Bloomberg Línea — Um simples comando como “crie uma música” com ferramentas de IA (Inteligência Artificial) tem aberto as portas para aqueles que buscam cometer fraudes nas plataformas de streaming.
O prompt é apenas o primeiro passo nessa “estratégia”, que é combinada com um exército de “ouvintes zumbis” que apertam o play nas músicas em busca de garantir a monetização aos falsos criadores, retirando dinheiro que deveria ser destinado a artistas que realmente compõem.
De acordo com a plataforma global Deezer, 200 mil conteúdos musicais são enviados a ela diariamente e 18% já são gerados por IA.
A plataforma anunciou no começo deste ano uma ferramenta de detecção de músicas criada por inteligência artificial.
Na época, informou que 10% dos conteúdos eram produzidos por IA. Ou seja, em menos de seis meses, a prática avançou quase 10 pontos percentuais.
A companhia de origem francesa decidiu reforçar os serviços para lidar com as fraudes e lança nesta sexta-feira (20) uma espécie de selo que permite que os usuários saibam quais álbuns contêm faixas geradas integralmente por inteligência artificial.
Leia mais: Taylor Swift é vítima de IA em novo álbum e evidencia riscos na criação musical
“Estamos falando de centenas de milhares de músicas sendo criadas semanalmente por aplicativos e que inundam o catálogo para tentar burlar o sistema”, afirmou Alexis Lanternier, CEO da Deezer, em entrevista à Bloomberg Línea.
Ele faz referência a fraudadores que buscam entrar nos fluxos de recomendação da plataforma para capturar parte da receita destinada a artistas legítimos. O problema, segundo o executivo, vai além: um modelo industrializado de fraude por trás.
“Eles [fraudadores] não apenas sobem as faixas mas também contratam fazendas de escuta para impulsionar as músicas artificialmente. Eles esperam que essas músicas sejam selecionadas pelo algoritmo e impulsionadas em playlists de recomendação - e eles têm técnica. Para evitar que isso aconteça, nós removemos todas essas canções da playlist e da recomendação”, afirmou Lanternier.

A Deezer calcula que as músicas feitas por AI representem apenas 0,5% do total de execuções na plataforma. Mas, dentro deste percentual, 70% são audições falsas, o que abre um alerta de potencial de escala para as fraudes.
Outro dado que entra nas contas é o impacto nos valores pagos a artistas e detentores de direitos autorais.
Hoje, 70% da receita da plataforma, que encerrou com € 541,7 milhões no ano de 2024, tem essa destinação.
Pelos cálculos da plataforma, sem um controle efetivo de novas fraudes com IA, em torno de 8% dessa receita poderia cair em mãos erradas.
Solução caseira com alcance global
A tecnologia, desenvolvida com por um time dedicado de 30 engenheiros, detecta padrões típicos de músicas geradas por inteligência artificial — como uso de ferramentas específicas de geração em massa — e as exclui das recomendações da plataforma.
Os conteúdos continuam disponíveis para quem procurar ativamente por eles, mas perdem o alcance automático promovido pelos algoritmos.
Leia mais: Barbie com IA? Brinquedos que só elogiam podem causar novos danos às crianças
A intensificação no combate às músicas produzidas 100% por IA não deve prejudicar os processos criativos, como conteúdos híbridos (criados por humanos com o uso de ferramentas sintéticas), de acordo com o CEO.
“O fato de que artistas são agora muito mais criativos, muito mais eficientes, porque há ferramentas para eles criarem música, é muito bom. Acolhemos isso na nossa plataforma” afirmou.
Segundo o CEO, a ideia da companhia é disponibilizar a tecnologia para concorrentes que queiram adotar medidas semelhantes.
”Ficaríamos felizes em compartilhar com outras outras plataformas que quiserem fazer o mesmo porque pensamos que é bom para a indústria”, afirmou. “Nossa existência só faz sentido porque há música feita por pessoas reais.”
Mesma discussão no passado
A Deezer também defende a adoção de regras mais duras globalmente, especialmente quanto ao uso de obras protegidas por direitos autorais no treinamento de modelos de IA generativa.
A empresa apoia as discussões em curso na União Europeia para exigir pagamento de royalties pelas empresas de tecnologia.
“É importante que as plataformas falem sobre isso porque é exatamente o que aconteceu há 17 anos quando ferramentas como a Deezer surgiram. A mensagem era algo como: música precisa ser de graça. E é claro que não”, disse.
“Foi um grande debate e é o mesmo que está acontecendo aqui. É exatamente a mesma lógica: se não pagarem por isso, não haverá criatividade no futuro.”
Leia também
Dona do Moises, Music.AI capta US$ 40 milhões para levar IA generativa a músicos