Tornar-se um funcionário difícil de substituir reduz as chances de promoção dentro da organização
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Bloomberg Opinion — “Seja indispensável.” Não dá para discutir com esse conselho comum. Sem dúvida parece algo atraente hoje em dia, com as demissões mais uma vez dominando as manchetes. É uma orientação que tentei seguir por tempo demais em minha carreira.

Mas a ideia é muito problemática.

Sim, ser indispensável deveria ser um seguro contra demissão, e ser demitido é horrível. Qualquer pessoa que tenha passado por uma demissão sabe a ansiedade que ela causa, o sentimento de Jogos Vorazes por termos de competir com amigos e colegas. Ser indispensável parece ser a melhor arma – mas o tiro pode não dar certo.

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Às vezes, um esforço para ser indispensável transforma um funcionário em um gargalo. Mas se eles forem o único ponto de falha de um projeto, ou a única pessoa que sabe como o sistema funciona, ou o único funcionário com quem o cliente está disposto a falar, pode ser quase impossível deixar o trabalho – seja para tirar férias ou ser promovido.

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Um chefe pode relutantemente pensar: “Fulana realmente merece uma promoção, mas precisaríamos contratar duas pessoas para substituí-la”, ou “Não é justo continuar mandando essa pessoa para lidar com os clientes mais difíceis, mas ele é o único que consegue convencê-los”.

Esses funcionários são tão valiosos em seus empregos atuais que promovê-los criaria um problema imediato para seus gerentes. Em uma pesquisa realizada em 2020 pelo LinkedIn, profissionais de recursos humanos disseram que o maior obstáculo para o recrutamento interno era os chefes que queriam ficar com seus melhores funcionários.

Isto pode não ser um problema se esses funcionários estiverem satisfeitos; mas como tantas empresas exigem uma promoção para conseguir um aumento, as pessoas indispensáveis podem rapidamente se tornar mal remuneradas.

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Se uma pessoa específica tivesse a oportunidade de ir para a área de gestão, talvez ela conseguisse ensinar mais funcionários a serem tão produtivos quanto ela, e talvez ela conseguisse criar 12 mini versões dela. Com o conhecimento que outra pessoa tem das necessidades dos clientes, talvez ele se desse melhor em um novo cargo, talvez ajudando a redesenhar o produto de forma que não deixasse os clientes tão irritados.

Mas sua indispensabilidade – e teimosia da gerência – acaba fazendo a empresa funcionar. Esta falha em promover pessoas de cargos individuais para o primeiro degrau de gestão é às vezes chamada de “piso pegajoso” e prejudica especialmente as mulheres e as pessoas não brancas, atrofiando suas carreiras antes que elas tenham a chance de chegar a um “teto de vidro” – barreiras invisíveis que impedem um funcionário de chegar a níveis hierárquicos mais elevados.

Em organizações que dependem muito da indispensabilidade, pessoas valiosas acabam ficando incentivadas a deixá-las para obter reconhecimento. Um estudo de 2022 da McKinsey constatou que mais de 80% das mudanças de cargo envolviam a mudança de empregador; as promoções internas continuam sendo raras.

A maioria das mudanças de emprego analisadas também envolveu pessoas assumindo substancialmente novas habilidades, indicando que já tinham habilidades que seu antigo empregador havia negligenciado.

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Quando esses funcionários cruciais acabam deixando a organização, chefes e colegas se dão conta pela primeira vez da verdadeira extensão de todo o trabalho que realizavam. A equipe pode levar meses para se recuperar. Um trabalho do economista do MIT Simon Jäger e do economista do IAB Jörg Heining (chamado How Substitutable Are Workers? Evidence from Worker Deaths, ou “Trabalhadores são insubstituíveis?

Evidências de óbitos de funcionários” em tradução livre) concluiu que quando os trabalhadores que deixam uma empresa podem ser prontamente substituídos, os salários sobem à medida que seus colegas assumem as tarefas dos antigos funcionários. Quando os trabalhadores são mais difíceis de substituir, isso traz um efeito negativo que prejudica os salários dos que ficam na empresa.

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Em vez de aspirar a ser indispensável, funcionários e empresas deveriam reconhecer que é melhor para todos se os funcionários forem qualificados e valiosos, mas intercambiáveis. Isso significaria que um trabalhador pode sair de férias tranquilamente, sabendo que seus colegas lidarão com qualquer problema que surgir enquanto estiver fora. Quando os funcionário podem facilmente substituir uns aos outros, seus horários podem ser mais previsíveis e mais flexíveis.

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A intercambialidade pode até mesmo ajudar a diminuir a diferença salarial entre homens e mulheres: um estudo de farmacêuticos realizado pelos economistas de Harvard, Claudia Goldin e Lawrence Katz, constatou que o aumento da facilidade de substituição entre farmacêuticos – graças ao treinamento uniforme, aos dados informatizados dos clientes e ao aumento das cadeias nacionais – rendeu para a profissão algumas das maiores remunerações por hora e uma das menores diferenças salariais entre homens e mulheres.

Em uma organização com funcionários qualificados e substituíveis, os gerentes podem redistribuir o trabalho sem problemas quando percebem que uma pessoa assumiu demais, ou que outra não tem tarefas suficientes. Não é um desastre se alguém se aposentar ou se demitir. Os clientes não ficarão chateados se não conseguirem falar com uma pessoa específica. E quando os funcionários se substituem, é mais difícil ocorrerem fraudes – esse é um dos motivos pelos quais alguns grandes bancos tornaram as férias obrigatórias.

Se ser indispensável é tão oneroso, por que valorizamos isso? Emocionalmente, é gratificante ser necessário. E ser indispensável pode parecer um bom seguro contra ser demitido. Mas, como vimos, esse seguro de carreira custa muito. E também não é um método infalível: vimos demissões se multiplicarem nas últimas semanas nas principais consultorias e escritórios de advocacia. Será que algum desses profissionais demitidos se considerou substituível quando eles estavam trabalhando 80 horas por semana? Provavelmente pensaram que seus esforços eram essenciais e únicos.

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A fungibilidade tem uma reputação ruim: nós a associamos com ter um valor mais baixo ou ser insignificante. Mas há muitos empregos de altos cargos e altos salários nos quais os trabalhadores podem se substituir: pilotos, contadores, desenvolvedores. O setor de saúde está cheio de exemplos. Se você precisar de cirurgia, vai abdicar dos medicamentos para dor até que seu anestesista de preferência esteja disponível?

Na maioria dos setores, a indispensabilidade é um hábito, não uma lei da física. Tomemos como exemplo minha área, a editoria. Trabalhei em lugares em que editores se substituíam com frequência, durante férias, por exemplo. Mesmo que fira o ego de alguns editores, a redação funciona da mesma forma.

A indispensabilidade não é apenas onerosa, é desnecessária. Há muitas outras maneiras de impressionar o chefe: ser diligente, meticuloso, eficiente, respeitoso, alegre; exceder as expectativas; minimizar os erros; tomar a iniciativa. Descubra quais são as prioridades de seu chefe e torne-as suas próprias prioridades. E que isso seja suficiente.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Sarah Green Carmichael é editora da Bloomberg Opinion. Anteriormente, era editora-gerente de ideias e comentários na Barron’s e editora executiva na Harvard Business Review, na qual apresentava o podcast “HBR IdeaCast”.

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