Cresce 50% total de empresas à beira do colapso

Número de pedidos de recuperação judicial dispara em agosto, com tendência de alta devido à piora das condições de mercado

Evergrande
20 de Setembro, 2021 | 06:30 PM

São Paulo — Com a piora das condições do mercado neste segundo semestre, o Brasil começou a registrar um número maior de empresas em dificuldades financeiras que pedem socorro na Justiça para evitar um colapso de suas atividades e o consequente decreto de falência, um risco cada vez mais monitorado no mundo nos últimos dias devido aos temores de um efeito dominó decorrente da crise da gigante chinesa Evergrande, segunda maior incorporadora imobiliária da China.

Em agosto, o número de pedidos de recuperação judicial no Brasil cresceu 50% em relação ao mês anterior, segundo dados da Serasa Experian, empresa de análise de informações de crédito.

A tendência é que o número mensal de solicitações desse tipo permaneça na casa dos 100 até o fim do ano, diz o economista da Serasa, Luiz Rabi, em entrevista à Bloomberg Línea. No mês passado, houve 111 pedidos no país, a maior quantidade do ano.

Veja mais: Construtora Gafisa vira alvo de pedido de falência no Rio de Janeiro

PUBLICIDADE

“É muito provável que o número de pedidos de recuperação judicial neste segundo semestre seja maior do que o do primeiro, ficando acima de 100 por mês, até o fim do ano, mas isso não se configura, por enquanto, uma crise de endividamento, de insolvência das empresas brasileiras. Ainda não é nada assustador”, diz Rabi, acrescentando que a inadimplência ainda está sob controle no país: “as empresas atrasam, mas pagam”.

Os pedidos de falências tiveram uma queda leve de 0,50% em agosto, totalizando 95 solicitações ante as 100 registradas em julho. A maioria delas (60) foi feita por micro e pequenas empresas, principalmente do setor de serviços. Segundo o economista da Serasa, a mudança da Lei de Falências na virada do ano fez com que o primeiro semestre de 2021 registrasse números menores de solicitações desse tipo de recurso e de recuperação judicial, pois o mercado teve de interromper esses processos para entender os novos termos da legislação.

Rabi acrescenta também que os benefícios financeiros concedidos pelo governo federal contribuíram para reduzir os calotes na praça. “O pagamento do auxílio emergencial foi importantíssimo para sustentar a renda de milhões de famílias, mas o nível de emprego no país ainda não voltou ao que era antes da pandemia”, afirma.

PUBLICIDADE

Ele cita ainda que, mesmo com o ciclo de alta da taxa Selic, iniciado em março, e com o aumento da alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), anunciado na semana passada pelo Ministério da Economia, os bancos não devem impor restrições à concessão de crédito para as pessoas físicas e jurídicas.

“O crédito continua fluindo. Não há nada no radar que aponte para uma situação grave de inadimplência agora. Não, por enquanto. Há três momentos: no primeiro, as pessoas atrasam, mas pagam suas dívidas; no segundo, elas deixam de pagar mesmo; e no terceiro, elas recorrem aos bancos e pedem socorro”.

Rabi evita projetar os indicadores de crédito para 2022, considerando o cenário ainda muito turvo para um ano de eleições gerais e incertezas sobre o comportamento dos índices de inflação e da trajetória dos juros.

“Em agosto, as questões políticas, a crise hídrica e o aumento da inflação passaram a afetar negativamente a saúde financeira dos consumidores, o que prejudica, principalmente, os negócios do segmento de comércio e as micro e pequenas empresas, que ainda estavam se reerguendo com o relaxamento das medidas restritivas referentes a pandemia”, analisa o economista da Serasa.

Veja mais: Efeitos da Evergrande e reunião do Fed devem pautar o mercado nesta semana

Em 2020, o país fechou o ano com 1.180 pedidos de recuperação judicial. Segundo Rabi, 2021 deve terminar na casa das 1.000 solicitações, com um resultado próximo do registrado no ano passado.

Sobre as consequências da iminente falência da Evergrande, o economista da Serasa diz que ainda é cedo para dimensionar o grau de contágio dessa crise para a economia brasileira.

PUBLICIDADE

“Pode ser um novo Lehman Brothers [pivô da crise das hipotecas do subprime nos EUA em 2008]? Pode ter um efeito dominó desencadeando uma uma crise internacional do crédito? Não sei, mas o sistema bancário brasileiro é bem sólido e pouco alavancado na comparação com países europeus”, afirma Rabi.

B3

Quanto às companhias abertas em recuperação judicial com ações listadas na Bolsa brasileira, a B3 registra 17 casos: Hotéis Othon, Bardella, Eternit, Fertilizantes Heringer, IGB, Inepar, João Fortes, Lupatech, Oi, PDG Realty, Pet Manguinhos, Pomifrutas, Renova, Saraiva Livraria, Tecnosolo, Teka e Wetzel.

Neste ano, a incorporadora paulista Viver conseguiu fechar acordo com credores, realizou um aumento de capital, passou a planejar lançamentos imobiliários e deixou o grupo das empresas em recuperação judicial na Bolsa.

PUBLICIDADE

No setor aéreo, as expectativas do mercado recaem sobre a situação do grupo chileno Latam. Na próxima segunda-feira (27), a Justiça americana deverá decidir se dará mais tempo para a companhia aérea apresentar seu plano de reorganização, um passo importante para sair da recuperação judicial.

Na história do setor imobiliário brasileiro, um dos mais casos mais famosos de colapso foi da construtora Encol, que decretou falência em 16 de março de 1999, na esteira de uma série de escândalos de corrupção e má gestão administrativa.

No mês passado, a construtora Andrade Gutierrez, alvo de investigações de corrupção da Operação Lava Jato, deu um calote em detentores de bônus emitidos no exterior.

Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.