Como a cúpula tucana inviabilizou a candidatura de João Doria

Ex-governador crê que foi estimulado a renunciar ao governo de São Paulo para depois ser abandonado pelo PSDB na disputa presidencial

João Doria venceu as prévias do PSDB para a candidatura a presidente em 2022, mas não levou o apoio do partido
23 de Maio, 2022 | 07:58 PM

Bloomberg Línea — O colapso da candidatura presidencial de João Doria (PSDB) tem alguns ingredientes de romance: traição, ressentimento, vingança e interesse. Com ascensão meteórica na política, elegendo-se prefeito de São Paulo em 2016, governador do Estado em 2018 e buscando a Presidência da República em 2002, Doria colecionou inimigos dentro do partido por causa do estilo “trator” de se impor.

Além disso, a pressão foi amplificada por bases do partido pelo país que preferem ver os recursos do fundo eleitoral destinados às candidaturas a deputado e senador, em vez de apostar em uma eleição presidencial com poucas chances de êxito. O PSDB tem direito a R$ 316 milhões do fundão nesta eleição.

Com a desistência de Doria, o PSDB não terá candidato próprio ao Palácio do Planalto pela primeira vez desde 1989, quando as eleições diretas para presidente foram restabelecidas no Brasil. Trata-se do maior viés de baixa vivido pelo partido desde a sua fundação no final dos anos 1980.

Entre 1994 e 2014, os tucanos protagonizaram duas décadas de antagonismo ao PT, tendo vencido duas vezes no primeiro turno – com FHC em 1994 e 1998 – e chegado ao segundo turno com José Serra (2002 e 2010), Geraldo Alckmin (2006) e Aécio Neves (2014). Em 2018, Alckmin teve o pior desempenho da história do partido em eleição presidencial, obtendo somente 5% dos votos válidos. Em 2022, com Doria patinando entre 2% e 4% nas pesquisas, o PSDB não terá sequer um nome na urna.

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Quando disse nesta segunda-feira (23) que não era a “escolha da cúpula do PSDB” em seu discurso de desistência, o ex-governador passou um recado a Bruno Araújo, presidente do partido, a quem aliados de Doria responsabilizam por tê-lo estimulado a renunciar ao governo do Estado para depois abandoná-lo.

Em março, quando o derrotado nas prévias tucanas, Eduardo Leite, anunciou a renúncia ao governo do Rio Grande do Sul para continuar tentando se viabilizar como candidato a presidente, Doria ameaçou desistir da renúncia ao governo de São Paulo. Isso impediria Rodrigo Garcia de herdar o posto.

Naquele momento, Bruno Araújo divulgou uma carta afirmando que Doria era a única escolha do PSDB para a Presidência e o então governador, crendo na vitória política (no caso, para ser candidato do partido), renunciou ao cargo, abrindo o Palácio dos Bandeirantes para o vice.

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Só que a carta do presidente do PSDB perdeu o valor de face logo depois. Tucanos passaram a negociar abertamente com outros nomes da terceira via, e entrevistas de Rodrigo Garcia defendendo a união do PSDB com MDB e Cidadania em torno de alguma candidatura foram vistas como um gesto para rifar a pretensão de Doria.

Aliados de Bruno Araújo negam que tenha havido uma trama e afirmam que o próprio Doria aceitou um acordo para definir uma candidatura única com MDB e Cidadania com base em pesquisas. Para aliados de Doria, houve uma operação para dar o governo de São Paulo a Rodrigo Garcia e depois abandonar o candidato próprio.

Segundo pessoas do entorno de Doria, ele não cogita uma virtual vaga de vice na candidatura de Simone Tebet.

HISTÓRICO DE CONFLITOS: Doria acumulou inimigos internos no partido. Na prévia para prefeitura em 2015, com o apoio do então governador Geraldo Alckmin, Doria venceu um processo tão traumático que nomes tradicionais do PSDB em São Paulo, como Andrea Matarazzo, deixaram o partido. Já na prefeitura, xingou de desocupado outro tucano histórico, o governador em exercício Alberto Goldman.

Quando veio a público o aúdio em que Aécio Neves pedia R$ 2 milhões a Joesley Batista, da JBS, em 2017, Doria foi o primeiro a defender que o PSDB o defenestrasse. Não conseguiu: Aécio foi preso preventivamente, deixou a presidência da legenda, perdeu capital político, mas sobreviveu com relativa força dentro da máquina do partido. A mágoa do mineiro ficou fermentando.

Em 2018, com Alckmin patinando nas pesquisas, o então candidato a governador passou a deixar-se fotografar ao lado de eleitores de Bolsonaro na reta final do primeiro turno, estimulando assim o chamado voto Bolsodoria. (A bem da verdade, já havia precedente no PSDB com o voto Lulécio em 2006, com Aécio para governador de Minas e Lula para a reeleição.)

Normalmente contido e cerebral, o ex-governador Alckmin chamou Doria de “traidor” e de “falso” em uma reunião em Brasília, logo depois do segundo turno de 2018. Alckmin, que num plot twist da política será o vice de Lula, só anunciou que deixaria o PSDB no ano passado depois de usar sua influência para obter votos de delegados paulistas contra Doria.

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O episódio da desistência de Doria agora, após renunciar ao governo de São Paulo, é uma atualização de uma piada contada por tucanos veteranos do governo FHC sobre seu próprio partido: o PSDB é um clube de amigos, só que formado por inimigos.

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.