Bloomberg Opinion — A premissa de que o dólar é o porto seguro do mundo é uma constante neste mundo em constante mudança.
Neste ano, isso ficou ainda mais claro. O Índice Dólar (DXY), que afere o valor do dólar em relação às principais moedas do mundo, está em seu valor máximo desde julho de 2020 e parece estar prestes a subir ainda mais, alimentado por uma inflação extremamente alta nos Estados Unidos e uma economia em recuperação.
Ambos aumentam a pressão sobre o Federal Reserve (banco central dos EUA) para antecipar os aumentos das taxas de juros, aumentando, por sua vez, a atratividade relativa do dólar.
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A regra básica do mercado de câmbio com um dólar mais forte é que isso prejudica as economias – principalmente mercados emergentes frágeis – que dependem de importações de commodities precificadas em dólar.
O outro lado é que as economias exportadoras de commodities e hidrocarbonetos aproveitam um câmbio favorável. Mas grandes potências exportadoras, como a União Europeia e o Japão, também se beneficiam quando suas moedas são relativamente mais baratas que o dólar. O Banco Central Europeu certamente não está reclamando da fraqueza lenta e constante do euro enquanto tenta se recuperar da pandemia.
Para a economia dos EUA, a coisa é um pouco mais complexa: apesar de um enorme déficit comercial, o impacto econômico é de certa forma compensado pelo fato de o dólar ser a moeda de reserva mundial. O Fed evita emitir qualquer opinião sobre o valor do dólar ao definir a política de taxas de juros. No entanto, sua inabalável paciência em manter as taxas de juros perto de zero e ainda comprar dezenas de bilhões de títulos todos os meses parece ser cada vez mais difícil de justificar. Outros relatórios sólidos sobre o mercado de trabalho podem mudar o cenário.
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Mas nada nesta vida é simples. Portanto, o Fed acaba ficando em cima do mudo entre não reverter as taxas baixas tarde demais e então ter de exagerar nos aumentos para reprimir a inflação – ou, de fato, retirar o estímulo de forma muito acentuada e causar uma repetição das crises de 2013 e 2018.
O ex-presidente do Fed, Bill Dudley, acredita que o Fed passou da hora de reverter as taxas e está entre a cruz e a espada, mas o rendimento de 1,6% dos títulos de 10 anos do Tesouro dos EUA mostra que o mercado de títulos ainda acredita nas habilidades do banco central.
O recente aumento do índice de preços ao consumidor de 6,2% é um perigo claro e presente: se essa inflação monstruosa persistir, isso apenas acelerará a conclusão da facilitação quantitativa do Comitê Federal de Mercado Aberto dos EUA.
O Payroll de outubro (exceto no setor de agropecuária) mais forte que o esperado favorece a premissa de que a economia está se recuperando mais rapidamente da pandemia, alimentada por ainda mais programas de estímulo fiscal de trilhões de dólares e um balanço do Fed que se aproxima rapidamente dos US$ 9 trilhões. Não é difícil concluir que isso poderá adiantar o primeiro aumento nas taxas.
Rendimentos mais altos tornarão o dólar mais atrativo. O aumento da incerteza global apenas acelera o processo. O crescimento dos EUA não precisa ser o melhor do mundo, apenas ficar entre os melhores. Seu tamanho por si só vai impulsionar muito o dólar.
Isso não significa que o dólar está barato. Pode ser frustrante ver as coisas ficando mais caras, mas a melhoria das condições econômicas e ainda mais estímulos fiscais significa que há outros motivos para evitar os rendimentos insignificantes da Europa e do Japão e priorizar o EUA.
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Nenhum exame do dólar está completo sem referências à China. O yuan se fortaleceu de forma constante em relação ao dólar nos últimos 18 meses. As exportações chinesas aumentaram de forma impressionante, mas o quadro econômico geral é de um crescimento enfraquecido. Portanto, não tenha a ilusão de que a força do yuan é mais que uma questão cuidadosamente controlada.
Pequim foca na tarefa árdua de impulsionar a demanda do consumidor doméstico e, ao mesmo tempo, limitar os danos de uma explosão de crédito em seu mercado imobiliário descontrolado. Um yuan forte também tem o benefício de diminuir o impacto dos preços mais altos das commodities sobre seus produtores, além de reduzir o custo de estocar recursos básicos.
Para mitigar parte do impacto de ultrapassar o dólar mais forte, a China tem reduzido constantemente a participação do dólar na cesta de moedas que usa para definir a taxa de referência diária do yuan. Além disso, tem permitido que muito mais capital estrangeiro seja investido em seus mercados domésticos de ações e títulos. Investidores estrangeiros detêm 2,3 trilhões de yuans (US$ 360 bilhões) em títulos do governo chinês, atraídos por rendimentos substancialmente mais elevados.
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Para fundos do mercado de ações, é uma chance de obter uma exposição mais ampla à segunda maior economia do mundo. Mas, em algum momento, as autoridades chinesas decidirão que o sustento de sua moeda cumpriu seu papel e o yuan poderá se enfraquecer naturalmente – adicionando outro motivo de médio prazo para detenção de dólar. Uma moeda com controle de capital é para quem tem coragem.
Ainda é muito difícil superar o apelo atual do dólar, com o índice S&P 500 batendo cada vez mais recordes. Uma economia em expansão, o mercado de ações impulsionado pelo FOMO (fear of missing out, em inglês, ou o medo de perder uma boa oportunidade, em tradução livre) e a perspectiva de aumentos das taxas em breve tornam a moeda dos EUA uma boa saída para se livrar dos problemas ao redor do mundo. Também ajuda o fato de o Fed não estar mais apoiando a economia global inundando o mundo com dólares, como fez no auge da pandemia. Por enquanto, é uma aposta certeira, pelo menos até a próxima desaceleração liderada pelos EUA ou algum erro do Fed.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Marcus Ashworth é colunista da Bloomberg Opinion que cobre os mercados europeus. Passou três décadas no setor bancário, mais recentemente como diretor de estratégia de mercado na Haitong Securities em Londres.
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