É fácil contar quantas contas do Twitter são automatizadas; difícil é categorizá-las em uma automatização "boa" ou "ruim"
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Bloomberg Opinion — A afirmação de Elon Musk no mês passado de que o número de bots do Twitter (TWTR) é tão “desconhecido quanto a alma humana” pode muito bem ser uma tática de negociação de um homem que provavelmente está sentindo um pouco de culpa pela compra da plataforma. No entanto, contar quantas máquinas estão pela plataforma é um processo bastante simples, desde que haja um consenso sobre o que estamos contando.

Uma “questão muito significativa” que impede Musk de fechar o negócio pelos US$ 44 bilhões originalmente acordados é “se o número de usuários falsos e spam no sistema é inferior a 5%, como afirma o Twitter, o que acredito que provavelmente não representa a experiência da maioria das pessoas no Twitter”, disse ele ao editor-chefe da Bloomberg News, John Micklethwait, no Fórum Econômico do Qatar na terça-feira (21). Outros problemas a serem superados incluem financiamento da dívida e um voto dos acionistas sobre a aquisição, disse.

Com as ações da empresa de mídia social sendo negociadas 30% abaixo do preço de compra de Musk, de US$ 54,20, o déficit de US$ 15 bilhões é um motivo para que o empresário sul-africano encontre brechas e pressione por um desconto. Seu comentário na terça-feira se assemelha a um feito em um documento de 6 de junho, quando ele afirmou que o Twitter se recusou a fornecer as informações necessárias “para facilitar sua avaliação de spam e contas falsas na plataforma da empresa”.

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Espere aí. Até agora, temos três termos diferentes – bots, spam e contas falsas – que poderiam ter significados completamente diferentes. Nem todos os bots são falsos, e nem todas as contas falsas enviam spam.

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Há inúmeras maneiras de categorizar as contas no Twitter, mas a mais simples e útil pode ser examinar cada perfil do Twitter em duas bases. Humana, na qual uma pessoa real configura e executa atividades na conta, ou automatizada, na qual um software desenvolvido por um humano age em nome da conta para publicar, compartilhar e curtir tweets. Este último pode ser chamado de bot.

Existem também contas autênticas, em que a entidade que opera a conta é a mesma que pretende representar, e inautênticas. Esta segunda categoria pode ser considerada uma conta falsa.

Separar as contas é muito subjetivo, e não devemos pressupor que um bot é ruim e uma conta humana é boa. Por exemplo, muitas empresas e meios de comunicação fazem boa parte de suas publicações e compartilhamento por meio de softwares de terceiros. Tecnicamente, essas contas são administradas por um bot, mas gostamos de pensar neles como “bots do bem”. Aqueles que continuam publicando sobre golpes de criptomoedas são os “bots do mal”.

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Além disso, contas não autênticas são desdenhadas, mas muitas vezes ficam inofensivamente inativas por meses ou anos a fio antes de serem reativadas para assediar indivíduos ou espalhar desinformação. Vimos isso acontecer com empresas chinesas apoiadas pelo governo e contas relacionadas ao partido no poder na Índia. Pegar uma conta inautêntica no ato é muito difícil. Algumas são administradas por bots, mas não todas. E só porque uma conta é administrada por um humano com um pseudônimo, isso não significa que seja maliciosa.

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Por meio de uma combinação de machine learning e monitoramento por parte de nossas equipes, detectamos proativamente contas cuja atividade indica que há tentativas de manipular conversas no Twitter de forma automatizada, ou seja, ‘bots do mal”, disse o Twitter em um e-mail para a Bloomberg Opinion.

Separar bots, contas falsas e de spam por estas categorias é um misto de arte e ciência. Na verdade, contar bots é a parte mais fácil, e a alegação de Musk de que pelo menos 20% (e até 90%) dos usuários se enquadram nesta categoria não tem fundamento. É um número completamente calculável porque o próprio Twitter permite que desenvolvedores externos criem bots e conectem-se a seu feed de dados. Tudo o que você precisa fazer é solicitar uma conta de desenvolvedor e conectar-se à interface de programação de aplicativos da empresa, conhecida como API.

O Twitter conta quantas estão em uso e coloca esse número nas “centenas de milhares” de contas de desenvolvedores ativos por mês. Se nós generosamente arredondarmos isso para 1 milhão, então 1 em cada 229 milhões de usuários são bots – menos de 0,5% (lembrando que o Twitter registra os mDAU, ou Usuários Ativos por Dia Monetizáveis, sua própria métrica para contar usuários “reais” que podem ver anúncios publicados na plataforma; contudo, esta pode não ser diretamente comparável à métrica mensal de desenvolvedores ativos). Para ser claro, nem todas essas contas de desenvolvedores realmente publicam no Twitter – seja enviando, compartilhando ou curtindo um tweet. Na verdade, milhares de desenvolvedores utilizam a API para coletar dados de forma passiva, que poderiam ser utilizados para marketing e pesquisa. Mesmo assim, isso está bem longe dos 20%.

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Para ser justo, há outra maneira de operar um bot no Twitter sem utilizar a API da empresa – imitar uma pessoa real. Como a plataforma do Twitter roda em um navegador web usando protocolos padrão, desenvolvedores de software espertos podem explorar esta abertura para criar um bot que parece ser um humano no Chrome ou no Firefox. O Twitter não consegue contar estas interações tão facilmente, mas tem sistemas para caçá-los e, se necessário, tirá-los do ar. Se 20% de seus usuários fossem bots emuladores de navegador, o Twitter certamente saberia disso.

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O CEO Parag Agrawal tem sido bastante aberto sobre estes desafios.

“O spam não é apenas ‘binário’ (humano/não humano). As campanhas de spam mais avançadas usam combinações de humanos coordenados e automação”, disse ele no Twitter no mês passado. “As contas são sofisticadas e difíceis de serem pegas”.

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O desafio é que muitas contas que que parecem falsas superficialmente são, na verdade, pessoas reais. E algumas das contas de spam que na verdade são as mais perigosas – e causam o maior dano aos nossos usuários – podem parecer totalmente legítimas à primeira vista.

Para amenizar as preocupações, o Twitter ofereceu-se para explicar suas metodologias para Musk, o que seus advogados curiosamente lamentaram como sendo “o mesmo que recusar os pedidos de dados do sr. Musk”. Se, em vez disso, o novo comprador quisesse acessar cada tweet desde o início da plataforma em março de 2006, isso certamente poderia ser providenciado. Mas é improvável que isso satisfaça Musk, já que ele e sua equipe acabariam tendo de analisar resmas de dados para decidir o que é um bot, uma conta falsa e spam.

Com uma empresa de mídia social de 44 bilhões de dólares e muitos tweets antigos em suas mãos, o problema de Musk não será tentar conhecer o desconhecido, mas sim decidir o que exatamente ele quer saber.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Tim Culpan é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia. Anteriormente cobriu tecnologia para a Bloomberg News.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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