Como esta empresa de design driblou o risco da IA e dobrou a receita para US$ 3,5 bi

Canva, que tem o Brasil como segundo maior mercado, agora aposta em ferramentas colaborativas que utilizam IA para elevar o faturamento; IPO está no horizonte, diz o cofundador Cliff Obrecht em entrevista à Bloomberg Línea

Canva
30 de Outubro, 2025 | 03:55 PM

Bloomberg Línea — Quando o ChatGPT foi lançado em 2022, muitos analistas previam que ferramentas de IA generativa focadas em imagens como Midjourney e Dall-E poderiam representar uma ameaça ao modelo de negócios do Canva.

Dois anos depois, a realidade mostrou o contrário: a plataforma australiana de design não apenas sobreviveu à revolução da IA, como mais do que dobrou a base de usuários ativos mensais.

PUBLICIDADE

A receita segue em ritmo crescimento semelhante, saindo de US$ 1,6 bilhão em 2023 para US$ 2,5 bilhões em 2024. Nos cálculos da empresa, os resultados anualizados até outubro alcançaram US$ 3,5 bilhões.

Leia também: BlaBlaCar faz do Brasil seu principal mercado e prevê expansão em LatAm, diz CEO

Com 260 milhões de usuários ativos mensais – crescimento de 20 milhões nos últimos dois meses –, o Canva encontrou seu espaço mesmo em meio à proliferação de ferramentas de IA. O segredo, segundo Cliff Obrecht, cofundador e COO, está em entender que o design vai muito além da geração de imagens.

PUBLICIDADE

Ele cita como exemplo empresas como a rede hoteleira Hilton Hotel Group, que possui milhares de unidades, cada uma com necessidades específicas de branding, mas que precisam manter consistência com a marca corporativa.

“Se você observar os números, o Canva tem 10 vezes mais usuários do que essas outras plataformas porque permitimos que você gere uma imagem, mas, em última análise, design é sobre fluxos de trabalho e comunicação dentro da marca para sua organização”, disse Obrecht em entrevista à Bloomberg Línea. “São necessidades muito complexas para criar conteúdo dentro da marca em escala.”

O australiano criou a plataforma em 2012 com a CEO Melanie Perkins e Cameron Adams, CPO (Chief Product Officer) na cidade de Perth. Atualmente, o Canva está avaliado em mais de US$ 42 bilhões.

PUBLICIDADE

“A IA generativa tem sido um vento favorável enorme para nós”, afirma o COO.

Canva

O sistema criativo

Em meio à transformação do mercado, o próximo passo do Canva é se posicionar como o “sistema operacional criativo” das empresas.

Na base, há o motor de design, a plataforma de colaboração e uma biblioteca com centenas de milhões de templates e imagens. No meio, uma camada de IA. No topo, todos os tipos de documentos: apresentações, gráficos para redes sociais, sites e, agora, também vídeos e e-mails.

PUBLICIDADE

A empresa lança nesta semana uma série de produtos que consolidam essa estratégia. O destaque é o primeiro modelo fundamental de design do mercado.

“Você pode gerar coisas no Canva e em várias outras plataformas. Mas a diferença é que, no Canva, você pode editar, colaborar e implantar”, diz Obrecht, ao demonstrar a ferramenta gerando designs em tempo real e editáveis a partir de comandos de voz.

A estratégia também inclui a integração com o ChatGPT por meio de um plugin que permite criar designs dentro da ferramenta da OpenAI, mas que direciona os usuários para o Canva quando precisam editar o conteúdo.

“Esta é a culminação de dois anos de investimento para chegarmos aqui”, diz Obrecht sobre o modelo fundamental de design.

O modelo fundacional reúne toda a base de dados construída ao longo dos 10 anos do Canva, além do expertise de startups como a Leonardo.AI, adquirida por US$ 300 milhões no ano passado, e da Affinity, também incorporada em 2024.

A aposta é que, ao controlar toda a cadeia – da geração à edição, colaboração e distribuição –, manter a vantagem competitiva mesmo em um mercado cada vez mais povoado por ferramentas de IA.

O marketing de influência

Um elemento importante nesta equação é a relação que o Canva mantém com os usuários. A plataforma nasceu para tornar acessível e fácil a criação de designs e apresentação por qualquer pessoa.

E, o boca a boca, é o que mantém ainda hoje a força do negócio. Noventa porcento dos usuários chegam à plataforma por recomendações de amigos, colegas ou familiares - os investimentos em marketing contribuem apenas por 10%.

Dos 260 milhões de usuários mensais, cerca de 30 milhões são pagantes – entre indivíduos, pequenas empresas e grandes corporações.

“Vemos os clientes gratuitos como nosso principal canal de marketing. Eles contam aos amigos e podem imprimir algo ou trazer outros clientes que acabam nos pagando”, afirma Obrecht.

Nesta jornada, o Canva tem buscado atrair novos públicos. Há cerca de dois anos, apresentou o projeto “enterprise”, hoje com mais de US$ 500 milhões em receita e com crescimento de mais de duas vezes ao ano, com clientes como Stripe, Salesforce e Starbucks. “Estamos só começando”, diz o COO.

O plano empresarial também passará por atualizações acompanhando as novas ferramentas.

Brasil no centro da estratégia global

Ao mesmo tempo em que amplia os investimentos em IA, o Canva também tem a expansão geográfica como prioridade para atingir mais clientes. A empresa calcula que o seu mercado endereçável é de 4 bilhões de pessoas.

A plataforma, presente em mais de 190 países, quer construir raízes mais profundas.

“Nós percebemos que é uma grande oportunidade para aumentar o nível internacional e levar nossa localização para o próximo patamar”, afirma Obrecht.

É o caso do Brasil, o segundo maior mercado em número de usuários e entre os cinco maiores em receita - e também em uso de IA na plataforma.

Segundo números internos, os brasileiros produzem 3,9 milhões de designs diariamente, com preferência para conteúdo de redes sociais e vídeos. Com um detalhe: entre todos os países, o Brasil cria os designs mais coloridos.

Para estruturar a presença local, a empresa acaba de contratar o seu primeiro country manager para a operação local e planeja dobrar a equipe até o fim de 2026, passando de 15 para mais de 30 pessoas.

O intuito é ter uma operação que atenda as necessidades específicas do país, que cresce no segmento de enterprise e também na área de conteúdo educacional, além de avançar com soluções como métodos de pagamentos.

“Nós precisamos ter pessoas em campo, fazer treinamento e criar conteúdos locais”, afirma o COO.

A mais recente ação da marca é com o chef Éric Jacquin, explorando o humor das legendas necessárias para entender seu forte sotaque francês do dono do Ça-va e do Président.

Lucratividade e IPO no horizonte

Assim como outras startups veteranas, o Canva sempre aparece na lista de candidatas a IPOs quando a janela de mercado se mostrar mais convidativa.

À Bloomberg Línea, o cofundador disse que a movimentação “certamente está no horizonte da companhia. Embora não exista uma data específica para acontecer, é algo que precisará ocorrer em um futuro não muito distante”.

O Canva é lucrativo há oito anos consecutivos e mantém mais de US$ 1 bilhão em caixa. Recentemente, realizou uma rodada secundária de US$ 1,5 bilhão para dar saída a funcionários e investidores e não vê necessidade de captar capital adicional.

Segundo o cofundador, esse colchão financeiro dá segurança à operação para manter a posição atual, num momento de altos investimentos em startups de IA globalmente.

“Nós não precisamos tomar mais capital primário porque nós temos muito dinheiro no banco e somos lucrativos. Estamos bem posicionados para investir com força no AI”, afirma.

Leia também:

Além do TikTok: aposta da ByteDance para edição de vídeo é ameaça real à Adobe

Citi prevê retomada dos IPOs no Brasil a partir de 2026 após quatro anos de hiato