Além do Rock in Rio: as apostas da família Medina, do e-sports ao metaverso

Rodolfo Medina, CEO do Grupo Dreamers, diz à Bloomberg Línea que pandemia criou nova audiência de milhares de pessoas que acompanham eventos de forma digital

Festivais como o Rock in Rio voltam a movimentar a indústria do entretenimento, mas pressão de custos preocupa
12 de Outubro, 2022 | 08:00 AM

Bloomberg Línea — O mercado de shows foi um dos mais afetados pela pandemia, com a paralisação de eventos por quase dois anos. A retomada de festivais como o Rock in Rio e o Lollapalooza neste ano, entre tantos outros, mostrou que, sim, o público voltou com o mesmo apetite de antes. Mas, para um dos principais grupos do setor no país, a crise também comprovou o clichê de que ela pode servir como oportunidade.

“Não sabíamos o que iria acontecer. Pensávamos que iria durar 15 dias, e não dois anos. Criamos grupos de crise e também de oportunidade. Era um pouco de desespero: o que vamos fazer? Começamos a buscar sinergias. E abrimos mais cinco empresas nesses dois anos de pandemia”, contou o publicitário Rodolfo Medina, CEO do Grupo Dreamers, holding da família por trás do Rock in Rio.

O Grupo Dreamers reúne hoje 17 empresas, incluindo a plataforma de música e entretenimento Rock in Rio, as agências de comunicação Artplan, Next e Pullse, a Dream Factory, de live marketing e eventos, e a Convert, agência de marketing digital de performance, entre outras.

A mais recente aposta da família Medina é a Black Dragons, empresa especializada no universo gamer, comandada por Nicolle “Cherrygumm” Merhy. De olho nas novas gerações, a holding decidiu investir no segmento de e-Sports (esportes eletrônicos) e no metaverso. O CEO, 46 anos, diz que há muitas oportunidades nos novos segmentos, com sinergias com outros negócios do grupo.

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Sinergias que conversam com o evento mais conhecido do grupo, o Rock in Rio, criado em 1985 pelo publicitário carioca Roberto Medina, 75 anos, pai de Rodolfo. Depois do cancelamento das edições do Rio de Janeiro e de Lisboa nos dois últimos anos por causa do veto às aglomerações, o megaevento chegou à nona edição na capital fluminense no mês passado.

Foram vendidos 700 mil ingressos para os sete dias de festival, em linha com a demanda pelo festival antes da pandemia. E houve novidades. “A pandemia criou uma nova audiência. Temos mais gente apta a consumir conteúdo digital do que antes. E isso não deve mudar”, disse Rodolfo.

“Estamos só engatinhando em tratar essa experiência, o mercado está começando a fazer isso. Escutamos falar em metaverso, de social media... Estamos testando muita coisa. E, a cada ano, como a tecnologia anda muito rápido, a experiência vai ser cada vez melhor”, afirmou o publicitário.

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Por outro lado, surgiram também surpresas negativas, como o aumento dos custos de produção, a escassez de mão-de-obra e a redução da oferta de fornecedores - muitos ficaram pelo caminho na crise. A disparada do dólar, que saltou da casa de R$ 4,50 no início da pandemia para encostar em R$ 6, encareceu os contratos de atrações internacionais na moeda americana. Analistas de bancos deixaram de cobrir o setor, que tem a Time For Fun (SHOW3), produtora do Lollapalooza no país, listada na B3.

Live experience

Muitos frequentadores se assustaram com os reajustes dos preços dos ingressos dos festivais. No Rock in Rio, o aumento chegou a 19%, abaixo da inflação no período, de 22,6%, com base no IPCA.

Segundo Rodolfo, o ticket médio do setor voltou ao patamar pré-pandemia, mas a quantidade de ingressos vendidos para eventos em geral, que vão além do Rock in Rio, ainda não, algo que ele espera que aconteça a partir de 2023 com uma pegada mais ampla. “Acredito que, nos dois próximos anos, os projetos de live experience serão muito fortes.”

Rodolfo Medina, CEO do Grupo Dreamers, espera retorno ao nível pré-pandemia em até 2 anosdfd

Confira os principais trechos da entrevista, editada para fins de clareza.

A pandemia paralisou o mercado de shows. Como o Grupo Dreamers atravessou a crise?

O grupo tem 17 operações, que foram impactadas de formas diferentes durante a pandemia. Temos empresas de live experience, de projetos proprietários na área de entretenimento, que sentiram bastante. Toda a cadeia da área de produção de eventos se desorganizou. Por outro lado, temos empresas de ferramentas digitais, ativação, agências de comunicação e publicidade.

O mercado de entretenimento sentiu muito. Tivemos que adiar duas vezes o festival [Rock in Rio] de Lisboa e uma vez no Brasil. Como nossos festivais acontecem bianualmente, temos uma estrutura pensada para se manter por um tempo grande.

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Como está sendo a retomada dos megaeventos?

O que vimos agora com o Rock in Rio foram três pontos relevantes: primeiro, os preços estão inflacionados na cadeia de fornecedores. Há menos fornecedores em determinadas funções. Empresas ficaram pelo caminho. Há gente sem experiência. Encontramos desafios a que não estávamos acostumados. Outro ponto é a parte boa: as pessoas estão loucas para se encontrar. Está mais do que confirmado que a vida é ao vivo.

O terceiro ponto é que a pandemia criou uma nova audiência. Temos mais gente apta a consumir conteúdo digital do que antes. E isso não deve mudar. Aqueles 700 mil que têm a oportunidade de estar ali no Rock in Rio são os mesmos 700 mil de antes. Não aumentamos a capacidade do festival. Por outro lado, temos muito mais gente disposta a consumir esse conteúdo para fora.

Já havia muita gente consumindo o Rock in Rio à distância, mas agora tem muito mais. Estamos só engatinhando em tratar essa experiência, o mercado está começando a fazer isso. Escutamos falar em metaverso, de social media, ferramenta muito presente em nossa vida. Estamos testando muita coisa. E a cada ano, como a tecnologia anda muito rápido, a experiência vai ser cada vez melhor.

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Antes da pandemia, o dólar valia R$ 4,50. Os contratos das atrações internacionais pesaram com a moeda acima de R$ 5? Como absorver essa alta de custos e repassar para os preços?

Sim, tivemos um aumento de custos com o dólar e com a cadeia de fornecedores mais enfraquecida. E só uma parte disso foi repassada. Como estamos todos em retomada, temos de entender qual o limite que o consumidor consegue absorver dessa diferença. Fazemos essa análise para cada um de nossos negócios, que possuem demandas, concorrências e entregas diferentes. O desafio é conseguir modelar.

Vimos que os ingressos sofreram reajustes acima da inflação. Isso se deve ao aumento de custos e ao fato de o setor ter passado quase dois anos sem gerar receita?

No caso do Rock in Rio, não foi isso o que aconteceu. Não tivemos esse aumento muito acima da inflação. São três anos sem o evento, 2019, 2020, 2021, e o festival aconteceu agora. Mas é natural que o impacto do dólar e da cadeira produtiva afete todo o mercado e os projetos.

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O ticket médio do grupo já voltou ao patamar pré-pandemia?

O ticket médio, sim, mas a quantidade de tickets vendidos ainda não, pois ainda estamos no momento de retomada. Acredito que, nos dois próximos anos, os projetos de live experience serão muito fortes. Vamos chegar ao próximo verão com a pandemia menos presente. Estamos otimistas.

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O impacto do Rock in Rio na economia do Rio de Janeiro foi de R$ 1,7 bilhão, e 60% dos ingressos vendidos são para pessoas de fora do Rio, que ficam mais dias na cidade. É um ganho relevante para o turismo e para o Estado, alimenta toda uma cadeia da economia.

O Rock in Rio tem o nome muito ligado ao Roberto Medina, seu pai, que criou o festival em 1985. Como se deu essa passagem de bastão? Ele ainda acompanha a gestão dos negócios?

O Roberto continua muito presente. É a nossa principal liderança no Rock in Rio. Eu fico na função da parte comercial, de marketing do festival, faço as parcerias e as relações com as marcas, mas ele ainda está muito presente no Rock in Rio. Estamos fazendo um novo projeto para o ano que vem.

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No caso do Grupo Dreamers, éramos chamados, antes da pandemia, de Artplan, que era um grupo de 10, 12 empresas, mas com seus negócios independentes. Eu era da Artplan. Em um determinado momento, percebemos que havia um conflito comercial. O mercado confundia o nome da agência com o nome do grupo e não entendia. O fato é que estava tudo bem.

Quando a pandemia começou, nos alinhamos pelas dores e tivemos a oportunidade de rever os negócios. Não sabíamos o que iria acontecer, pensava que iria durar 15 dias, e não dois anos. Criamos os grupos de crise e também os grupos de oportunidade. Era um pouco de desespero: o que vamos fazer?

Começamos a buscar sinergias e vimos muita força naquele ecossistema, os negócios e os talentos se complementavam. Aí decidimos que estava na hora de fazer um rebranding do grupo e abrimos mais cinco empresas nesses dois anos de pandemia.

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Como está a composição de receita? Vem mais da venda de ingresso ou de patrocínio?

Dentro do Grupo Dreamers, não incluímos o Rock in Rio. Somos sócios do festival, é uma empresa à parte, que funciona de forma independente. É uma cliente da Artplan. A composição de receita do Rock in Rio é em torno de 60% de ingresso, e o restante, de patrocínio.

Já a receita do Grupo Dreamers não vem de bilheteria, mas da prestação de serviços, de projetos proprietários e de empresas que abrimos em diversas linhas de negócios.

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O grupo também tem investido no mercado de games. Qual é o potencial desse segmento?

Estamos muito encantados com esse mercado, como todo mundo. A relevância dele é a linguagem do game, que inclui os metaversos da vida, que inclui uma influência cultural que vai fazer parte de nosso dia-a-dia de todas as formas possíveis. Como grupo de comunicação, temos de conhecer isso, precisa fazer parte da entrega. Mas não queríamos ser um grupo publicitário tentando aprender sobre games. Seria tempo de aprendizado mais lento.

Então encontramos uma oportunidade, investimos na Black Dragons, um time de e-sport, que tem a Cherrygumms [nickname de Nicolle Merhy], nossa CEO, que despontou como a primeira mulher no Brasil em e-sports. Qual o objetivo disso? Criar uma agência para gamer, para as principais marcas entrarem nessa linguagem. Nada melhor do que aprender com eles.

O grupo prestava muito serviço ao governo federal, mas isso parou em 2017. O que aconteceu para que essa fatia de receita com o governo tenha sido perdida?

Não aconteceu nada. Sempre tivemos historicamente uma operação em Brasília, que continua funcionando bem. Trabalhamos com a CNI [Confederação Nacional da Indústria] e com o Sebrae. Crescemos muito no mercado privado. Focamos muito na operação de São Paulo, onde está o maior mercado do Brasil, pois queríamos crescer nas entregas no mercado privado. A balança mudou de lugar dentro do nosso grupo, mas isso não significa que tomamos a decisão de abandonar o mercado de contas públicas.

Existe a possibilidade de mudança de governo, segundo as pesquisas. O segmento de serviços ao governo pode voltar ao radar de vocês?

Vamos continuar como estamos hoje: focados no mercado privado, mas atentos a oportunidades que possam surgir. Não mudamos nossa estratégia nem com a manutenção desse governo nem com a chegada de um novo. Temos de fazer um bom serviço para nossos clientes.

Como está o planejamento do grupo para o curto prazo?

O mercado neste fim de ano está olhando para Black Friday, Natal e Copa da Mundo. É um momento importante para a comunicação de todo o lado. Estamos bastante otimistas para esse período. Nos próximos dois anos, temos a retomada grande das experiências ao vivo, o que é uma boa oportunidade para o grupo, porque ficamos muito tempo parado.

Quanto ao Rock in Rio, o foco agora é o desenvolvimento de um novo produto, que é um festival em São Paulo em setembro do ano que vem. Estamos muito empolgados em homenagear a cidade, que é multicultural. Será diferente do Rock in Rio, será algo a que o mercado não está acostumado, com múltiplas experiências.

Além disso, estamos focados na nossa entrada no mercado de games, em competição de alta performance no e-sports. Estamos acostumados a mexer com multidões, mas, quando você vê uma final de um jogo de e-sports, com 40 mil jovens torcendo, é sensacional. Esse mundo dos games pode nos dar muitas oportunidades.

Quais são os desafios para o faturamento do setor voltar ao nível pré-pandemia?

Não consigo prever quando voltaremos a esse patamar. Torço que seja logo. Não há resistência dos anunciantes em investir no nosso mercado. Pelo contrário. Há uma vontade muito grande. A barreira vai ser a infraestrutura. No mercado de São Paulo, é muito díficil conseguir os principais lugares nas principais datas. Precisamos fortalecer nossa cadeia produtiva, ou ela não aguenta a demanda.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.