Por que esta gestora global de US$ 1 tri em ativos está otimista com o Brasil

Schroders avalia que risco de eleições já está precificado nas ações de estatais e revela suas principais apostas na bolsa

Pronostico adverso. Schroders ve una alta probabilidad de default para 2026.
04 de Julho, 2022 | 01:46 PM

Bloomberg Línea — Com posição overweight (acima da média do mercado) em ativos no Brasil, a gestora britânica Schroders tem ampliado sua alocação no país de olho no que considera um bom posicionamento no ciclo de aperto monetário em curso. Hoje, o Brasil representa uma das principais posições dos fundos de ações de mercados emergentes da casa, que administra globalmente mais de US$ 990,9 bilhões em recursos.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Pablo Riveroll, diretor de renda variável da Schroders para Brasil e América Latina, e João Noronha, analista de renda variável da Schroders Brasil, comentaram sobre o desafiador cenário macroeconômico atual e como eles têm alocado neste ambiente de juros e inflação nas alturas.

Os especialistas da Schroders demonstraram otimismo com a Bolsa brasileira, destacando as apostas nos setores financeiro, de utilities (empresas que prestam serviços públicos), commodities, rodovias e shoppings. É uma visão que destoa de muitas gestoras do país, que reduziram e, em alguns casos, até zeraram suas posições na bolsa.

Eles apontaram também o que enxergam como oportunidades em estatais como Petrobras (PETR3; PETR4) e Banco do Brasil (BBAS3). “Os valuations estão gerando menos estresse. Para nós, isso é um sinal de que o risco está precificado no mercado”, disseram em referência ao período pré-eleitoral.

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Confira a seguir os principais trechos da entrevista, feita por videoconferência:

Bloomberg Línea: Como vocês avaliam o cenário de juros e inflação em alta no mundo?

Pablo Riveroll: Estamos vendo uma inflação fora de controle, muito, muito alta nos Estados Unidos e em nível mundial. Há um componente que foi o incremento da liquidez ao longo dos últimos dois anos, por causa dos estímulos em meio aos impactos da covid-19. Agora, essa liquidez está sendo retirada do mercado – estamos quase em níveis negativos em termos de liquidez total dos países.

Outro fator de curto prazo é a inflação de alimentos e combustíveis. Em termos de alimentos, há um estresse muito grande por causa do conflito entre Rússia e Ucrânia. Eles são produtores muito importantes de alimentos e de fertilizantes e esse estresse de curto prazo gera um impacto muito importante nos preços de soft commodities, contaminando as expectativas de inflação para o resto dos produtos da economia.

Achamos que esse incremento é mais temporal, mas, como está contaminando as expectativas de inflação, os países desenvolvidos, principalmente o Federal Reserve, estão tentando com muita força ancorar as expectativas e reduzir a inflação. Eu esperaria daqui para frente uma continuação na redução de liquidez, do crescimento econômico e, por consequência, um sucesso para as metas dos bancos centrais na redução dos preços.

Uma recessão hoje está no cenário básico da Schroders?

É um dos cenários que temos contemplado. Acho que está aumentando a possibilidade de uma recessão de maneira importante. Não é o cenário-base hoje, mas vemos uma desaceleração econômica bem forte, com risco relevante de entrarmos em recessão.

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E qual o impacto desse cenário para os mercados emergentes?

Em ciclos passados, a maior pressão para mercados emergentes durante o processo de alta dos juros nos Estados Unidos e de valorização do dólar – como está acontecendo agora – era a gerada pela saída de capital da região em direção à economia americana, dadas as taxas mais altas.

Com um nível de juros nos EUA entre 3% e 3,5%, e isso já precificado pelo mercado, não esperaríamos uma pressão incremental. Nesse sentido, um catalisador importante para o real e para outras moedas emergentes seria o término do ciclo de aperto monetário que está em curso.

Qual a visão da Schroders para o Brasil? Quais as oportunidades hoje para investimento no país?

O Brasil é o país mais avançado em termos de ajuste de juros e melhor posicionado para esse cenário. Enquanto muitos países estão apenas começando a subir juros, no Brasil a Selic já está bem elevada, com uma taxa real positiva nos últimos 12 meses. As expectativas de juros estão bem acima das de inflação, o que não é o caso para o resto dos emergentes, que ainda têm juros defasados e vão precisar fazer um ajuste mais importante.

João Noronha: Por via de regra, o fim do aperto monetário é um momento favorável para o investimento em ações. Nesse contexto de inflação alta e eventual fim do aperto monetário, e em um cenário em que as taxas longas no Brasil, de 10 anos, estão próximas de 12,5% a 13%, não achamos que seja hora de ter uma exposição muito grande a setores cíclicos domésticos.

Temos monitorado para ampliar a exposição ao que chamamos de “bond proxies”, ou seja, setores que de certa forma oferecem proteção contra a inflação e que se beneficiam dessa compressão futura da curva de longa de juros – como utilities, rodovias e telecom. Esperamos que a curva de longo prazo se ajuste para baixo nos próximos 12 meses, de alguma forma, e isso seria benéfico para esses setores.

Pablo Riveroll, diretor de renda variável da Schroders para Brasil e América Latina

Quais as principais apostas na Bolsa brasileira?

Pablo Riveroll: Preferimos não abrir o nome das empresas, mas nossa convicção está hoje em setores específicos. Um deles é o de bancos, em que começamos o ano muito otimistas, porque eles se beneficiam dessa subida de juros e, de fato, tivemos uma surpresa positiva em termos da economia. Começamos 2022 esperando que o Brasil não fosse crescer neste ano e hoje estamos com expectativa de perto de 1,5% para o crescimento do PIB.

Também gostamos de commodities, com as ações muito atrativas, impulsionadas pelo conflito Rússia-Ucrânia. Hoje, estamos reduzindo algo de commodities, porque achamos que a desaceleração global vai ter um impacto e esse estresse da guerra da Rússia já está um pouco melhor entendido pelo mercado. Nossa convicção tem aumentado em empresas que vão se beneficiar do pico de inflação, do pico de juros: utilities, principalmente as distribuidoras [de energia].

Shopping centers e empresas de telecomunicação também estão no radar. Todo o setor tem tido uma consolidação, com sinergias. Vemos uma consolidação maior também no setor de shoppings: para nós isso é interessante. Temos outro setores em que estamos mais negativos, mas os principais positivos são commodities, bancos, utilities, telecom e shoppings.

João Noronha, analista de renda variável da gestora global Schroders no Brasil: ajuste da curva de juros de longo prazo pode beneficiar certos setores

Quando que alcançaríamos o pico de inflação?

Conversamos com empresas no mercado e elas estão com mais dificuldade de repassar o custo para o consumidor final, que não está aceitando preços mais elevados. Isso é bem evidente na venda de automóveis, por exemplo, em que os preços subiram 60% e o consumidor reduziu as compras.

Os custos de aluguel e de prédios novos também subiram e os lançamentos não estão sendo vendidos com tanta força como anteriormente. Até em empresas de varejo os aparelhos eletrônicos estão com mais dificuldade. Esse é o propósito do Banco Central: gerar um freio na economia para que a inflação caia.

E os indicadores estão apontando nesse sentido: a inflação vai cair. No curto prazo temos a inflação dos alimentos, cujo aumento é global, mas achamos que isso é temporário. Não tenho uma data exata, mas estamos a um, dois meses de ver o teto [da inflação]. Para muitos indicadores, contudo, o teto já aconteceu e a inflação já está caindo.

E a estratégia de shoppings se beneficiaria dessa queda da inflação, é isso?

O setor de shoppings tem ativos com margens muito altas. É uma receita bastante estável, porque a maioria vem de rendas fixas, das lojas [com aluguel do ponto], o que torna o principal impacto nos valuations a taxa de desconto [a partir dos juros futuros]. Além disso, eles têm bastante dívida e, no curto prazo, há uma pressão nos lucros por causa da taxa de juros elevada.

Se começarmos a ver uma redução da pressão na parte longa da curva de juros, com expectativas de inflação ancoradas e uma clareza em termos fiscais do novo governo, aí poderíamos ver uma re-valuation desse tipo de ativo. Além disso, se enxergarmos no próximo ano uma redução nos juros de curto prazo, na Selic, os shoppings têm bastante alavancagem e começariam a ter uma melhora no lucro líquido também.

Vale citar ainda a consolidação do setor, porque o custo de reposição hoje é alto. Ninguém está lançando novos shoppings. De fato, os shoppings estão começando a se consolidar e isso gera sinergias, poder de barganha contra as lojas e redução de custos.

A eleição presidencial preocupa a alocação no Brasil?

Nós investimos no Brasil há diversos ciclos eleitorais e sabemos que uma coisa é garantida: haverá volatilidade. Estamos começando a entrar hoje em um período eleitoral com um mercado já precificando muito estresse, volatilidade e potenciais eventos negativos nessa briga política.

Nós, que temos foco na gestão de risco, podemos aceitar volatilidade. O problema são valuations muito elevados, em que é possível ter perda de capital. Mas, em termos de risco, de valuation hoje, o risco é baixo, bastante precificado.

Quando analisamos os valuations das estatais, como Petrobras e Banco do Brasil, eles estão em níveis de estresse apresentados em 2015 e 2016, em um período de alta volatilidade política e alavancagem muito alta. Hoje, olhamos que o risco em termos financeiros é bem reduzido e que o balanço de muitas estatais, incluindo o da Petrobras e a capitalização do Banco do Brasil, são bem fortes.

E os valuations estão gerando menos estresse. Para nós isso é um sinal de que o risco está precificado no mercado. Vamos tentar nos beneficiar dessa volatilidade se oportunidades forem geradas, mas o “starting point” é bastante favorável para quem está investindo hoje.

Vocês estão aproveitando pechinchas na Bolsa?

Olhamos muitos IPOs [ofertas públicas iniciais de ações, na sigla em inglês] nos últimos dois anos e agora temos visto uma queda bem relevante na valorização de muitas dessas empresas. Uma parte [da explicação] é técnica: são resgates de fundos locais que precisam vender. Mas também tem um excesso em termos de valuations em algumas dessas empresas que tinham pares globais e que hoje estão tendo um de-rating, como o setor de tecnologia, por exemplo.

Portanto apesar de uma queda bem relevante em small e mid caps [empresas de pequena e média capitalização], achamos que hoje as oportunidades estão em empresas mais tradicionais, mais estabelecidas, com balanços e históricos mais fortes.

Ou seja, mesmo que apareçam oportunidades, de empresas que caíram muito, como 70% ou 80%, elas podem ainda estar caras, pois seguem com riscos. Por isso, não basta olhar somente o nível de perdas que alguns papéis tiveram, porque o starting point estava talvez errado.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.