Bloomberg Línea — O mercado de planos de saúde corporativos no Brasil vive há muitos anos uma dinâmica perversa de pressão crescente de custos, em que empresas não raro se veem obrigadas a trocar a cada ano em busca de alternativas que onerem menos o seu orçamento.
Nesse contexto, novas empresas de saúde que têm como pilar o uso intensivo de tecnologia têm conseguido crescer e ganhar participação com modelos distintos ao que há de mais disseminado no mercado.
É o caso da Alice, que acaba de completar seis anos de operação e cujo crescimento ganha tração a tal ponto que avançou 44% em receita e 51% na base de membros atendidos no primeiro semestre versus o fim de 2024.
Mais importante, a companhia tem conseguido operar com índices de sinistralidade inferiores à média de mercado, como reflexo de melhores condições de saúde do seu público atendido, o que se traduz no fim do dia em reajustes igualmente abaixo do que se pratica no mercado de saúde suplementar.
A empresa projeta alcançar a marca de R$ 1 bilhão em receitas em 2026, dado o seu ritmo de expansão, segundo números antecipados à Bloomberg Línea.
A Alice chegou a R$ 350 milhões em receita em 2024, com alta de 70% sobre o ano anterior. Para 2025, a previsão é atingir R$ 650 milhões, o que representará um avanço de 86% se concretizado.
Leia mais: Rodadas da semana: Alice capta R$ 127 milhões para a saúde e tem o maior aporte
“Construímos um modelo completo de saúde que começa com atenção primária e conta com integração de dados, uso de tecnologia e coordenação dos cuidados, em que guiamos cada passos das pessoas em suas respectivas jornadas de saúde”, disse André Florence, CEO e cofundador da Alice, em entrevista à Bloomberg Línea. “E isso resulta em melhores desfechos.”
O índice de sinistralidade é de 53%, versus média acima de 85% do mercado, segundo dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
O reajuste médio foi de 11,2% para empresas com até 29 vidas neste ano, enquanto no mercado há muitos casos que superaram 15%.
“O nosso modelo foi criado para deixar as pessoas mais saudáveis, ao mesmo tempo em que evita desperdícios. Isso nos permite direcionar melhor os recursos e aplicar reajustes mais baixos do que a média do setor”, explicou Florence.
O empreendedor explicou que o número de empresas atendidas tem aumentado de forma acelerada, ao mesmo tempo em que o churn (índice de perdas de contratos) é baixo: foi de 2,5% no primeiro semestre, abaixo da média de mercado.

Colocado de outra forma, as taxas de renovação de contratos empresariais são elevadas para os padrões de mercado: chegaram a 96% desde o começo de 2024 para planos com mais de 30 vidas.
Isso contribui para que tanto a Alice como as empresas atendidas, bem como seus funcionários, entrem em uma espécie de círculo virtuoso, na medida em que aumenta o seu conhecimento sobre a saúde das pessoas, e estas entendem melhor como funciona o modelo voltado para a prevenção.
Atualmente, 30% dos membros - como a Alice chama os funcionários de empresas atendidas - acessam a operação de atenção primária (Alice Agora) todos os meses, mesmo sem obrigatoriedade de passar por ela para realizar exames ou acessar a rede. Isso reflete o entendimento de que um melhor estado de saúde passa pela prevenção antes da necessidade.
O atendimento é feito por profissionais que conhecem o histórico da pessoa e, quando necessário, a encaminham rapidamente para especialistas ou hospitais de referência do plano coberto, que podem incluir até Sírio-Libanês e Einstein.
O uso de dados começa no onboarding dos membros de uma nova empresa atendida e serve para direcionar cada pessoa ao seu respectivo médico de família, o “meu médico Alice”.
Esse médico será o profissional de referência para eventuais necessidades do membro, com as orientações devidas que se mostram mais assertivas do que a visita a um especialista ou a um pronto-socorro no " escuro".
A jornada é essencialmente digital, com adesão de 100% dos membros por meio de um aplicativo, cuja ativação se dá no momento do onboarding.
A base atual ultrapassa 65 mil membros atendidos, e a meta é fechar este ano com mais de 80 mil.
Atualmente a Alice tem uma carteira diversificada e atende clientes como Creditas, TTec, Zig, Insider e O2 Filmes.
“Esse modelo, que tem sido aperfeiçoado com o tempo, é o responsável pelo resultado que estamos atingindo“, disse o empreendedor.
Leia mais: Dasa retoma foco em diagnósticos e avança em agenda de crescimento, diz novo CEO
Alinhamento de incentivos
A companhia fundada em 2019 por Florence, Guilherme Azevedo e Matheus Moraes, adotou desde o começo o modelo conhecido como value-based health, desenvolvido com base em estudos do americano Michael Porter, professor da Harvard Business School (HBS), um dos maiores especialistas em gestão do mundo.
O modelo, presente no mercado americano, entre outros países, parte da premissa de que o sistema de saúde deve ser gerenciado com foco em resultados traduzidos pela melhora de indicadores de saúde e bem-estar dos pacientes, e não no número de procedimentos e consultas.
Isso leva em tese a um ganho de eficiência do sistema, com alinhamento de incentivos para a prevenção e o foco na atenção primária dos pacientes.
Florence e Moraes trabalharam juntos na 99, um dos primeiros unicórnios brasileiros, à frente das áreas financeira e de operações, respectivamente.
Azevedo, por sua vez, foi um dos fundadores do Dr. Consulta, uma das primeiras healthtechs do país, que busca facilitar o acesso a consultas e exames a pacientes que não possuem planos, com preços mais baixos e atendimento agilizado.
Leia também
Dr. Consulta traz Nelson Teich para o conselho e mira avanço em indicadores clínicos
Sabin avança com tecnologia e estratégia regional. ‘Há muita oportunidade’, diz CEO
Fleury dobra investimento em tecnologia e resultados já são visíveis, diz CEO