Venezuela: Após colapso de 99,9%, bolívar se estabiliza no ‘fundo do poço’

Alta demanda por petróleo, aumento na exportação e queda na importação ajudaram a impulsionar moeda

Inflação, mesmo em queda, continua sendo uma das mais altas do mundo, o que acabará pressionando a moeda
Por Nicolle Yapur - Fabiola Zerpa
01 de Fevereiro, 2022 | 04:38 PM

Bloomberg — O bolívar venezuelano, após anos de quedas implacáveis e excruciantes que o deixaram quase sem valor e levaram milhões à pobreza, parece ter finalmente atingido o fundo do poço.

Nos últimos quatro meses, a moeda foi negociada em torno de 4,50 em relação ao dólar, uma estabilidade recém-descoberta que veio sem necessidade de apoio das autoridades monetárias.

É um momento que, por vezes, pareceu nunca chegar, pois a inflação saiu do controle, o governo cortou zeros do bolívar (seis zeros foram cortados apenas em outubro) e a economia mergulhou ainda mais no caos. Contudo, vários elementos combinados impediram o colapso, pelo menos por enquanto.

  • A começar pelo petróleo, que gera cada vez mais divisas no país à medida que os preços internacionais disparam e a produção local aumenta após uma década de declínio;
  • A mineração de ouro também trouxe alguns dólares;
  • assim como algumas pequenas indústrias de exportação que surgiram nos últimos anos, mas estão crescendo (como a criação de camarão, a fabricação de rum e o plantio de cacau).

Por outro lado, o regime socialista, para surpresa de muitos, adotou uma abordagem amplamente ortodoxa para conter os gastos fiscais e liberar uma economia que há muito estava restrita pelos controles do governo e sua burocracia. Em 2021, a economia expandiu pela primeira vez em sete anos.

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Para muitos venezuelanos, a estabilização da moeda veio tarde demais.

Enquanto milhões fugiram do país, muitos outros ficaram e desistiram do bolívar, adotando o dólar como moeda. Eles recebem seus salários e pagam quase tudo em dólares. Mas muitos dos venezuelanos mais pobres continuam sendo pagos em bolívares e, para eles, a força da moeda ajudou a preservar o pouco poder de compra que lhes resta. A inflação em bolívares desacelerou para um ritmo anual de 53% nos últimos três meses, bem abaixo dos 1.000% dos últimos anos, segundo índice da Bloomberg.

Mesmo os economistas locais, acostumados a ver o governo do presidente Nicolás Maduro cometer um erro político atrás do outro, reconhecem que desta vez tudo está um pouco diferente. Asdrúbal Oliveros, que dirige a empresa de análise financeira Ecoanalítica, diz que o bolívar começará a cair em relação ao dólar em algum momento, mas não haverá uma desvalorização como a que atingiu a economia repetidamente nos últimos anos.

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Considerando que boa parte da economia agora é em dólares, Oliveros acredita que o foco excessivo do governo no bolívar é equivocado, mas, segundo ele, “não chamaria isso de uma política artificial. É real”.

Ela é real pois o banco central conseguiu orquestrar essa estabilidade sem ter que recorrer às reservas cambiais já esgotadas. O aumento das exportações ofereceu à instituição divisas suficientes para atender à demanda dos bancos. No ano passado, o banco central vendeu cerca de US$ 1,5 bilhão e euros no mercado de câmbio, segundo documentos do governo consultados pela Bloomberg. Enquanto isso, as reservas permaneceram estáveis em torno de US$ 6 bilhões, após dedução dos fundos do FMI aos quais o governo não tem acesso.

Banco central da Venezuela não aumentou a venda de divisas em 2022dfd

Riscos elevados

Por enquanto, a política parece sustentável. As empresas estatais venderam cerca de US$ 3,3 bilhões ao banco central em 2021, em comparação com apenas US$ 743 milhões em 2020, segundo dados do governo compartilhados durante uma chamada com investidores no mês passado e obtidos pela Bloomberg.

Mesmo assim, os riscos são muitos. As entradas da produção de petróleo e outras exportações devem permanecer altas se o banco central quiser manter as vendas.

E a inflação, mesmo em queda, continua sendo uma das mais altas do mundo, o que acabará pressionando a moeda.

Tamara Herrera, economista da Síntesis Financiera, com sede em Caracas, enxerga alguns riscos em confiar que o bolívar continuará estável no longo prazo, principalmente quando os preços e a produção do petróleo flutuarem. “A probabilidade de o câmbio permanecer estável este ano é relativamente alta”, disse. “Mas isso é uma simplificação dos fatores imponderáveis da atividade petrolífera”.

Há outro fator que ajuda a explicar a estabilidade do bolívar: o colapso da demanda por importações. Hoje, a Venezuela é muito pobre e o bolívar muito fraco para comprar muito no exterior. As importações totalizaram menos de US$ 8 bilhões em 2021. Há dez anos, o valor era de US$ 53 bilhões.

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--Esta notícia foi traduzida por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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