Bloomberg Opinion — Por toda a controvérsia sobre os bots no Twitter (TWTR), alimentada mais recentemente pela suspensão dos planos de aquisição por Elon Musk, parece razoável esperar que a empresa feche o acesso à plataforma e se afaste da automação. O Twitter está fazendo justamente o contrário – está incentivando as pessoas a explorar seu vasto e aberto repositório de dados e construir softwares em torno dele.
Na verdade, a empresa tem um tutorial online que guia o usuário pelo passo-a-passo do processo. Foi o que a Bloomberg Opinion fez. Conseguimos abrir com sucesso uma conta automatizada que compartilhava assuntos em alta, conquistava algumas dezenas de seguidores e atraía milhares de visitantes. Confira o que aprendemos sobre o processo e sobre a forma como a interação funciona no Twitter quando um sistema automatizado assume o controle.
A afirmação de Musk de que há muito mais bots no sistema do que o Twitter revelou (menos de 5% das contas) levou o bilionário a cancelar sua aquisição planejada de US$ 44 bilhões na semana passada. A empresa entrou na Justiça para fazer valer a aquisição.
Embora o Twitter estivesse ciente de nosso bot (pois eu informei), a empresa não estava envolvida no processo nem teve controle da conta. O objetivo era imitar como um spammer poderia criar um bot para espalhar informações equivocadas ou promover criptomoedas, dois dos usos mais comuns e indesejados da plataforma.
O jargão pode parecer um pouco assustador para leigos. Bot é uma palavra que tende a despertar fortes sentimentos. No entanto, significa simplesmente um sistema que funciona com algum grau de automação – não são nem bons nem maus. API significa interface de programação de aplicativos e funciona como um guia para acessar informações sobre usuários, tweets, imagens e muitas das estatísticas relacionadas.
Nossa missão continua importante como sempre: oferecer uma plataforma aberta que sirva para a conversa pública. Continuamos inovando na API v2 do Twitter e investindo em nossa comunidade de desenvolvedores
Um desenvolvedor com experiência moderada deve ser capaz de configurar um bot em poucas horas usando qualquer uma das principais linguagens de programação, como Java, JavaScript, Ruby, R ou C. Eu escolhi Python, e em vez de começar do zero utilizei uma biblioteca existente de código livre chamada Tweepy, que facilita muito o processo. Alguns códigos podem ser antigos e não funcionar com atualizações recentes da API, mas a leitura da documentação resolverá a maioria dos bugs.
O primeiro passo para criar um bot é abrir uma conta no Twitter e, então, solicitar o acesso de desenvolvedor. Você pode até fazê-lo com sua conta pessoal, se quiser. Um ator famoso poderia fazê-lo anonimamente, primeiro abrindo uma conta gratuita no Google, e depois usando-a para entrar no Twitter. Um número de telefone só foi necessário uma vez, para autenticação, e há muitos serviços online que oferecem números de telefone gratuitos na internet para ajudar a manter o anonimato. Mas isto não é nenhuma garantia, pois muitos números de protocolo de internet estão bloqueados de receber a mensagem de texto para confirmação.
Receber a aprovação para o acesso de desenvolvedor foi muito mais fácil que o esperado. Há diversas perguntas sobre o uso do bot e se você vai compartilhar dados com os governos. Você deve até escrever uma pequena explicação sobre seu projeto. O processo sugeria que um humano analisaria a solicitação e responderia dentro de horas ou dias. Na verdade, foi automático. O registro e a aprovação demoraram menos de uma hora.
O Twitter explicou que esse acesso rápido é deliberado, não uma falha. Novos desenvolvedores são colocados em um nível baixo, chamado Essentials, com limites para quantas vezes o bot pode se conectar a seus sistemas, publicar e republicar tweets, adicionar usuários e assim por diante. Sua estratégia é angariar pessoas o mais rápido possível para que elas possam experimentar a plataforma e aprender como utilizá-la, mantendo limitações para mitigar o uso indevido. Se quiser um acesso mais completo, você pode solicitá-lo e pagar uma taxa. O Twitter também pede aos desenvolvedores que identifiquem voluntariamente sua conta de bot, mas a empresa não reforça a prática. Como muitos bots não parecem fazer isso, eu também não fiz.
O desafio é que muitas contas que que parecem falsas superficialmente são, na verdade, pessoas reais. E algumas das contas de spam que na verdade são as mais perigosas – e causam o maior dano aos nossos usuários – podem parecer totalmente legítimas à primeira vista.
Como não queríamos acionar os algoritmos do Twitter, escolhemos um nome genérico e um perfil sem conexão com qualquer conta pessoal ou com a Bloomberg. O perfil é @BotofBots2022. Afinal, bots de criptomoedas e spammers não usam nomes bem conhecidos. Seguimos os perfis de Elon Musk, do bitcoin (BTC), do Coin Market Cap e do Coinbase (COIN) para ver quais outras contas poderiam ser atraídas (nenhuma dessas contas nos seguiu de volta). Essa associação pareceu não influenciar a contagem de seguidores do bot.
Algo que pode surpreender muitos usuários do Twitter é a quantidade de dados incluídos em um único tweet. Enquanto o público verá conteúdo básico como quem postou, texto do tweet, quaisquer imagens ou links, e quantas curtidas e retweets, há muito mais informações vinculadas a essa publicação. Isto inclui quantos seguidores o usuário tem e quantos ele segue. Informações de idioma, localização e fuso horário, bem como se o tweet é proibido em determinados países (por direitos autorais ou outros motivos), se inclui um link com informações possivelmente sensíveis, ou se a tradução foi habilitada.
Este bot foi bem simples – talvez até tedioso. O teste inicial fez com que o bot procurasse tweets com a hashtag #bot e os republicasse. A conta deveria fazer essas republicações apenas algumas vezes por hora durante algumas horas. Algumas contas começaram a seguir o bot e pareciam até ser humanos (mas não dá para saber).
Após algumas horas brincando com o bot, era hora de mudar a tática. Uma das características mais legais no Twitter são os dados que ele compila sobre tendências.
A API permite que os desenvolvedores façam o download de uma lista dos tópicos mais populares por localização. Você pode filtrar por todo o mundo e até por cidades, como São Paulo. Então o programa Python foi ajustado para pegar essa lista, escolher aleatoriamente um dos tópicos, encontrar um tweet sobre o tema e compartilhá-lo. Isso trouxe mais alguns seguidores, mas não muitos.
Então pressionamos um pouco mais. O bot fez 354 compartilhamentos em menos de 30 minutos. Periodicamente, ele era interrompido com uma mensagem automática dos servidores do Twitter dizendo que estava acima do limite diário. Então eu suspendi suas operações por algumas horas antes de começar de novo. Em seguida, foram 385 compartilhamentos em 26 minutos antes de ser novamente interrompido pelo limite. No geral, o pequeno bot conseguiu 3,2 mil compartilhamentos em 24 horas e 7 mil em poucos dias. Quando a taxa de compartilhamentos aumentou, o engajamento também aumentou, chegando a 40 seguidores. Pode não parecer muito, mas o bot apenas fez compartilhamentos e não tinha nenhum interesse discernível em seu perfil no Twitter. No momento da redação deste artigo, o perfil acumulava mais de 15 mil visitas desde sua criação.
Segundo o Twitter, os dois tópicos que recebem mais atenção na plataforma são criptomoedas e pornografia, o que ajuda a explicar por que tantos bots são construídos em torno desses dois temas. Escolhemos não colocar lenha na fogueira da desinformação, principalmente na área de criptomoedas, então nos prendemos apenas aos assuntos em alta existentes. Mas mesmo nessa esfera mais genérica, logo ficou evidente que um alto volume de publicações é uma maneira fácil de aumentar a contagem de seguidores, o que é crucial para disseminar qualquer (des)informação que você tenha a oferecer.
Teria sido extremamente fácil configurar este bot para publicar (em vez de compartilhar) criptomoedas em alta, promover golpes ou distribuir links. Considerando os limites generosos permitidos até para as contas de desenvolvedores Essentials que podem ser abertas em uma hora, há muito espaço para que usuários maldosos espalhem spam pela plataforma antes de serem expulsos. Em sua defesa, o Twitter tem sistemas humanos e sistemas automatizados para impedir atividade maliciosa. É provável que o comportamento de nosso bot tenha sido muito bom e não tenha acionado qualquer alarme. Os executivos estavam relutantes em compartilhar exatamente como a empresa detecta os maus elementos.
É uma brincadeira incansável, e o Twitter quer evitar que seus adversários aprendam como enganar o sistema.
A maior lição do desenvolvimento de um bot do Twitter é entender como o processo é fácil e como é uma ferramenta poderosa. Nem todos os processos automatizados são maus, assim como nem todas as contas de humanos são boas. Mas a automação da plataforma torna incrivelmente fácil impulsionar o uso – um tweet com esteroides. Há muitos grandes bots por aí com fotos de gatos, que compilam conteúdo, fornecem informações sobre terremotos, ou até compartilham piadas. E há muitos humanos malignos também (não vamos dar nome aos bois).
Com o tempo, e sob nova administração, se Musk acabar sendo dono da empresa, o mundo e o próprio Twitter poderão repensar sua abordagem à automação. Seria uma pena. Não há dúvida de que os bots do Twitter estão sendo usados para fins ruins, mas há inúmeros casos em que o acesso aberto aos dados do Twitter serve como um bem público – incluindo o rastreamento do fluxo de desinformação por contas administradas por humanos. Limitar os bots seria justificado, mas livrar-se totalmente deles seria exagero.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Tim Culpan é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia na Ásia. Anteriormente cobriu tecnologia para a Bloomberg News.
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