‘Não dá para subestimar as reformas que foram feitas’, diz Figueiredo, da Mauá

Ex-diretor do BC diz à Bloomberg Línea que o país terá em 2023 o impacto de melhorias estruturais de medidas aprovadas e que o efeito da recessão dos EUA será limitado

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Bloomberg Línea — A economia brasileira tem surpreendido analistas nos últimos meses. O Produto Interno Bruto (PIB) tem crescido acima do esperado neste ano, a inflação começou a ceder e a taxa de desemprego caiu para o menor nível desde 2015. No mercado financeiro, a avaliação é que a retomada do setor de serviços após a pandemia tem levado ao crescimento mais vigoroso da atividade. Mas, na visão do sócio-fundador da gestora Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo, existe também outra explicação.

Segundo ele, que foi diretor de Política Monetária do Banco Central, o Brasil começa a sentir os efeitos de uma série de reformas microeconômicas realizadas desde o governo Michel Temer. Entre elas estão a reforma trabalhista, da Previdência, a independência do Banco Central, a regra do teto de gastos, além dos marcos legais dos setores de óleo e gás, saneamento, cabotagem e ferrovias.

São mudanças que, de acordo com Figueiredo, trazem um ganho estrutural que ajuda a promover os investimentos privados e o crescimento do PIB.

“Nós ficamos falando que o Brasil precisa fazer reformas e que precisa aumentar o investimento. Aí, quando isso acontece, os economistas não as levam em consideração”, disse Figueiredo à Bloomberg Línea (leia a entrevista completa abaixo). “Não dá para subestimar as reformas que foram feitas. Sou daqueles que acham que o crescimento no ano que vem vai ser de pelo menos 1%. Qualquer presidente que venha a ganhar a eleição vai herdar esse conjunto de reformas.”

É uma situação que favorece o próximo governo, seja qual for o candidato eleito no primeiro ou no segundo turno das eleições. Para Figueiredo, as reformas permitem que o Brasil tenha uma situação mais confortável mesmo diante de um cenário cada vez mais provável de desaceleração da economia mundial e de recessão nos Estados Unidos. Por essa razão, ele acredita que o Brasil tende a crescer um pouco acima da média dos últimos anos, enquanto o mundo crescerá um pouco abaixo.

Uma das questões em aberto, no entanto, é a situação das contas públicas. Tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o presidente Jair Bolsonaro (PL), líderes nas pesquisas eleitorais, dizem que vão rever a regra do teto de gastos no próximo governo se forem eleitos.

Embora as propostas para uma nova regra fiscal ainda estejam em aberto, Figueiredo acredita que nem Lula nem Bolsonaro terão condições de fazer uma política fiscal expansionista, elevando demais as despesas. Isso porque cerca de 93% do Orçamento federal é composto por despesas obrigatórias, o Congresso tem muito mais poder sobre o destino dos gastos do que no passado, e os bancos públicos, como o BNDES, já não possuem mais a relevância que tiveram em governos anteriores.

“O espaço para fazer besteira, ou para fazer políticas expansionistas, no mínimo é limitado. Acho até que é inexistente. Para ter financiamento, é preciso ter mercado de capitais. Isso pressupõe estabilidade”, disse Figueiredo. “Se o novo arcabouço fiscal for razoável, está contratado um crescimento de 2% a 2,5% ao ano pelos próximos anos em razão das reformas já feitas.”

Para Figueiredo, a preocupação com as contas públicas tem dominado a agenda política e econômica nos últimos anos e isso impede o avanço de projetos de desenvolvimento do país. Na sua avaliação, o Brasil precisa de um arcabouço fiscal que reduza a fragilidade das contas públicas para que isso deixe de ser uma preocupação. “O país deveria estar pensando no seu desenvolvimento”, afirmou.

Apesar das incertezas com o cenário político, Figueiredo confia na melhora do ambiente de negócios do Brasil e segue essa visão como estratégia de negócio. A Mauá, uma das mais tradicionais gestoras do país, está prestes a concluir a fusão com a Jive para formar uma asset independente com cerca de R$ 14 bilhões em ativos sob gestão e projeção de chegar a R$ 20 bilhões no fim do ano.

O foco é principalmente no mercado de investimentos alternativos – isto é, participações em projetos imobiliários, de infraestrutura e do setor agrícola e também em ativos distressed (em dificuldades financeiras), uma área de especialidade da Jive. São investimentos ligados à economia real e que dependem do desenvolvimento econômico do país.

“O mercado de capitais no Brasil se desenvolveu barbaramente. O Estado já não é mais a resposta para capital de investimento de longo prazo. O próprio investimento cresceu. Por exemplo, o setor de infraestrutura tem um investimento contratado de quase R$ 1 trilhão para os próximos 10 anos. Empresas como a nossa estão aqui para ajudar a financiar”, diz Figueiredo, que passará a ser chairman da nova empresa após a fusão.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editada para fins de clareza.

Bloomberg Línea: Como o senhor enxerga o cenário eleitoral e os possíveis impactos para a economia?

Luiz Fernando Figueiredo: Um ano atrás, as pesquisas já mostravam um resultado bem semelhante ao que estamos vendo hoje. Mudou muito pouco. A terceira via deve ficar em terceiro ou quarto lugar. E o Brasil não conseguiu produzir alguém de centro. Alguém menos radical. Ficou essa eleição polarizada desde o início. Mas os sinais são de tentativas dos dois lados [Lula e Bolsonaro] de se mostrar menos radical – o que, no final, é o que deve acontecer em um eventual governo de qualquer um dos dois.

E do ponto de vista da economia?

Do ponto de vista econômico, foram feitas muitas reformas. A agenda é muito extensa. Desde reforma da Previdência, óleo e gás, saneamento, ferrovias, todo o capítulo de aeroportos, cabotagem, a independência do Banco Central. E, também no lado de infraestrutura, foram feitas muitas concessões que geraram um pipeline gigante de investimentos. Nesse lado, é inegável. Os dados mostram que houve um enorme avanço.

Também houve uma melhora na performance fiscal do Brasil. Ela é muito melhor do que a da maioria dos países no processo de pandemia. Não é por outra razão que vamos ter superávit primário neste ano, como no ano passado, o que não tínhamos desde 2012. Por outro lado, o arcabouço fiscal se fragilizou fortemente. Começou no ano passado com pequenos furos no teto. Há hoje uma noção de que, se houver um novo teto, será outra coisa. Como tem uma série de pressões à frente, isso gera um receio muito grande.

Como o senhor avalia as propostas para o novo arcabouço fiscal?

A discussão está muito rasa. O que o governo atual está estudando é um arcabouço relacionado ao endividamento. À medida que a dívida for menor, pode ter aumento de gastos. Se o endividamento for maior, não pode, e assim por diante. É um caminho.

Com o Lula, nós não sabemos. Está muito em aberto. A campanha diz o que não quer [o teto atual], mas não diz o que pretende fazer. A única coisa é o Lula dizendo que “la garantia soy yo”. No caso de o Lula ganhar, existe muito mais dúvida do que virá, como virá. O que existe é uma certa crença de que ele não vai se jogar pela janela. Não vai fazer um absurdo, até porque ele foi responsável fiscalmente no primeiro mandato [quando foi presidente de 2003 a 2006].

O apoio do Henrique Meirelles ao Lula vai nessa direção?

O Henrique Meirelles pode ter um papel simbólico, mas é muito difícil que seja o ministro da Economia. E, na verdade, o aceno foi muito mais do Meirelles do que do Lula. Acho importante e conveniente para o Lula flertar com nomes mais do centro. No primeiro debate, ele falou muito do Alckmin. Mas nós sabemos que o vice-presidente do Brasil, se tem algum papel, é pequeno. Agora, acho que um governo que não tem uma agenda, pelo menos econômica, mais de centro, vai ter muita dificuldade. Porque o nosso Congresso é de centro-direita.

O Lula vai ter que ceder de uma forma ou de outra se for eleito?

Ele vai ter que compor [uma base de sustentação política]. Não tem jeito. A esquerda não vai ter mais do que 140, 150 deputados. Para fazer qualquer coisa, precisa ter no mínimo uns 210, 220. E o restante, mais uns 150, você consegue projeto a projeto. Está muito longe disso.

A necessidade de compor com o Congresso é muito maior do que era no primeiro mandato. Ele não vai conseguir eleger o presidente da Câmara. Vai ter que lidar com o presidente do Centrão. Ele não terá uma vida legislativa fácil se ele não compuser uma base mais estruturada. Ele sabe e está indo atrás disso.

A reação do mercado ao apoio do Meirelles foi exagerada?

Os ativos brasileiros estão muito descontados sob qualquer parâmetro. A curva de juros é muito alta, a taxa de câmbio está bastante depreciada, e a Bolsa, bastante descontada. O apoio teve alguma reação na curva de juros. Mas é uma flutuação normal. O que eu vejo é que a curva de juros brasileira está respondendo muito mais porque o risco inflacionário está menor, e o Banco Central encerrou o ciclo. E também porque lá fora o grau de realismo ao que está acontecendo já foi para um nível muito mais adequado.

Em que sentido?

No sentido de que a inflação é alta demais para o esforço que o Federal Reserve parecia disposto a fazer. E o Fed endureceu muito o discurso. A expectativa do mercado para a taxa terminal, que estava em torno de 3,5%, 3,70%, foi para 4,5%, quase 5%. Esse número já é muito mais realista sobre até onde a política monetária tem que ir.

Eles [o Fed e o mercado americano] demoraram muito tempo para descobrir qual era o antibiótico que tinham que dar. Daí resolveram dar 20% do que precisava e acharam esquisito que o paciente continuou a piorar. Tem que dar, no mínimo, a dose adequada. Às vezes você dá até um pouco mais, mas tem que dar um nível adequado, senão não vai melhorar. E demora para começar a melhorar. O lado da pressão de demanda continua muito forte. Eles têm que levar o desemprego para pelo menos 5% lá fora. Não tem conversa.

O que aconteceu no caso brasileiro? Começou um ano atrás. Se nós olharmos, o Brasil já está tendo surpresas favoráveis do lado da inflação, independentemente da questão da queda de impostos. Mas por quê? Porque está com um juro muito elevado quando se olha a inflação para frente. O juro real está em 8%. Nós não vemos isso desde 2014.

Falando do cenário externo, a expectativa é que o aumento dos juros leve a uma desaceleração ou até uma recessão nos EUA. Como vê os efeitos para o Brasil?

O Brasil é muito mais dependente de fatores internos. Uma coisa de que se fala pouco, e já aconteceu, é que houve uma alta da formação bruta de capital fixo, quer dizer, da taxa de investimento. Ela ficou em torno de 19%. Antes estava em torno de 15% há dois, três anos. Isso é muito relevante. Aumenta o PIB potencial do Brasil.

Nós ficamos falando que o Brasil precisa fazer reformas e que precisa aumentar o investimento. Aí quando isso acontece, os economistas não levam em consideração. Está todo mundo errando a projeção de crescimento por quê? Por que não leva isso em consideração. São fatores estruturais que foram realmente melhorados. Tudo bem que é muito difícil de calcular o impacto de reformas microeconômicas. Mas foram aprovadas um monte delas. Não pode ser zero o efeito.

Falta um esforço dos economistas em analisar esses efeitos?

Sim. E acho que vão errar de novo. Nesse sentido, o Paulo Guedes está correto. Os economistas vão errar de novo. Existe um ranço em relação ao Bolsonaro, então tudo que esse governo faz é visto como ruim. Como analista, tem que olhar o que foi bom e o que foi ruim. Não dá para subestimar as reformas que foram feitas.

Sou daqueles que acham que o crescimento no ano que vem vai ser de pelo menos 1%. Quer dizer, qualquer governo que venha vai herdar esse conjunto de reformas – que, aliás, vamos ser corretos, veio desde a época do Michel Temer. Foram seis anos de reformas.

Mas o que está dizendo é que a desaceleração da economia mundial não deve influenciar tanto o Brasil?

Acho que vai influenciar muito pouco. A verdade é que, nos últimos 10 anos, o Brasil cresceu em média entre zero e 0,5% por ano. O mundo cresceu em média 4%. Agora vamos ter um mundo crescendo menos que os 4%, talvez entre 2% e 3%. E o Brasil crescendo mais do que esse patamar de zero a 0,5%. O Brasil continua perdendo para o mundo, mas com uma diferença menor. Se o novo arcabouço fiscal for razoável, está contratado um crescimento, em razão das reformas que já foram feitas, de 2% a 2,5% ao ano pelos próximos anos. Depois, para ter mais gasto, precisa ter mais reforma. Mas está contratado.

O que deve impulsionar esse crescimento mais elevado?

Para começar, um investimento maior. Em um novo governo Bolsonaro, não será um modelo muito diferente do que hoje. Não vai ter muito dinheiro público. Em um governo petista, vai ter mais dinheiro público, mas não é aquela bonança que houve em 2006. O BNDES hoje é menor. O crescimento vai ser financiado bastante por mercado de capitais. O que é uma coisa muito boa. E para ter um mercado bom precisa ter uma certa estabilidade.

Na época do governo Lula, não tinha espaço. Eles continuaram o ajuste fiscal que tinha sido feito. Aí veio a China, que gerou uma enorme exuberância. E daí eles [os governos petistas] “mandaram o pau” e fizeram um gasto público absurdo, além de investimentos. Não dá para fazer de novo. Não tem outra China para comprar os nossos produtos pagando 4 ou 5 vezes mais caro. O espaço para fazer besteira, ou para fazer políticas expansionistas, no mínimo é limitado. Eu até acho que é inexistente. Para ter financiamento, é preciso ter mercado de capitais. Isso pressupõe estabilidade.

Quais setores podem se beneficiar nesse cenário?

Infraestrutura é um setor que deve se expandir barbaramente. Até porque já tem contratado quase R$ 1 trilhão de investimentos nos próximos 10 anos em cima das concessões etc. Todos os setores ligados a mercado de capitais devem ir bastante bem. Setor de saúde e educação também. E algumas coisas ligadas a varejo.

Olhando para frente, acredita que o país vai conseguir completar a agenda de reformas no próximo governo?

O objetivo não é só realizar mais reformas. A primeira coisa de que o país precisa fazer é cuidar bem da educação com foco de longo prazo. Não é uma questão nem de dinheiro. O que falta é fazer um trabalho decente. Sem isso, não tem como o país mudar de patamar. Em segundo lugar, é tornar um país em que nós não tenhamos mais dúvida sobre a sua sustentabilidade fiscal. É só isso. O objetivo não é fiscal.

O objetivo é não precisar se preocupar com isso para poder se preocupar com as coisas que interessam ao país. Em terceiro lugar, é ter um Estado que custe menos e pese menos. Hoje temos um Estado que faz coisas demais e faz tudo mal. Então, vamos fazer menos coisas, e vamos fazer direito. O Estado não tem que ser empresário. Não tem que cuidar de empresa. E precisa de uma mudança importante na tributação, com a redução da carga, que torne a vida do cidadão e das empresas mais simples.

O problema é que o Brasil avança a passos muito lentos.

O Brasil teima em reviver agendas que não funcionaram. O Lula está falando em recriar o Fies e esses fundos todos. Foram o maior escândalo e geraram zero de resultado. Quer ampliar o número de universidades. Que loucura. O que precisa é melhorar a qualidade das universidades e focar no ensino básico.

São agendas dos anos 1960 que não funcionaram, o mundo já passou por elas, mas nós teimamos em voltar. Não se muda a página. Tem que virar a página e pensar em outras coisas. Às vezes você acerta, às vezes erra. Mas vamos para frente.

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