O que está salvando o setor de tecnologia são as vendas corporativas

Inflação, lockdowns e a guerra na Ucrânia estão afetando as techs; contudo, o impacto não está distribuído de maneira uniforme

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Bloomberg Opinion — A mais recente leva de balanços trimestrais do setor de tecnologia está começando a mostrar uma divisão muito clara entre as áreas que podem continuar crescendo e as que certamente sofrerão com a desaceleração econômica global. A questão fundamental a ser observada nos próximos meses é se os setores mais resilientes sucumbirão, ou, pelo contrário, impulsionarão uma recuperação das áreas afetadas.

Boa parte das principais empresas globais de hardware de tecnologia já apresentaram os resultados do trimestre encerrado em junho e divulgaram projeções para o segundo semestre do ano. Entre elas estão a Apple (AAPL), a Taiwan Semiconductor Manufacturing Co., a Samsung e a Intel (INTC).

De modo geral, podemos concluir que os gastos dos consumidores com itens discricionários – aqueles de curto prazo ou não essenciais – estão diminuindo drasticamente. Mesmo assim, a demanda corporativa é robusta, principalmente por infraestrutura e equipamentos como data centers, redes de comunicação e aplicações industriais.

A escalada da inflação é um grande fator de incerteza. Os preços ao consumidor nos Estados Unidos subiram 9,1% em junho, o nível mais alto em mais de 40 anos, e os bancos centrais de todo o mundo estão aumentando as taxas de juros para enfrentar o problema. Este maior custo do dinheiro está prejudicando a economia, levando os EUA para dois trimestres consecutivos de declínio do PIB (a chamada recessão técnica). Enquanto isso, a China – segunda maior economia do mundo – está lutando com os lockdowns contra covid-19 e uma crise imobiliária cada vez mais grave.

A Taiwan Semiconductor foi uma das primeiras a entregar os resultados e guidances. Analisando apenas essa empresa (sem se aprofundar), parece que tudo estava bem. Os ganhos superaram as estimativas e suas perspectivas ultrapassaram muito o que os analistas esperavam. Mas em meio às letras miúdas e aos gráficos, havia certa clareza sobre o que está dando certo e o que não está.

As vendas de chips usados em smartphones subiram apenas 3% em relação ao trimestre anterior, deixando de representar a maior fatia da receita. Por outro lado, a computação de alto desempenho, que compreende processadores usados em inteligência artificial, data centers e redes móveis 5G, aumentou 13%. A receita nesta divisão cresceu cerca de 50% em relação ao ano anterior, segundo cálculos da Bloomberg Opinion.

Os dados da Intel e da Samsung oferecem um panorama semelhante.

Como maior fabricante mundial de unidades de processamento central (CPUs) para computadores e servidores, a Intel depende exclusivamente de uma pequena fatia da indústria tecnológica. O cenário não é nada bom.

A receita de seu grupo de computação para cliente, que vende chips usados em PCs e notebooks, caiu 25% em relação ao ano anterior, e a margem operacional nessa divisão caiu 65%. Sua divisão de data centers contraiu 16%, em parte porque os clientes que fazem servidores de data center estão tentando reduzir o estoque e porque uma proporção maior do que a empresa vendeu foi de chips com preços mais baixos. Surpreendentemente, sua divisão de rede e borda (comunicações com e sem fio) aumentou. O que é mais chocante é que a Intel reduziu em 15% suas perspectivas de receita para o ano todo.

Os resultados deste trimestre ficaram abaixo dos padrões que estabelecemos para a empresa e nossos acionistas. Devemos e vamos fazer melhor. Continuamos focados em nossa estratégia e nas oportunidades a longo prazo à medida que acolhemos este ambiente desafiador para acelerar nossa transformação.

Na Samsung, a demanda mais baixa dos consumidores está prejudicando as vendas de chips de memória, o ganha-pão da gigante sul-coreana, porque as pessoas simplesmente não estão comprando tantos computadores.

As vendas de smartphones também foram fracas, disse a empresa. No entanto, a demanda por memória utilizada em aplicações empresariais, como servidores, permanece sólida, assim como seus negócios de infraestrutura de rede 5G. A empresa também deu um simples aviso: os problemas no setor de PCs podem se espalhar para o negócio empresarial.

A Lattice Semiconductor Corp., designer de chips especializados, mostrou uma tendência semelhante no início da semana. Sua divisão de consumo caiu, mas as áreas industrial, automotiva e de comunicações subiram.

O caso da Apple é muito curioso. A receita proveniente do iPhone subiu singelos 2,8% em comparação com um ano atrás. No entanto, seu negócio de serviços, que inclui Music, iCloud e a App Store, saltou 12%. Por sua vez, as vendas da Mac caíram 10% Nós costumamos considerar smartphones como uma compra discricionária do consumidor, e os computadores da Apple, que são mais caros, são considerados para usuários corporativos e de nichos de mercado, como designers e desenvolvedores de software.

Estes números podem, em vez disso, indicar que um novo iPhone é um produto indispensável, principalmente se for o momento de atualizar, ao passo que a compra de um novo laptop ou PC de alta potência é algo que pode esperar um pouco mais.

Há muito para observar até o final do ano. A inflação ainda não está sob controle, a invasão da Ucrânia pela Rússia continua (com um impacto sobre os preços da energia), lockdowns esporádicos ainda ocorrem na China, e há uma tensão se formando no Estreito de Taiwan.

Se a demanda corporativa continuar, principalmente com investimentos de longo prazo em infraestrutura de comunicações e data centers, o setor de tecnologia poderá sair relativamente ileso. Contudo, se a incerteza econômica se arrastar por muito tempo, até mesmo as áreas que pareciam robustas provavelmente terão problemas.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Tim Culpan é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia na Ásia. Foi repórter de tecnologia para a Bloomberg News.

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