoativos, que atravessa uma crise de confiança com investidores.
Riechert disse que o momento adverso dessa indústria permitiu que o atraso que a Genial teve no lançamento de sua própria plataforma não fosse sentido e que ainda identifica como se diferenciar dos concorrentes: planeja oferecer aos clientes a negociação de criptoativos com alavancagem. A ferramenta está engatilhada na plataforma e deverá ser lançada até o fim do primeiro trimestre. No universo cripto, a Genial também é investidora da Flow BTC, do Mercado Bitcoin e da Foxbit.
Apesar da visão sobre oportunidades, o CEO da Genial não deixou de fazer críticas ao momento atual do país e ao início do novo governo do presidente Lula (PT).
“Vamos ter uma mudança grande na economia e isso vai afetar os mercados, o que é uma pena, porque eu achava que, do jeito que estávamos caminhando na parte de economia, tínhamos um potencial de dar um salto aqui dentro do Brasil. Mas se optou por mudar o modelo.”
Segundo ele, “os ativos estão muito baratos, mas não há incentivo para o investidor comprar”.
Concorrentes: do Goldman à Magalu
A Genial possui cerca de R$ 170 bilhões em ativos sob gestão (valor que também inclui custódia, administração e investidor institucional), com tíquete médio por cliente de R$ 50 mil. É a terceira maior corretora na B3 tanto nas negociações à vista como em contratos futuros.
A base de clientes chegou em novembro a 1,1 milhão, dos quais pouco mais de 30% ativos, que possuem dinheiro com a instituição ou que operam com a corretora.
Segundo o CEO, a Genial tem apostado em diferentes frentes de negócios para ganhar tração em um mercado cada vez mais disputado. Além do desenvolvimento de produtos para completar a prateleira de oferta ao cliente de varejo, como conta internacional, cartão de crédito e seguros, e da originação para empresas, o crescimento deverá vir do aumento da base de parceiros.
“No mercado financeiro, os produtos vão acabar virando uma commodity, com acesso para todos. Com isso, nossos concorrentes vão desde um Goldman Sachs [GS], que compete conosco em deals de investment banking e corretagem, até o Magazine Luiza [MGLU3], que tem operação de varejo na qual achamos que é importante ser competitivo. Precisamos de uma cadeia de produtos completa”, disse.
A casa também oferece tecnologia para outras instituições, com plataformas white label, o chamado GAS, ou Genial as a Service. O plano é ter diversos parceiros com bases de clientes e atrair mais volume de negociações para a instituição, com a visão de que não são concorrentes. São empresas ou influenciadores com grande capacidade de atração de usuários, mas que não dispõem de produtos.
Confira os principais destaques da entrevista, editada para fins de maior clareza:
Como o aumento das incertezas e o cenário macro têm impactado as operações da Genial?
Esses momentos de bear market são os melhores para estar próximo do cliente, para mostrar alternativas mais criativas de captação de recursos. Quando está tudo bem, aparecem pessoas de tudo quanto é lado para querer vender, mas, quando está ruim, como agora, as pessoas tendem a sumir um pouco, ou plataformas tendem a desinvestir bastante. Temos visto um nível de demissão em plataformas, mais ligadas a tech, que é natural. Não sei se houve excesso ou se estão apenas se ajustando.
Nós continuamos em crescimento de gente, estrutura e produtos e achamos que o cenário atual é importante justamente porque é o momento em que a pessoa vai precisar de mais assessoria ou orientação. Isso é algo que tentamos ter bem fortalecido dentro das nossas comunicações, como no morning call ou no fechamento dos mercados.
Temos muito para colocar no ar e trabalhar a marca, mostrar que estamos aqui independentemente do cenário. Neste momento, estamos criando diferencial em relação aos concorrentes. Apesar de o mercado estar pior, vemos em 2023 um ano melhor para a Genial e estamos animados.
Mas vamos ter uma mudança grande na economia e isso vai afetar os mercados, o que é uma pena, porque eu achava que, do jeito que estávamos caminhando na parte de economia, tínhamos um potencial de dar um salto aqui dentro do Brasil. Mas se optou por mudar esse modelo.
Você tem sido um adepto de criptoativos há alguns anos. Como a virada do mercado com a queda das cotações e a quebra de exchanges afeta os planos da Genial?
Continuamos apostando bastante em cripto, mas hoje o número de interessados diminuiu. Por isso não vemos como falha o atraso que tivemos no lançamento da nossa plataforma de cripto, porque colocamos outras prioridades para entrar na frente.
O que vemos como importante é o nosso modelo de oferta de produtos, que é um pouco diferente do que o pessoal já faz: as outras corretoras oferecem compra e venda de bitcoin e ethereum, basicamente. Temos aqui dentro de casa um público que é muito ativo nos mercados, um pessoal que compra e vende e que gosta de operar. É um público muito específico.
O nosso diferencial competitivo em relação a outras plataformas já bem estabelecidas será a concessão de crédito e alavancagem, com liquidez e preços justos. Eu não acho que cripto por cripto será o grande diferencial – até porque não somos uma plataforma ‘cripto only’ –, mas poder operar com alavancagem, por exemplo, é algo que ninguém faz e é algo que poderíamos estar explorando.
E apostamos também na conectividade entre as nossas plataformas.
Além da fuga de investidores de ativos mais arriscados, há ainda uma crise de confiança em criptoativos. Como avalia que vai se dar a recuperação?
Nós continuamos apostando em cripto tanto na ideia de ativos e securities quanto em relação ao conceito. É algo muito eficiente e a tecnologia ainda tem muito para se desenvolver. Achamos que os preços dos ativos parecem relativamente depreciados hoje se olharmos em termos de capacidade de demanda versus oferta – então, na prática, deveria ser um mercado com mais participantes e preços maiores.
O cripto perdeu um valor que as pessoas assumiam que era verdade, e que não necessariamente é: a ideia de ser um ativo totalmente descorrelacionado. Seria possível haver mercados de alta e baixa e o cripto teria quase que vida própria. Mas vimos que, quando os juros começaram a subir e, principalmente, quando as empresas de tecnologia começaram a sofrer, o próprio cripto também caiu.
Sobre a FTX, vamos continuar vendo casos como esses chamando a atenção, já que os golpes ganham muito mais destaque do que o conceito em si, uma vez que as pessoas não entendem ou entendem pouco ainda sobre o universo de moedas digitais.
Acredito que a regulação vai fazer esse mercado mais investable, difundindo mais seu funcionamento e sua beleza. Com isso, todas as instituições financeiras e pessoas físicas vão ter que se adaptar a ele.
O que ainda falta para a Genial se tornar uma das plataformas preferidas dos clientes, com maior recorrência de uso?
Nós fazemos bastante pesquisa, ainda que obviamente muita gente não responda. Antes só tínhamos a plataforma de investimentos, então esse tinha que ser o foco do cliente. É por isso que achamos que completar a base de produtos é importante para que a pessoa possa ficar totalmente aqui.
O segundo ponto é que todas as plataformas novas carecem de marca. Nós fizemos pesquisas e as pessoas olham muito para essa questão de solidez, de marca. Fizemos nossa primeira campanha institucional – que chamamos de 360 – no ano passado, mas é difícil, porque as campanhas custam caro.
Em resumo, acho que é um mix: o fato de ser uma marca nova, a busca por uma plataforma segura e o fato de o cliente ainda estar testando. Tem ainda a questão de faltarem alguns produtos importantes no dia-a-dia da pessoa e a própria inércia que existe no mercado atualmente.
Você acredita que haverá uma consolidação das plataformas ou seguirá pulverizado?
Quando olhamos para trás, havia duas formas de as pessoas abrirem contas em bancos: ou ir à agência ou entrar em um emprego que pedia uma conta-salário em determinado banco. E aí você acabava ficando, porque não queria ter aquela experiência ruim novamente. Hoje, com a conta digital e a possibilidade de abrir uma conta em menos de 5 minutos com manutenção grátis, não tem por que você ter uma só.
Faz sentido as pessoas terem mais do que uma conta, porque vai existir uma oferta diferente de produtos. Acho que as pessoas vão ter entre cinco e seis contas. Vai existir também o “taxeiro”, aquela pessoa que vai aonde a taxa for melhor, seja de empréstimo, seguro, investimento, e também o cliente que não quer estar em um lugar só, quer ter alguma reserva em outro lugar.
Por outro lado, o número de contas inativas vai ser enorme, na maioria dos players, porque muitos vão criar contas reservas. Agora, se a instituição acertar sua comunicação, pode vir a conquistar o cliente, já que o produto não é o diferencial.
Depois surgem os agregadores de contas, o que é ótimo para o consumidor, que acaba se apropriando do que cada um tem de melhor para oferecer. Nesse cenário, temos que saber identificar cada perfil de clientes para nos comunicar quase que individualmente com cada um para melhorar a interação, usando dados e inteligência artificial. É o grande desafio da indústria.
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