Bolsas podem ter mais uma correção com revisão de lucros, alerta economista

Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original, diz à Bloomberg Línea que a queda das ações até aqui refletiu o aperto monetário, não lucros menores de empresas

"Não está havendo uma reprecificação de lucros futuros projetados"
08 de Outubro, 2022 | 07:23 AM

Bloomberg Línea — O ciclo de alta de juros nos Estados Unidos tem derrubado os principais índices de ações de Nova York. O S&P 500, que reúne as 500 principais companhias abertas, acumula queda de 24% desde o início do ano. E o índice da bolsa de tecnologia Nasdaq está 32% abaixo do patamar de janeiro.

Na visão de Marco Caruso, economista-chefe do banco Original, a maior parte da correção para baixo nas bolsas vista até aqui leva em conta principalmente o aperto monetário, mas o mercado ainda não fez uma revisão completa de como o ambiente econômico desfavorável vai afetar os lucros das empresas.

“O grosso do movimento até agora foi só reprecificação de juros. Não está havendo uma reprecificação de lucros futuros projetados. Talvez ainda tenha mais uma pernada por vir”, diz Caruso, em entrevista à Bloomberg Línea.

Na avaliação do economista, nem mesmo as empresas mais internacionalizadas das bolsas americanas vão passar ilesas por uma desaceleração da economia. Isso porque, desta vez, a alta de juros ocorre de forma disseminada na maior parte dos principais mercados do mundo.

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“Está havendo um movimento global, sincronizado, de aumento de juros e de perda de crescimento. A gente deveria ter tido um ganho de produtividade muito grande para imaginar que isso não vai se transformar em menos lucro das empresas. Esse custo vai pegar. Pode vir ainda mais uma correção de bolsas para baixo com a revisão de lucros para baixo”, afirma o economista.

Caruso, que já trabalhou em outras instituições financeiras como o Bradesco (BBDC4) e o Pine, além da incorporadora Gafisa (GFSA3), acredita que o mercado agora entendeu melhor que o trabalho do Federal Reserve é de longo prazo e que o banco central americano terá de elevar as taxas de juros consideravelmente para desacelerar a economia e combater a inflação, que está no maior patamar em 40 anos.

Já no caso do Brasil, a batalha do Banco Central daqui para frente será evitar que o mercado comece a precificar uma queda de juros antes da hora. Caruso está no grupo de economistas que acreditam que os primeiros cortes da Selic vão ocorrer no fim do semestre do ano que vem. Ele avalia que o BC ainda manterá as taxas elevadas por mais tempo para garantir a trajetória de queda da inflação no horizonte relevante, e discorda que os cortes vão ocorrer antes do esperado.

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“Começou uma nova batalha para o Banco Central. A batalha de conseguir desautorizar o mercado a antecipar cortes de juros muito cedo. Porque isso não interessa a ele”, diz o economista.

Nesse ambiente de juros elevados e desaceleração mundial, Caruso avalia que a economia brasileira também não deve passar ilesa. Nas suas contas, o Produto Interno Bruto (PIB) deve subir 0,2% no ano que vem, depois de um aumento de 2,7% este ano. A estimativa leva em conta que o impulso do setor de serviços e de programas de transferência de renda do governo deve perder força no ano que vem, criando um ambiente adverso para o próximo presidente.

“É um mix de ressaca de euforia deste ano, com juros pegando tração e a atividade para baixo, e um fiscal que está ficando expansionista agora, por causa do Auxílio Brasil, e volta a ser apertado no ano que vem”, diz Caruso, que deu a seguinte entrevista na sede do banco Original, em São Paulo, editada para fins de clareza:

Bloomberg Línea: Qual a sua projeção de crescimento da economia para este ano e o ano que vem, já considerando os desafios políticos pela frente?

Marco Caruso: Sem dúvida, a principal surpresa positiva brasileira neste ano é o crescimento econômico e o do emprego, que vem a reboque e até reforça o crescimento. Estamos projetando um PIB de 2,7% para o fechamento do ano. Na dúvida, se esse número não estiver correto, é porque pode vir mais forte. A discussão hoje é se não é 3%.

O que está por trás desse crescimento mais forte?

O primeiro ponto é o setor de serviços. Tenho falado que são setores atrasados na reabertura da pandemia. São aqueles últimos que têm conseguido usufruir da reabertura e da normalização da mobilidade. São serviços presenciais, e eles têm um peso grande no PIB. Teve uma demora para isso acontecer. A vacinação foi muito importante. A retirada de máscaras foi muito importante. Isso deu uma confiança para as famílias de que elas podiam voltar a consumir em serviços. Esse é o primeiro carro-chefe.

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Quais são os demais?

O segundo são as commodities, que continuam sendo relevantes. A agropecuária tem um papel [nessa recuperação] porque, ainda que tenha quebras de safra, vai muito além da produção. Existe todo um mundo de serviços em volta. Toda vez que os preços de commodities estão em alta, pode contar que o PIB vai ser bom. O terceiro ponto são as transferências extraordinárias de renda. A liberação do FGTS, a antecipação do décimo terceiro para pensionistas, o Auxílio Brasil turbinado, para mais famílias e a R$ 600. Isso tudo ajuda o consumo a vir forte.

Fora isso, tem o mercado de trabalho. Se o setor de serviços vai bem, ele puxa o emprego, porque é intensivo em mão-de-obra. Não é à toa que de 1,5 milhão de vagas formais criadas neste ano de acordo com o Caged, metade, ou 800 mil, é no setor de serviços. Houve uma queda do desemprego que, assim como o PIB, nenhum economista deve ter acertado para este ano.

Por que os economistas erraram tanto nas projeções sobre a recuperação do emprego?

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Historicamente, toda vez que tem uma piora de desemprego durante uma recessão, o que foi o nosso caso durante a pandemia, a volta do emprego sempre é muito lenta. A recuperação, nesta velocidade, nunca aconteceu de acordo com os dados que existem. Tem o fator da composição do PIB, com uma grande participação dos serviços, mas uma hipótese é que a recuperação tem ajuda da reforma trabalhista. Porque tem uma melhora do emprego, com os salários razoavelmente contidos. O que a reforma trabalhista fez? Barateou a contratação. O empresário precisa de menos confirmação de que o PIB é forte para contratar mais. Porque não é mais tão caro contratar, não é tão caro demitir, se ele errar no planejamento.

É possível observar os efeitos da reforma nos números do Caged?

Dá para ver em algumas coisas. Outra coisa que dá para ver é a redução dos casos em que o empregado entra na Justiça contra o empregador. Caiu bastante. Não tem uma resposta contundente, mas são sinais de que a reforma pode estar por trás. Querendo ou não, só o fato de ter uma queda nunca vista antes indica que pode ir além só de uma recuperação setorial.

O que alguns analistas apontavam, e até era uma crítica do PT, é que a reforma trabalhista não tinha dado resultado. Agora a visão é diferente?

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Reformas estruturantes nunca têm efeitos imediatos. Tem uma defasagem. É muito difícil perceber qual vai ser o resultado. Passado um tempo, essa reforma trabalhista tinha uma racionalidade econômica positiva. Acho que está aparecendo nos números agora.

Já se imaginava que haveria uma recuperação de serviços, mas ela veio mais forte. E também se dizia que, com a inflação alta, o consumo das famílias ia ficar represado. Por que isso foi diferente?

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O acúmulo de poupança do brasileiro durante a pandemia foi muito grande. Obviamente, são as classes de renda mais altas, que é quem pode poupar. Isso foi verdade em muitos países do mundo. O que a gente percebe é que essa poupança está sendo consumida. Explica parte do consumo forte.

Quanto do excesso de poupança já foi consumido?

Já foi todo consumido. A gente já voltou para os patamares pré-pandemia. A gente até já passou.

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Dá para esperar um crescimento maior da economia puxado também por renda e salários?

Geralmente o que se olha são os salários reais. O que a gente viu é que os salários nominais, desconsiderando a inflação, já começaram a se recuperar há um tempo. Têm andado bem. Só que a inflação bateu 12%. O salário não crescia no mesmo ritmo. Hoje a gente tem salários nominais sendo reajustados razoavelmente bem, e pode ser até que acelere, porque o desemprego já está baixo. E agora há uma queda da inflação. Me parece que esse rendimento real, que já está acelerando, vai continuar subindo.

E qual sua projeção para a inflação?

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Se me perguntasse isso antes de agosto, eu diria 9%. De repente, sumiram 3 pontos porcentuais. A gente tem um número de 6% do IPCA para este ano. Sem dúvida nenhuma, a redução do ICMS explica o grosso disso. E o segundo efeito é petróleo. O petróleo, em reais, barateou bem. Seja porque o petróleo caiu, seja porque a nossa moeda está num certo range há um certo tempo. Quer dizer que eu estou tranquilo com a inflação? Não. Só quer dizer que o pior ficou para trás. Um economista, para ficar tranquilo, tem que achar que a inflação vai voltar para a meta. Ela está indo em direção à meta, mas numa velocidade lenta. O headline pode ir um pouco mais rápido, mas os núcleos vão mais devagar.

O que ainda preocupa em relação à inflação?

A gente tem que ter uma preocupação com a inflação de serviços. Historicamente, com uma taxa de desemprego em 8,5%, a gente nunca viu a inflação de serviços muito abaixo de 6% ou 7% ao ano. Está muito longe de 3% [da meta do Banco Central]. E serviços têm peso de um terço no IPCA. A batalha contra inflação ainda tem chão. Por isso, não interessa para o Banco Central aliviar na comunicação de jeito nenhum. O mercado vai tentar puxar uma redução dos juros antes do esperado, e o Banco Central vai querer empurrar para frente.

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Em que sentido?

Começou uma nova batalha para o Banco Central. A batalha de conseguir desautorizar o mercado a antecipar cortes de juros muito cedo. Porque isso não interessa a ele. Num banco, por exemplo, se a Selic está alta e a curva começa a ceder, tem linhas de crédito que já começam a ficar mais baratas. Não interessa o overnight. Interessa a curva. Ela já está inclinada. Já está abaixo de 11% de Selic no ano que vem. Essa é uma batalha do Banco Central. Hoje eu ainda estou na ponta dos economistas que entendem que o corte é mais para frente e não antes.

Quando vê a possibilidade de corte das taxas de juros?

Na nossa avaliação, o corte acontece na quarta reunião do ano. Seria na virada do primeiro semestre do ano que vem. Quem avalia que o corte será antes está olhando a inflação projetada para 2024 pelo Banco Central, que é de 2,8%. Só que o horizonte relevante do BC não é 2024. É 2023 com um pouquinho de 2024. No momento que 2024 virar o horizonte relevante, o que geralmente acontece no segundo trimestre, o mercado avalia que o BC vai sair cortando porque está com a inflação abaixo da meta O meu contraponto é que o BC também diz qualitativamente que balanço de riscos é pior. Traduzindo para o bom português, ele está dizendo que precisa duvidar um pouco dos seus números. Não dá para pegar como valor de face o que está escrito e achar que matematicamente é o que vai acontecer. É uma batalha de juros altos por mais tempo.

Nos Estados Unidos, o Fed tem que fazer a mesma coisa. Acabou de entregar a terceira alta de 0,75. Não pode sair da reunião com o mercado achando que o Fed já vai cortar os juros. Aí não adianta nada. Não pode sair da reunião com as pessoas confortáveis. Porque esse é o trabalho dele. O Banco Central é o cara que acende a luz quando a festa está bombando.

Falta esse entendimento para o mercado, de que o trabalho é de longo prazo?

No fundo, o mercado não estava querendo entender que o Fed estava sendo sério em entregar o quanto antes uma meta de 2% de inflação. O mercado acaba desconfiando que, se vier uma recessão antes, o Fed vai desistir dos 2% de meta. Dessa vez, eles foram muito mais sérios. Não é à toa que a curva de juros foi lá para 5%. Pela primeira vez, o Fed parece estar um pouco mais à frente da curva. Agora ele conseguiu pegar a rédea de volta. A única dúvida é se a probabilidade de recessão está aumentando, não sabe o timing, mas precisa colocar algum tipo de corte antes. Acho que lá o juros é para mais e não para menos. E o corte para depois e não para antes.

Nesse ambiente de juros mais altos, como fica a situação da economia das empresas?

Quando se olha a correção do S&P, o grosso do movimento até agora foi só reprecificação de juros. Não está havendo uma reprecificação de lucros futuros projetados. Não é porque as empresas vão lucrar menos. Falta essa pernada. Talvez ainda tenha uma pernada por vir. E não é só a economia americana que está sofrendo. A gente está vendo o mundo todo crescendo menos. Está havendo um movimento global, sincronizado, de aumento de juros e de perda de crescimento. A gente deveria ter tido um ganho de produtividade muito grande para imaginar que isso não vai se transformar em menos lucro das empresas. Esse custo vai pegar. Pode vir ainda mais uma correção de bolsas para baixo com a revisão de lucros para baixo.

O ‘free lunch’ não existe mais. É um mundo novo. Não dá para imaginar que o jogo do lucro das empresas do S&P é o mesmo jogo.

Marco Caruso, economista-chefe do banco Original

Tende a impactar no resultado operacional.

Sim. Estamos há 15 anos vivendo com os juros zero. Tudo o que a gente viveu nos últimos 15 anos talvez já não valha mais. Que era um mercado em que todos os bancos centrais injetavam liquidez sem gerar inflação. Pareciam terem achado o free lunch. Agora o jogo virou na inflação. Tem uma restrição. O free lunch não existe mais. É um mundo novo. Não dá para imaginar que o jogo do lucro das empresas do S&P é o mesmo jogo. No fundo, o dinheiro está mais caro. As empresas que simplesmente existiam porque o dinheiro era de graça estão sofrendo.

Como esse cenário externo mais difícil afeta o Brasil, que terá um novo governo em 2023 e que assume pressionado por um aumento de gastos?

A gente vai ter que entender qual vai ser a postura fiscal. Para Brasília, o teto de gastos é um desafio, porque limita despesas. É um desafio para o Congresso, para o governante, numa sociedade que demanda de forma justificada mais gasto, porque é uma sociedade pobre. Mas tem uma limitação. Qual vai ser a regra? Ainda não sabemos. A gente vai ter que fazer conta para saber o quanto isso é consistente no tempo. O que a gente sabe é que o teto exatamente como era antes já não vale mais.

A proposta de ter o teto corrigido pelo IPCA mais 1% a 2% reduz as dificuldades que a gente tem hoje com o teto?

Reduz a pressão, porque dá algum crescimento real. Só precisa combinar com a matemática. Se a despesa crescer 1%, tem que ter uma arrecadação que dê conta desse aumento de modo que o Brasil não tenha déficits recorrentes. A gente vai para o primeiro superávit depois de uma década este ano. Mas não está garantido que a gente está tranquilo no fiscal. A foto do fiscal é boa. O filme, a gente ainda tem que descobrir.

E o que estão projetando para o PIB do ano que vem?

A gente prevê 0,2% de crescimento. Duas coisas estão por trás desse número. A Selic, que está em patamares restritivos e vai ficar assim por um bom tempo. Isso já desacelera bem a atividade. E a outra é que algum tipo de aperto fiscal deve ser feito. A gente não sabe qual, mas tenho como premissa a ideia de que, independentemente de quem estiver conduzindo a pasta da Economia, vai trazer algum tipo de controle de despesas. A resposta do PIB tem que ser negativa. E num mundo em desaceleração, os preços das commodities também não ajudam. É um mix de ressaca de euforia deste ano, com juros pegando tração e a atividade para baixo, e um fiscal que está ficando expansionista agora, por causa do Auxílio Brasil, e volta a ser apertado no ano que vem.

Tende a perder fôlego

Sim. O lado bom disso é que a inflação de 2024, se o fiscal não for expansionista e de fato for apertado, deveria voltar para patamares próximos à meta. Não sei se 3%, mas em níveis mais saudáveis. Esse é o lado bom da arrumação da casa.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.