Bloomberg — A credibilidade fiscal do Brasil pode ficar sob risco se o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seguir com o plano de aumentar os gastos públicos muito acima do esperado pelo mercado no próximo ano, avalia a analista sênior da agência de classificação de risco Moody’s, Samar Maziad, em entrevista à Bloomberg News.
Para ela, a atual nota de crédito do Brasil não leva em consideração um “waiver” de R$ 200 bilhões ao teto de gastos e ao Orçamento, conforme sinalizado pelo próximo governo, para fazer frente às promessas de campanha do petista. O rating (risco de crédito) da Moody’s para o país atualmente é “Ba2″, apenas dois degraus acima do pior cenário, com perspectiva estável.
“Esse nível de gasto adicional não é parte do nosso cenário base. Isso seria crédito negativo”, disse Maziad, responsável pelo rating brasileiro na agência.
O mercado está ansioso com a falta de detalhes da equipe de Lula sobre os planos para a economia. Ele deve pedir ao Congresso um “waiver” entre R$ 160 bilhões e R$ 200 bilhões para o próximo ano, em uma tentativa de impedir que o Auxílio Brasil volte aos R$ 400 e para atender a outras promessas de campanha.
O atual presidente Jair Bolsonaro aumentou os pagamentos do auxílio para R$ 600 por mês, mas o benefício turbinado só dura até o fim do ano e não está previsto no Orçamento de 2023. Economistas estimam que ao menos R$ 50 bilhões seriam necessários para manter o pagamento no nível atual. Expectativas sobre o exato tamanho do waiver – e sobre quem terá o comando da economia – já começaram a pesar nos ativos.
Para Maziad, um aumento nos gastos dessa magnitude sugeriria que o governo não está comprometido com uma política de responsabilidade fiscal, considerado por ela como “chave” para manter a perspectiva estável do rating brasileiro. Também requereria ao governo atropelar o teto de gastos, visto pelos investidores como a principal âncora fiscal do país.
A Moody’s prevê que o teto de gastos seguirá existindo, mas assume que “alguma mudanças” serão necessárias para acomodar os gastos extras com o Auxílio Brasil. Maziad não presume, contudo, nenhuma mudança “radical” nas políticas econômica e fiscal sob o governo Lula. O cenário base não inclui, por exemplo, um aumento no salário mínimo acima da inflação sugerido pelo presidente eleito.
Em sua última avaliação do rating brasileiro, em abril, a Moody’s citou “mudanças estruturais nos cenários fiscal e de política monetária” que ajudariam na consolidação fiscal e econômica do país, além de posição externa forte e “melhora da performance fiscal”.
Apesar de Bolsonaro ter pedido por alguma flexibilização e exceções ao teto desde 2020, Maziad afirmou que essas ações tiveram o endosso da pandemia de covid-19. Agora, diz, não há desculpas para afrouxar o fiscal.
“Acabar com o teto de gastos totalmente, o que não é nosso cenário-base, seria negativo”, disse. “Abre uma série de questões e muito incerteza em torno da trajetória da dívida, sobre quando poderia estabilizar e começar a cair.”
-- Com a colaboração de Maria Eloisa Capurro e Aline Oyamada.
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