Bloomberg Línea — O PayPal tem transformado a sua operação no Brasil em uma espécie de laboratório de experimentos para a América Latina.
Após anos operando a sua carteira digital e a solução de checkout em carrinhos de compra online, a plataforma americana tem planos de crescer entre pequenas empresas, avançar como adquirente e lançar produtos conectados ao Pix.
As mudanças acompanham os novos rumos do mercado de pagamentos e do comércio - e também da própria companhia.
Desde que assumiu como CEO há pouco mais de 18 meses, Alex Chriss tem reposicionado a companhia e dedicado maior atenção aos mercados emergentes - e com maior potencial de crescimento - na Ásia e na América Latina.
“Nos últimos 12 meses, passamos por uma reformulação completa da estrutura corporativa, o que estabeleceu novas formas de trabalho no PayPal e definiu metas diferentes para a organização”, disse Juan Luis Bordes, VP & General Manager do PayPal para a América Latina, à Bloomberg Línea, em passagem por São Paulo.
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“A América Latina sempre foi importante para a companhia. Especificamente, Brasil e México, dada a importância e o tamanho desses mercados.”
No cargo há três anos, o executivo mexicano assumiu também a operação brasileira há pouco mais de dois meses - antes, conduzia apenas os negócios nos mercados hispânicos.
Segundo ele, a nova estratégia da companhia vai se traduzir em mais investimentos do PayPal na região, valores que ainda estão em definição. “O que posso dizer é que o valor será relevante”, afirmou.
O redirecionamento busca retomar um ritmo de crescimento mais expressivo em um mercado em transformação acelerada, com novos meios de pagamento que ganharam protagonismo, caso do Pix, e a ascensão das stablecoins.
No último ano, a receita líquida GAAP do PayPal cresceu 7%, para US$ 31,8 bilhões, com um lucro líquido de US$ 4,15 bilhões (-2%). Na divisão geográfica das receitas, os Estados Unidos responderam por 57% do volume, e os demais países, por 43%.
Obsessão com PMEs
O passo mais simbólico da nova etapa foi a licença do Banco Central para operar como adquirente, o que abriu caminho para que a empresa processasse diretamente os pagamentos — e concorra com gigantes como Cielo, Rede, Stone e Mercado Pago.
A novidade é vista como um plus na relação que a marca tem construído com grandes varejistas. “Isso nos dá uma proposta de valor completamente diferente para o mercado e uma nova fonte de receita”, afirmou Bordes.
Segundo o executivo, a empresa pretende dedicar especial atenção ao relacionamento com os clientes, uma queixa constante ouvida no setor.
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“Vamos ser mais flexíveis e investir bastante em trazer talentos para estabelecer uma relação direta com os lojistas.”
A expectativa é que a operação esteja em funcionamento até o final do ano. Produtos atrelados ao Pix devem ser lançados no mesmo intervalo de tempo.
Na frente das PMEs (pequenas e médias empresas), o PayPal lançou o Complete Payments (PPCP), solução que busca oferecer integração simples e tarifas competitivas.
O foco é recuperar o terreno perdido junto aos pequenos empreendedores — uma base historicamente negligenciada pela companhia e pelo setor no país.
O “motor da economia”, como diz o executivo, é uma nova “obsessão” na companhia, que começa dos níveis hierárquicos mais elevados.
“Se não fizermos nada de novo, vamos acabar perdendo esse mercado e não seremos bem-sucedidos no futuro como empresa”, disse Bordes, que vê a necessidade de simplificar a comunicação com esse público e deixar mais clara sua proposta de valor.
Um passo adicional em estudo é oferta de crédito a lojistas e consumidores, nos moldes do que já faz nos Estados Unidos com apoio de instituições parceiras.
“Tudo está sobre a mesa. Nada está descartado — estamos avaliando todas as oportunidades. Para mim, tornar-se uma instituição de crédito é algo a ser considerado, porque entendemos as necessidades desses comerciantes e dos consumidores”, afirmou o vice-presidente.
As conversas, segundo Bordes, estão sendo feitas em nível executivo e devem ser aprofundadas nos próximos dias, quando o CEO da companhia visitará o México.
Stablecoins, IA e o futuro do comércio
A reformulação da atuação no Brasil vem em paralelo a uma agenda mais ampla de inovação tecnológica global do PayPal, que procura se mover de uma companhia com um modelo de meio de pagamentos para uma plataforma de comércio digital.
Há um emprego crescente de inteligência artificial e das stablecoins - para além do universo cripto - nos planos da empresa para os próximos anos.
Em 2023, a companhia lançou sua própria stablecoin, a PayPal USD (PYUSD), atrelada ao dólar. Hoje, o ativo digital supera a marca de US$ 1 bilhão em reservas. A meta agora é escalar o uso da moeda em aplicações práticas, com planos que devem ser anunciados nos próximos meses.
A perspectiva inicial era de que o token funcionasse como um modelo de Stablecoin as a service, tese que não se comprovou. Grandes varejistas, centrais para o modelo proposto, acabaram criando os seus próprios ativos, caso da Amazon.
“Fomos a primeira instituição financeira a lançar uma stablecoin. Agora, o desafio é entender como ela pode reduzir custos para consumidores e lojistas”, afirmou. “Temos planos bem ambiciosos.”
O produto deve ganhar novos contornos com a conexão com IA, tecnologia que o PayPal investe com a ambição de liderar a corrida de “agentic commerce”, com a automação de compras em plataformas com o ChatGPT, da OpenAI.
Empresas com bandeiras, como Mastercard e Visa, também investem em caminhos semelhantes.
“Queremos que o usuário diga o que quer comprar, e a IA cuide de todo o processo, do preço ao pagamento.” Os pilotos estão sendo desenvolvidos nos EUA e na Europa.
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