Rússia: Presidente do BC tentou renunciar após invasão à Ucrânia

Fontes disseram que sua saída agora seria vista como uma traição ao presidente, com quem trabalha há quase duas décadas.

Elvira Nabiullina
Por Bloomberg News
23 de Março, 2022 | 03:49 PM

Bloomberg — A altamente respeitada chefe do Banco Central da Rússia, Elvira Nabiullina, tentou renunciar ao cargo depois que Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia, em fevereiro - mas foi informada pelo presidente russo que deverá permanecer no cargo, segundo quatro pessoas com conhecimento das discussões.

Nomeada para um novo mandato de cinco anos na semana passada, Nabiullina foi designada para gerenciar as consequências de uma guerra que rapidamente desfez muito do que ela mesma realizou nos últimos nove anos, desde que assumiu o cargo. Fontes disseram que sua saída agora seria vista como uma traição ao presidente, com quem trabalha há quase duas décadas.

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Nabiullina, 58, não comentou publicamente sobre sua recondução e não respondeu às perguntas da Bloomberg. Porta-vozes do BC e do Kremlin também não responderam aos pedidos de comentários.

Apenas um alto funcionário russo se demitiu por causa da guerra, o assessor de Clima da Presidência da Rússia, Anatoly Chubais, que renunciou ao cargo nesta semana e deixou também o país, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.

Nabiullina, favorecida por investidores e aclamada por publicações como Euromoney e The Banker como uma das melhores formuladoras de política monetária do mundo, agora enfrenta uma economia de guerra isolada por sanções internacionais e carente de investimentos à medida que as empresas estrangeiras saem do país.

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Com o rublo (RUB) despencando diante das sanções dos EUA e seus aliados após a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro, Nabiullina mais que dobrou a taxa de juros e impôs controles de capital para estancar a saída de dinheiro da Rússia.

O BC russo disse ter desistido de intervenções para defender o rublo depois que as restrições internacionais congelaram mais da metade de suas reservas, equivalentes a US$ 643 bilhões.

“Enquanto houver uma escalada, o banco central só pode se adaptar aos choques”, disse Oleg Vyugin, ex-funcionário do Banco da Rússia que conhece Nabiullina há mais de 20 anos.

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Desesperança

Alguns funcionários do Banco Central descrevem um estado de desesperança nas semanas desde a invasão da Ucrânia, sentindo-se presos em uma instituição que eles temem que terá pouco uso para suas habilidades e experiências voltadas para o mercado, já que a Rússia está isolada do mundo.

A certo ponto, o ritmo de saída foi tão intenso que o departamento de TI não teve braço para encerrar as contas. Outros departamentos também se curvaram diante de uma carga de trabalho mais pesada do que o normal, até que viram uma enxurrada de novos currículos chegarem dos bancos alvo de sanções.

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Antes da invasão, as autoridades modelaram cenários que incluíam um possível corte do SWIFT, que conecta instituições financeiras pelo mundo e possibilita o envio e o recebimento de dinheiro. Porém, as sanções às reservas do BC foram consideradas muito extremas e nada além de hipotéticas, segundo fontes.

Nabiullina manteve as taxas elevadas por anos para conter os preços, mas o choque inflacionário inevitavelmente se aproxima

Putin disse no início deste mês estar confiante de que a Rússia vai superar as atuais dificuldades econômicas e emergir mais independente. Comparando a atual onda de restrições às impostas à URSS durante a Guerra Fria, “a União Soviética viveu sob sanções, desenvolveu e alcançou sucessos colossais”, disse Putin.

Em uma breve declaração na sexta-feira passada, depois de decidir manter as taxas perto de uma alta de duas décadas de 20%, Nabiullina adiou o cumprimento da meta de inflação de 4% até 2024 e alertou que a economia está caminhando para contração e agitação sem um fim claro à vista.

Em uma ruptura com a tradição recente, ela não respondeu a perguntas após a reunião sobre a taxa de juros. Economistas preveem uma queda de dois dígitos na produção russa neste ano, enquanto o colapso do rublo e a escassez de mercadorias podem desencadear uma inflação de até 25%, um nível não visto na Rússia desde o calote do governo, em 1998.

O valor do rublo flutuou ao longo dos anos de Nabiullina como chefe do BC da Rússia

Em um vídeo para a equipe da autarquia em 2 de março, Nabiullina deu a entender a agitação interna, pedindo que funcionários evitem “debates políticos que apenas queimam nossa energia” e que “precisamos fazer nosso trabalho”.

Descrevendo uma situação econômica que ela chamou de “extrema”, a chefe da autarquia disse que “todos nós gostaríamos que isso não acontecesse”.

Até agora, a crise que se seguiu à anexação da Crimeia por Putin em 2014 foi o maior teste da coragem das políticas de Nabiullina. À época, ela lutou contra os controles de capital - conselho que foi seguido por Putin - e libertou o rublo, mudando as metas de inflação mais cedo do que o planejado.

Reservas Congeladas

Sob sua administração, o Banco Central da Rússia acumulou um dos maiores estoques mundiais de moeda estrangeira, reprimiu credores considerados mal administrados ou subcapitalizados e trouxe a inflação para o nível mais baixo da história pós-soviética do país.

“Quando Nabiullina entrou, ninguém achava que ela seria capaz de estabilizar a inflação”, lembra Natalia Orlova, economista do Alfa-Bank. “Ela trouxe a autarquia para padrões absolutamente internacionais”, disse.

A chefe do Banco Central Europeu, BCE, Christine Lagarde, então responsável pelo Fundo Monetário Internacional, FMI, disse em 2018 que suas qualidades se comparam às de um grande maestro - Lagarde, aliás, é grande fã de ópera.

Investidores estrangeiros despejaram bilhões em dívidas russas. Putin confiou nela, ouviu sua opinião e defendeu suas políticas de restrição de dinheiro na frente de outros funcionários do governo. Mas muito de seu legado foi desfeito em questão de horas depois que as recentes sanções sitiaram a economia da Rússia.

O caminho a seguir é menos óbvio do que em crises passadas. Um aumento de taxas e restrições às transações em moeda estrangeira, por enquanto, reprimiram os problemas no setor bancário, com os mercados russos vendo apenas uma reabertura gradual. Mas, enquanto isso, a ameaça de inadimplência persegue o governo e as empresas.

“Não há esperança de que o Banco Central retorne às suas velhas políticas”, disse Sergei Guriev, professor de economia da Sciences Po Paris.

Guriev, que fugiu para Paris em 2013 e atuou como economista-chefe do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, conhece Nabiullina há cerca de 15 anos.

“Ela não se inscreveu para trabalhar em tempo de guerra”, disse ele. “Ela não é o tipo de pessoa que pode trabalhar com mercados financeiros fechados e sanções catastróficas”, completou.

– Esta notícia foi traduzida por Melina Flynn, content producer da Bloomberg Línea.

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