Sua ambição é um “capitalismo extravagante, extremo” e até mesmo “extraterrestre, impulsionado por fantasias que vêm da ficção científica"
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Bloomberg — De onde Elon Musk tira suas ideias? O que ele está tentando alcançar e quem ele deseja ser? Muitos de nós estamos desesperados para entender o homem mais rico do mundo, dono da fabricante de veículos elétricos Tesla, que, de acordo com o mercado de ações, vale hoje um trilhão de dólares. Jill Lepore, historiadora da Universidade de Harvard, sugere que Musk tenha sido moldado por seu amor pela ficção científica na adolescência e pela política estranha e obcecada pela ciência de seu avô canadense.

Joshua Haldeman era um personagem extravagante. Formado como quiroprata, ele se apresentou em rodeios e buscava aventuras como piloto e arqueólogo amador. Depois de emigrar para a África do Sul com sua família, ele liderou uma série de expedições para encontrar a mítica cidade perdida do Kalahari. Ele morreu em 1974, quando Elon ainda era pequeno, mas uma foto mostra que avô e neto têm uma semelhança singular.

Na década de 1930, Haldeman liderou o braço canadense do movimento da Tecnocracia, quando o significado de “tecnocrata” era algo muito diferente de um político centrista moderado. Na época, foi um movimento uniformizado que marchou sob o símbolo da Mônada, ou yin e yang, com o objetivo de substituir a democracia por uma sociedade liderada por engenheiros. De acordo com Lepore, a política de Haldeman pode ter sido sua principal herança para seu neto.

Acreditando que a ciência e a tecnologia poderiam ser a cura para todos os males, Haldeman fez campanha para que a infraestrutura monetária capitalista fosse substituída por uma nova moeda universal, baseada em uma unidade de energia, conhecida como erg. Os tecnocratas queriam até mesmo o fim dos preços, com base na visão de que os cientistas poderiam administrar a distribuição de renda na sociedade muito melhor do que o mercado.

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Tais conceitos pareciam perigosos para o governo canadense, que proibiu o movimento por sua oposição à Segunda Guerra Mundial. O sistema de crenças desapareceu com o crescimento da prosperidade após a guerra. Mas ideias semelhantes estão inspirando o atual entusiasmo sobre meme stocks, criptomoedas e o homem que agora se autodenomina “Technoking” (ou “Tecno-rei”, numa tradução livre).

Para Lepore, a ideologia de Musk parece ser proveniente dessas visões estranhas - e antiquadas. Nas palavras dela, sua ambição é um “capitalismo extravagante, extremo” e até mesmo “extraterrestre, impulsionado por fantasias que vêm da ficção científica”.

Em uma nova série de podcast, “The Evening Rocket”, produzida pela Pushkin Industries em colaboração com a BBC, que é lançada hoje nos Estados Unidos, Lepore oferece sua teoria de que Musk é uma criatura criada a partir da ficção científica que ele devorou em sua juventude, que, em grande parte, reflete a filosofia tecnocrática de seu avô. Foi daí que ele herdou seu dom de contar histórias. Quando os investidores compram ações da Tesla, estão comprando uma narrativa, não uma fonte de fluxo de caixa para o futuro. Essa narrativa se parece muito com a ficção científica de meados do século passado.

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O que Lepore acha perturbador é que Musk parece ter interpretado mal a ficção científica que ele lia, algo que ela acredita que deve preocupar a todos nós. “Muito do que parece ter servido de inspiração para ele como se fosse utópico”, disse ela em uma entrevista, “era na verdade distópico”.

Grande parte da ficção científica de meados do século foi concebida como um aviso de como a ciência poderia chegar a dominar nossas vidas. Mas o jovem Elon Musk, diz Lepore, em vez disso, achou o futuro distópico animador. Isso é o que inspira sua empresa SpaceX e sua missão de colonizar Marte.

Lepore argumenta que a popularidade atual de Musk e suas idéias, desde a colonização do espaço até a criptomoeda, pode ser um sintoma de uma sociedade prejudicada.

A pressa em comprar meme stocks, como GameStop e AMC, no início deste ano foi vista por seus compradores como um golpe pela igualdade e contra as elites. Chamando a si mesmos de “macacos”, os jovens corretores, que tentaram derrubar a força os hedge funds de vendas a descoberto, agiram como num flash mob, repentina e instantaneamente. Muitos deles perderam dinheiro posteriormente. As criptomoedas, que enriqueceram ainda mais muitas pessoas que já eram ricas, também são vistas por seus defensores como um grande nivelador econômico. O Bitcoin, esperam seus apoiadores, não apenas irá nos emancipar do controle dos bancos sobre o sistema financeiro, mas também vai esfacelar o controle dos governos - mesmo que tenham sido eleitos democraticamente.

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A ficção científica de meados do século muitas vezes trazia uma mensagem libertária, e hoje essa filosofia tem muitos adeptos no Vale do Silício e na comunidade de hedge funds. Mas Lepore sugere que, com Musk “o Technoking”, algo diferente está acontecendo. A atitude dos entusiastas das criptomoedas em relação ao dinheiro se alinha diretamente com a desconfiança e o feudalismo da Idade Média, quando as pessoas mais ricas detinham o poder e a confiança era investida em indivíduos, não em sistemas e instituições. Na verdade, a campanha para comprar meme stocks foi muito parecida com uma revolta de camponeses medievais. O futurismo de Musk, na visão da historiadora, reflete uma visão antiquada do futuro.

O programa “The Evening Rocket” é um passeio emocionante pela cultura pop, pela tecnologia e por séculos de história, e traz uma perspectiva sobre Musk que não é tão óbvia. Suas ideias, Lepore conclui, nasceram em uma época de imperialismo e desigualdade.

É uma visão pessimista de uma figura que atualmente inspira muita esperança para muita gente, mas é uma perspectiva que deve ser levada a sério. Lepore, pelo menos, nos oferece o ponto de vista de que seja qual for o caminho que a história de Elon Musk vai tomar a partir daqui, será um espetáculo a ser visto. “Não vamos ler seu obituário em 50 anos e nos perguntar o que aconteceu com ele. Será um desfecho hollywoodiano de grande orçamento. "

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John Authers é editor sênior para mercados. Antes da Bloomberg, passou 29 no Financial Times, onde foi chefe da Lex Column e comentador-chefe de mercados. Ele é autor de “The Fearful Rise of Markets” e outras obras.

Os editoriais são escritos pela diretoria editorial da Bloomberg Opinion

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.


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