A turbulência que se acumula para a economia mundial na reta final de 2021

Alguns economistas e autoridades no assunto alertam para uma somatória de complicações na cadeia logística global, alta da energia e desaceleração na China

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A economia global está entrando no último trimestre de 2021 com um número crescente de ventos “turbulentos”, sob ameaça de desacelerar o ritmo da recuperação da recessão causada pela pandemia, provando que as visões mais otimistas dos formuladores de políticas para conter a inflação estavam de fato erradas.

A variante delta continua a perturbar a segurança da retomada do ensino e do trabalho presencial. Enquanto isso, os legisladores dos Estados Unidos estão discutindo sobre o teto da dívida e os planos de gastos. Já a China atravessa uma crise energética e prepara uma repressão regulatória, enquanto os mercados permanecem tensos quanto ao destino da gigante Evergrande.

Os custos de combustível e alimentos estão disparando em todo o mundo, com portos congestionados e cadeias de suprimentos sob pressão para elevar ainda mais os preços. Para completar, a escassez de mão de obra continua afetando boa parte da indústria.

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Tal cenário alimenta temores de uma mistura de crescimento mais fraco e inflação mais rápida e mais intensa que o esperado, o que também é uma ameaça aos esforços dos bancos centrais para reduzir os estímulos sem abalar os mercados.

“As expectativas de uma saída rápida da pandemia sempre foram equivocadas”, disse Frederic Neumann, codiretor de pesquisa econômica asiática do HSBC Holdings Plc em Hong Kong. “A recuperação total será medida em anos, não em trimestres.”

Uma análise dos principais riscos:

Problemas na China

As dificuldades energéticas da China forçaram as indústrias a restringir suas produções, o que fez com que economistas reduzissem suas previsões de crescimento. A Bloomberg Economics prevê que a falta de energia seja o maior golpe para a expansão do país depois da eclosão da pandemia em Wuhan.

As regiões afetadas pelas restrições representam cerca de dois terços da economia e incluem as cinco principais províncias em termos de PIB - Guangdong, Jiangsu, Shandong, Zhejiang e Henan. Como um sinal do que está por vir, a atividade das fábricas se contraiu em setembro pela primeira vez desde o início da pandemia.

Isso está agravando a crise que envolve Evergrande, a incorporadora mais endividada do mundo, e uma desaceleração mais ampla no importantíssimo setor habitacional. A pressão do presidente Xi Jinping por regulamentações mais rígidas das indústrias, incluindo tecnologia, também perturba os investidores.

Alimentos e energia mais caros

Os problemas de energia da China também correm risco de desencadear um novo aumento nos preços globais da agricultura e dos alimentos, uma vez que isso significa que o país terá uma dura safra de milho, soja, amendoim e algodão. No ano passado, Pequim importou uma quantidade recorde de produtos agrícolas devido à escassez doméstica, levando os preços e os custos globais dos alimentos a níveis máximos em vários anos.

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O índice das Nações Unidas calcula uma alta de 33% nos últimos 12 meses. Ao mesmo tempo, alguns índices de referências de gás, carvão, carbono e eletricidade estão batendo recordes.

O preço do petróleo ultrapassou US$ 80 o barril pela primeira vez em três anos, e o gás natural é chegou a seu maior preço em sete anos, ajudando a empurrar o índice de commodities da Bloomberg para seu nível mais alto em um ano. Na Europa, o CEO da TotalEnergies SE, Patrick Pouyanne, disse que a crise de gás que está afetando o continente provavelmente durará todo o inverno.

E pode piorar ainda mais. Analistas do Bank Of America estão dizendo a seus clientes que há uma chance de o petróleo chegar a US$ 100 o barril.

Suprimentos escassos

Com o inverno do hemisfério norte se aproximando, a variante delta continua sendo outra preocupação.

Isso ajuda a explicar o congestionamento que está se formando nas principais vias do comércio internacional, em portos de Xangai a Los Angeles, e em pátios ferroviários em Chicago e armazéns no Reino Unido.

Bloqueios e engarrafamentos

Grandes varejistas americanos estão fazendo de tudo para garantir que suas prateleiras estejam abastecidas, principalmente diante do tradicional aumento das compras de fim de ano.

Os fabricantes, por sua vez, estão tendo problemas para encontrar seus suprimentos, como semicondutores, produtos químicos e vidro, por exemplo.

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A DP World de Dubai, uma das maiores operadoras portuárias globais, espera que os gargalos que afetam os fluxos de comércio global continuem pelo menos por mais dois anos.

Também há uma escassez de mão de obra em alguns setores, com o relatório da folha de pagamento dos EUA da semana que vem fornecendo uma visão sobre o quanto isso foi um problema para as empresas em setembro.

As políticas

As preocupações também rodeiam a política econômica dos EUA, país esperado como a locomotiva da recuperação global. Enquanto o presidente Joe Biden desvia de uma paralisação do governo federal por meio de um projeto de lei provisório, as negociações de US$ 4 trilhões continuam rondando sua agenda econômica, com profundas divisões entre líderes e representantes.

O acordo sobre a paralisação veio depois que a secretária do Tesouro, Janet Yellen, advertiu que seu departamento ficará sem dinheiro por volta de 18 de outubro, a menos que o Congresso suspenda ou aumente o limite da dívida federal. Não fazer isso desencadearia uma recessão e uma crise, disse Yellen.

Globalmente, o apoio à política fiscal deve desacelerar até 2022, com os governos acumulando suas maiores dívidas desde os anos 1970.

Política monetária

Biden e Yellen também devem decidir se entregam um segundo mandato ao presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, uma decisão que também pode perturbar os mercados.

Para Powell e seus colegas de outros países, a combinação da desaceleração do crescimento e a crescente inflação é um desafio.

Só na última sexta-feira, os mercados receberam as notícias da mais intensa inflação da zona do euro em 13 anos, enquanto um indicador local americano de preços alcançou seu máximo desde 1991.

Por enquanto, Powell e a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, estão expressando um otimismo cauteloso de que a inflação será passageira e vai diminuir. Mas os economistas estão perguntando em que ponto o transitório se torna persistente.

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Isso torna os planos de reduzir as compras de títulos ou aumentar as taxas de juros uma aposta arriscada. Muitos bancos centrais latino-americanos e alguns do leste europeu já aumentaram os custos dos empréstimos. A Noruega acaba de se tornar o primeiro país desenvolvido a fazê-lo e o Fed sinaliza que vai parar seu programa de compra de títulos já em novembro.

O estrategista do Deutsche Bank AG, Jim Reid, avalia que a economia mundial pode estar enfrentando seu período mais agressivo para a política monetária em pelo menos uma década.

“Os bancos centrais estão brincando com fogo diminuindo o ritmo dos estímulos para evitar pressões inflacionárias, sem estar totalmente seguros de onde estamos exatamente neste ciclo”, disse Alicia Garcia Herrero, economista-chefe para a Ásia-Pacífico da Natixis.

© 2021 Bloomberg L.P.

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