Frete marítimo deve normalizar em 2022, diz CEO da Maersk para AL

Em entrevista à Bloomberg Línea, executivo holandês Robbert van Trooijen afirma que “não se constrói um navio em dois meses”

Maersk, empresa dinamarquesa de transporte de contêineres, diz que a explosão da demanda e a falta de investimentos em novos navios no ano passado provocaram a escassez de contêineres
06 de Outubro, 2021 | 05:41 PM

São Paulo — A Maersk, gigante dinamarquesa de transporte de contêineres, espera que, no começo de 2022, os problemas de escassez de navios usados na cadeia logística global, hoje um dos principais gargalos dos setores agrícola e industrial devido à demora nas entregas e ao reajuste do frete marítimo, estejam mais próximos de uma solução.

“Em termos de nível de frete, achamos que vai se normalizar no começo do ano que vem. Só não sabemos em que nível vai normalizar. Não temos navios novos saindo do estaleiro neste momento. O tempo de construção de navios demora 1, 2 anos, entre o momento da encomenda até a embarcação estar pronta para navegar”, diz Robbert van Trooijen, CEO da Maersk para a América Latina e Caribe, em entrevista à Bloomberg Línea.

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Ao explicar a atual crise da logística mundial, o executivo holandês remete ao primeiro ano da pandemia da Covid-19, quando os principais polos industriais da China foram obrigados a reduzir ou interromper a produção devido à falta de mão-de-obra, já que muitos trabalhadores viajaram para o exterior por conta do feriado do Ano Novo Chinês, em janeiro do ano passado, e ficaram impedidos de voltar ao país.

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Houve uma tentativa de deslocar parte da produção chinesa para o Vietnã, país vizinho, mas foi insuficiente para contornar o problema, lembra Van Trooijen. A crise sanitária mundial, com fechamento de fronteiras e ordens de confinamento, derrubou a demanda global por produtos. O terceiro trimestre do ano passado foi o mais afetado. O executivo cita que o volume exportado pela Ásia chegou a cair quase 20%.

“A China está se recuperando. Hoje há uma explosão de demanda, mas a capacidade dos navios, dos contêineres, dos armazéns, de toda a cadeia de logística continua igual quando comparada com a de 2019. Obviamente com a falta de demanda, não houve tanto investimento em capacidade adicional naquela época. Normalmente o setor como um todo investe todo o ano, mas não houve investimento durante a pandemia em capacidade nova. Esse investimento está sendo feito agora e vai tomar um tempo para se materializar, pois um navio não se constrói em dois meses”, afirma o CEO.

Contratos

O Brasil e o restante da América Latina sentem essa menor disponibilidade de navios porta-contêineres e o consequente aumento do frete marítimo, mas o executivo da Maersk acrescenta que essa menor capacidade também afeta os armazéns, o transporte ferroviário e rodoviário. “A cadeia logística como um todo está estressada por causa disso”, resume.

O ritmo da retomada da economia global, após o avanço das campanhas de vacinação e a reabertura dos países, ainda gera dúvidas. “Muitos clientes, muitas empresas, estão tendo dificuldades de prever como a demanda vai se mover durante o próximo tempo. Além da falta de capacidade, há a imprevisibilidade da demanda”, observa Van Trooijen, acrescentando não saber em que nível os preços dos fretes marítimos vão se estabilizar (“É uma pergunta do mercado que não posso responder”).

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O CEO da Maersk para América Latina e Caribe faz uma ressalva sobre o debate da escassez de navios e de contêineres, que tem gerado queixas públicas de algumas empresas sobre os reajustes dos preços do frete marítimo. “Nossos contratos são de longo prazo, de dois, três anos. Nossos clientes não pagam esses valores que são divulgados, que são de preços de curto prazo, do mercado spot”.

Em entrevista à Bloomberg Línea, no último dia 28 de setembro, o presidente da Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), Synésio Batista da Costa, reclamou, sem especificar a armadora, que o frete de contêiner saltou de US$ 4 mil para US$ 17 mil.

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E-commerce

Além dos setores tradicionais, ligados ao setor industrial, às commodities agrícolas, metálicas e de energia (petróleo e gás), o comércio eletrônico tem contribuído também para o aumento da demanda por navios porta-contêineres devido à expansão do mercado digital no contexto da pandemia. “A demanda do e-commerce está crescendo”, diz Van Trooijen.

Atenta ao potencial de expansão dos players do comércio eletrônico, a Maersk tem apostado na sua transformação digital em um setor ainda bastante fragmentado com operadores independentes que controlam parte da cadeia logística em processos ainda manuais ou pouco digitalizados. “Estamos comprando empresas de logística que atendam o e-commerce. Temos planos de servir esse mercado também”, revela o CEO do grupo dinamarquês para América Latina, em referência a aquisições recentes nos EUA e na Europa.

Um das apostas do grupo nesse segmento é o NeoNav, uma solução digital que usa inteligência artificial para auxiliar grandes empresas a otimizar suas cadeias de suprimentos, cortar custos e gerenciar melhor os estoques. “É um produto novo que está ajudando nossos clientes a controlar o fluxo de carga deles de maneira digital”, afirma o CEO, acrescentando que está fechando negociações com vários clientes no Brasil e na América Latina.

Portos brasileiros

Quanto aos portos brasileiros, cujos terminais estão sendo leiloados para a iniciativa privada em contratos de concessão, o CEO da Maersk para a América Latina diz que qualquer investimento em infraestutura portuária é bem-vinda e que a privatização dos portos tende a melhorar os serviços para os clientes.

“O Brasil continua sofrendo um pouco com a falta de investimentos no setor portuário. Achamos que mais leilões e investimentos privados devem beneficiar o cliente final no Brasil, mas devemos lembrar que o porto é apenas uma etapa da infraestrutura logística da cadeia de suprimentos”.

Ele cita que a empresa irmã da Maersk, a APM Terminal, é um importante operador no Brasil, é sócia na administração do Porto de Santos (SP), opera o Porto de Itajaí e Itapoá, em Santa Catarina, além de terminais no Nordeste. “Já temos uma presença grande no setor portuário do Brasil e vamos continuar crescendo”.

Ele diz que a companhia se interessa por portos com calado natural profundo, uma vez que os novos navios cresceram, a fim de aumentar a escala e por ser melhor para o meio ambiente.

Maersk prevê descarbonizar sua frota até 2050

Descarbonização

O CEO afirma que o processo de descarbonização do grupo é um projeto de longo prazo. “Nós nos comprometemos a descarbonizar até 2050. Temos uma frota de quase 700 navios operando no mundo. Pela primeira vez, estamos lançando encomenda de navios que são carbono neutro, que usa metanol ou e-metanol como combustível”, afirma Van Trooijen.

Ele justifica a escolha do metanol citando que isso permite operar com navios neutros em termos de carbono. “Muitas armadoras têm investido em LPG [gás liquefeito de petróleo, gás natural], mas não é um combustível de carbono neutro, na verdade. Por isso nossa aposta é no metanol, de preferência o e-metanol. E o Brasil tem um grande papel como fornecedor para o mundo, por ser um grande produtor de combustíveis ambientais”.

Crise hídrica

Já a crise hídrica não afetou ainda a operação do grupo dinamarquês no Brasil. O executivo diz que, além das várias rotas do Brasil para EUA e Ásia, o grupo também atua na cabotagem por meio da Aliança Navegação e Logística, que tem uma frota de 12 navios reservado para o transporte doméstico.

“Por enquanto, a crise energética não afetou nossa operação. Obviamente, temos a baixa do rio Amazonas, onde fazemos cabotagem e tomamos cuidado, mas é um fato histórico, tem todo o ano”.

Ele espera que o grupo feche 2021 com crescimento de faturamento em relação ao ano passado devido aos novos produtos lançados para a cadeia logística brasileira, como o NeoNav.

O executivo vê poucas mudanças no perfil do comércio exterior do país, com embarques concentrados em matérias-primas básicas e importações de produtos industriais acabados, de maior valor agregado.

O Brasil é um país que compra produtos industrializados acabados e exporta mais produtos frigoríficos, como carne e frango refrigerados, agrícolas como algodão e café, além de resinas petroquímicas e minério de ferro”, conclui.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.