Byju’s: de maior edtech do mundo a pedido de insolvência e saída de CEO no Brasil

Startup de ensino de programação para crianças online, que já chegou a ser avaliada em US$ 22 bilhões, atrasa pagamentos e perde segundo CEO no país em dois meses

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Bloomberg Línea — Salários atrasados, perda de alunos, falta de comunicação com os funcionários e saída abrupta do CEO no Brasil - o segundo que deixa o cargo em cerca de dois meses. Essa é a situação daquela que já foi a mais valiosa startup de educação do mundo e empresa que já teve o maior valor de mercado da Índia, a Byju’s, que enfrenta agora pedido de insolvência por parte de credores.

A startup indiana que se notabilizou como uma escola global de programação para crianças com aulas online deixou de realizar um pagamento em um empréstimo de US$ 1,2 bilhão e os credores pediram insolvência, segundo um comunicado por e-mail na quinta-feira (25).

Nesta sexta-feira (26), o CEO da empresa no Brasil, Roberto Moreno, que havia assumido no fim de 2023, deixou a companhia sem comunicação prévia. O seu e-mail corporativo foi até “descontinuado”, segundo pessoas a par da situação que falaram à Bloomberg Línea.

Foi o mais recente capítulo da crise financeira da startup fundada por Byju Raveendran, que já foi avaliada em US$ 22 bilhões, mas que agora enfrenta a fúria de seus credores.

Presente no Brasil há pouco mais de dois anos, a Byju’s no Brasil promoveu ondas de demissão no último um ano e meio e deixou de pagar parte do 13º salário aos seus funcionários em 2023, segundo relatos de profissionais que passaram ou ainda estão na empresa e que falaram à Bloomberg Línea sob condição de anonimato, porque temem serem ainda mais prejudicados com a situação.

Em 30 de novembro, o então CEO da Byju’s para o Brasil, Fernando Prado, comunicou a sua saída da empresa, e indicou um substituto, Roberto Moreno, então VP de Operações, que até esta sexta-feira no começo do dia ocupava o cargo de executivo-chefe.

“Terei um contato com a Índia apenas na segunda-feira [dia 29]. Hoje é feriado na Índia. O Roberto deixou a organização. Não tenho outra possibilidade a não ser aguardar o direcionamento. Peço que aguardem, serão comunicados quando tivermos informações mais concretas”, disse um profissional da empresa em comunicado aos funcionários visto pela Bloomberg Línea nesta sexta.

A Bloomberg Línea entrou em contato com a Byju’s no Brasil e foi direcionada para o suporte da matriz indiana. Nesse canal, recebeu uma mensagem automática com a resposta de que a equipe não trabalha nesta sexta por causa de um feriado local.

A operação da Byju’s no Brasil sempre foi dependente de “cash burn”, ou seja, de queima de caixa, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto que falou à Bloomberg Línea em condição de anonimato porque as conversas são privadas. Funcionava com o envio de capital da matriz na Índia, o que passou a atrasar no fim de 2023, segundo essa mesma fonte.

A Byju’s começou a funcionar no país com cerca de 300 profissionais, oferecendo aulas de programação online para crianças por meio do produto Byju’s Future School.

Além da Índia, a startup também atua no México, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália, na Nova Zelândia e na Indonésia e adotou uma estratégia de expansão com aquisições.

Essa pessoa com conhecimento do assunto que falou à Bloomberg Línea em condição de anonimato disse ainda que a empresa enfrentou recentemente problemas para o pagamento aos colaboradores, o que levou à mudança do calendário do mesmo de quinzenal para mensal em janeiro.

No último dia 12 de janeiro, a Byju’s comunicou aos funcionários do Brasil que “não se confirmou a chegada do dinheiro [em geral enviado da Índia] para que fosse realizado o pagamento parcial do débito”, em comunicado visto pela Bloomberg Línea.

Um funcionário respondeu o chat de comunicados oficiais interno alegando estar sem limite no cheque especial e com contas atrasadas e “que nunca imaginou uma situação dessas de quem se diz a maior do mundo”.

No último dia 15, a empresa informou que não havia recebido atualização oficial da matriz na Índia. Nesta semana, na terça-feira (23), o então CEO para o Brasil informou que estava em busca de informações com Elvis Mookken, head internacional da Byju’s, e com Arjun Mohan, CEO da Índia, “porém, ainda sem um posicionamento concreto”, conforme outro comunicado visto pela Bloomberg Línea.

Disse ainda que as informações que tinha eram a de que a matriz indiana estava em negociações para providenciar um financiamento a fim de cobrir os débitos da operação brasileira, “porém não fecharam a data exata para envio”.

A situação se agravou com a falta de pagamento às professoras de programação, que são contratadas como pessoas jurídicas, o que criou um “efeito dominó”, dado que elas passaram a cancelar aulas já agendadas.

No site Reclame Aqui, há diferentes reclamações nos últimos dias com alegações de inadimplência contratual, pedido de rescisão e devolução de dinheiro e professoras sem pagamento.

“Soubemos hoje da crise da Byju’s e ficamos apreensivos com o abandono das aulas da professora de quem nosso filho tanto gostava”, contou um cliente da Byju’s no Brasil.

“A professora abandonou o curso e meu filho está sem aulas, comprei o pacote com o curso de inglês com 96 créditos e ainda restam 37 créditos para serem cumpridos”, disse outra cliente em uma publicação, seguida de que estavam “sem aula e sem contato com a empresa”, “aulas marcadas não estão sendo realizadas e professor diz que não recebe desde dezembro de 2023 e pediu desligamento”.

Outra pessoa familiarizada com as operações da Byju’s no Brasil disse à Bloomberg Línea que as demissões começaram em fevereiro de 2022. Essa pessoa descreveu que houve falta de transparência por parte da alta liderança e destacou a deterioração da situação em 2023, com problemas que incluíram dificuldades em pagar fornecedores, advogados e atrasos nos salários.

Não há informações claras sobre a situação nos Estados Unidos ou em outros países onde a empresa opera, conforme essa pessoa com conhecimento do assunto, que disse ainda que há uma falta de transparência e comunicação por parte da alta liderança da Byju’s. Esse quadro de incertezas tem causado insegurança e angústia entre os colaboradores, muitos dos quais pais e mães de família.

Os credores já assumiram o controle das unidades da Byju’s em Singapura, enquanto a empresa contesta as ações nos Estados Unidos.

O pedido de insolvência ocorre no momento em que a edtech em dificuldades busca levantar mais de US$ 100 milhões de investidores existentes por meio de uma nova emissão de ações no próximo mês, a um preço que avalia a empresa em menos de US$ 2 bilhões, informou a Bloomberg News no início desta semana. Representaria, portanto, uma queda de 90% em relação ao pico.

A empresa, que enfrenta uma crise de liquidez há vários meses, usará os recursos para pagar fornecedores e estabilizar os negócios, segundo a Bloomberg News.

“Esta é uma mensagem para todas as startups - cuidado com as dívidas”, disse Srinath Sridharan, pesquisador de políticas e consultor corporativo baseado em Mumbai. “Os detentores de ações podem cancelar o valor de suas ações, mas os devedores têm recursos [por meio da lei de insolvência e falência].”

De Zuckerberg à Naspers

O CEO, Byju Raveendran, atraiu capital de alguns dos maiores investidores do mundo da tecnologia, incluindo a Iniciativa Chan Zuckerberg de Mark Zuckerberg, a Silver Lake Management e a Naspers (Prosus), que também investe no iFood.

Em conferência com os acionistas no dia 23 de novembro passado, a Prosus disse que voltou a atenção significativamente para os três negócios de ativos problemáticos no portfólio: o Stack Overflow, a Skillsoft e a Byju’s.

“Estamos trabalhando todos os dias para tentar melhorar o retorno lá. Essas situações, no entanto, na nossa opinião, não são emblemáticas de uma mudança na nossa visão do investimento global na tese para Edtech. Edtech é um setor muito amplo, que consiste em educação do ensino fundamental ao médio, qualificação corporativa e assim por diante”, disse Ervin Tu, CEO da Prosus, à época.

A Bloomberg Línea procurou o B Capital Group, de Eduardo Saverin, e a Prosus, ambos investidores da Byju’s, mas não obteve retorno até o momento.

Prejuízos crescentes

A empresa de tutoria online começou a perder dinheiro depois que o boom nos negócios durante a pandemia perdeu força.

Raveendran hipotecou sua própria casa, assim como propriedades de membros da família, para arrecadar dinheiro e pagar os funcionários, conforme relatado pela Bloomberg News em dezembro. “Os inúmeros problemas enfrentados pela Byju’s são inteiramente autoinfligidos”, disse o grupo de credores em um e-mail na quinta-feira (25). “Por meses, buscamos evitar exatamente esta situação.”

“Acreditamos agora que a gestão da Byju’s não tem a intenção ou capacidade de cumprir suas obrigações nos empréstimos a prazo”, disse o grupo.

“No entanto esperamos que o processo de resolução de insolvência corporativa da Índia ajude a estabilizar a Think & Learn [nome da empresa por trás da plataforma da Byju’s] e resulte na implementação de um plano de resolução que leve em consideração os interesses de todas as partes interessadas.”

O pedido foi apresentado nesta semana a um Tribunal Nacional de Empresas da Índia, disseram pessoas familiarizadas com o assunto, pedindo para não serem identificadas, pois o documento ainda não é público. O Moneycontrol noticiou anteriormente o pedido de insolvência.

Byju’s: ‘não há fundamento’

“A validade das ações dos credores, incluindo a aceleração do empréstimo a prazo, está pendente e sob contestação em vários processos, incluindo perante o Tribunal Supremo de Nova York”, disse a Byju’s em uma resposta por e-mail para a Bloomberg News na quinta-feira (25). “Portanto, qualquer procedimento dos credores perante o NCLT é prematuro e sem fundamento.”

A Byju’s Alpha é uma holding que os credores precisam controlar para proteger seus direitos, disse um advogado a um tribunal de Delaware no início deste ano. Os credores acusaram a empresa de esconder US$ 533 milhões em um “fundo hedge obscuro”, de acordo com documentos judiciais.

-- Com informações da Bloomberg News.

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