Bloomberg Línea — Em um mercado cada vez mais competitivo, em que fintechs buscam provar modelos sustentáveis depois do boom de liquidez de capital e de novos negócios em 2020 e 2021, a QED Investors aposta na experiência acumulada em quase duas décadas para selecionar aquelas que podem atravessar o próximo ciclo.
Nos círculos de startups, além de IA e agentes de IA, outra termo que se tornou recorrente é embedded finance, que carrega a tese de embutir soluções financeiras para além do produto ou do serviço central do modelo de negócios.
Com candidatas na disputa por esse mercado, Nigel Morris, managing partner e cofundador do QED Investors, disse que as startups vencedoras nessa corrida serão aquelas que conhecem os meandros dos serviços financeiros ou que tiveram acesso a essas pessoas com tal expertise.
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Morris fundou a QED em 2007, pouco depois de Morris deixar a Capital One, banco que fundou ao lado de Rich Fairbank em 1994 e que, após a aquisição do Discover, se tornou o maior emissor de cartões de crédito do mundo.
Ex-executivos que saíam da Capital One o procuravam com novas ideias de negócio, e ele decidiu investir seu próprio dinheiro nelas.
“Se eu fosse escrever um livro sobre a QED, talvez dissesse que tinha uma grande visão desde o início. Não é verdade. Como qualquer empreendedor, fomos escrevendo o livro em tempo real”, disse Morris em entrevista à Bloomberg Línea em passagem recente por São Paulo.
Pai ou avô?
O termo “fintech” sequer existia na época.
Mas a QED pegou a primeira onda do setor e participou de histórias como a da Credit Karma, uma plataforma que democratizou o acesso de consumidores a scores de crédito e foi vendida anos depois por US$ 7,1 bilhões.
O executivo é conhecido como “pai das fintechs” - ou, como diz seu filho, o “avô das fintechs”, uma brincadeira com o gestor de 67 anos.
“Serviços financeiros são tão especializados que as pessoas que não vêm dessa área — ou os investidores que não cresceram nela, ou os empreendedores que tentam construir algo — estão sempre em desvantagem, a menos que sejam especialistas em partes específicas”, afirmou Morris.
Isso porque, segundo o britânico radicado nos Estados Unidos, há fatores-chave na gestão do processo e que estão se tornando ainda mais complexos. Dois exemplos são a gestão de crédito e a forma como evitar fraudes.
“Os fraudadores de hoje estão usando IA e constantemente procuram oportunidades para tirar vantagem de produtos de serviços financeiros e de empresas. Entender como a fraude funciona é realmente importante”, disse.
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Na lista de Morris, entram ainda como fatores-chave a gestão da tesouraria, que define como um erro central para a quebra no começo de 2023 do Silicon Valley Bank, o famoso “banco das startups”; e o conhecimento sobre o ambiente regulatório, principalmente frente ao cenário no qual diversas inovações entram no mercado, de pagamentos em tempo real a moedas digitais.
O long-run no Brasil
Quando decide investir em uma startup, esse é o caminho que a QED promete ajudar a navegar: entender a fundo o mundo financeiro.
No Brasil, a gestora aportou em nomes que se provaram em maior ou menor grau, como Nubank, Creditas, Loft, QuintoAndar, Mottu e Cora.
“Acho que somos diferentes de muitas empresas de venture capital, porque muitas são muito mais sobre gestão passiva. Eles são ‘selecionadores de ações’, veem uma equipe e uma oportunidade, investem algum dinheiro e veem o que acontece”, disse Morris em relação ao que chama de investidores genéricos.
Segundo ele, o modo de operar aumenta a “curva da probabilidade de sucesso” em uma indústria em que a maioria das empresas não chega ao fim da corrida.
A estratégia traduz um pouco do modelo mental de Morris, que se vê mais como um construtor de empresas do que como um investidor.
A gestora tem sob gestão US$ 3,8 bilhões e investiu em 250 startups (incluindo 31 unicórnios), distribuídas por 27 países.
Na última captação, em 2023, levantou US$ 925 milhões, dos quais US$ 650 milhões para o oitavo fundo para aportes em startups em early stage e US$ 275 milhões para o segundo veículo em negócios mais maduros.
A gestora começou a investir em startups brasileiras há mais de dez anos e foi um dos primeiros investidores do Nubank, em 2015.
Anos antes, contou Morris, David Vélez, ainda jovem, o tinha abordado dizendo que queria construir um “Capital One no Brasil” e pediu ajuda.
“Eu disse que não sabia ser possível porque nunca tinha estado no Brasil e só sabia que o Brasil sempre vencia a Inglaterra no futebol”, afirmou.
“Mas ele pediu que eu o ensinasse como fizemos com a Capital One. Eu o achei um cara adorável, muito ambicioso e incrivelmente talentoso e aceitei. Aquilo se tornou a base para que o que Vélez construiu. Só que ele pegou e adaptou para o Brasil, e então acelerou para a era digital”, disse o investidor.
Não por acaso, uma das principais contratações do Nubank quando começou a expandir a sua atuação para além de cartões foi o executivo Youssef Lahrech, um veterano de Capital One que liderou as frentes de modelagem de crédito do banco digital e chegou a COO e presidente - ele deixou os cargos em maio.
A entrada do Nubank para o portfólio se deu em uma segunda fase da QED, que até 2013 operou como um family office, com recursos de Morris e outros amigos egressos da Capital One.
Foi quando o fundo “cruzou o Rubicão”, nas palavras do britânico, em referência a um caminho que levou a uma nova fase.
A capitalização fez a gestora ganhar a relevância atual e avançar no ambiente de fintechs, setor que dominou os investimentos na última década nos principais mercados.
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Dos recursos levantados, o fundo direciona 50% para os Estados Unidos, e a outra metade, para regiões como América Latina, Europa, África e Ásia, com exceção da China.
Após um período em que investiu no Brasil à distância, a QED abriu um escritório local em 2022, quando o ciclo de investimentos de venture capital começou a mudar. A operação é comandada por Camila Vieira, profissional que está há cinco anos no fundo.
“Nós temos uma visão de longo prazo e acreditamos verdadeiramente que há resultados a serem alcançados a partir daqui. Do ponto de vista de capital de risco, isso significa que também estamos investindo em valuations de entrada mais baixos nessa parte do ciclo”, afirmou Vieira na mesma entrevista.

A gestora conta hoje com 25 investidas e mantém no radar negócios que tratam de Open Finance e Pix a soluções de IA aplicada a serviços financeiros, PMEs e climate tech ligada a energia.
“A forma de olhar para essas oportunidades é a mesma dos demais investimentos: na nossa definição, é muito mais sobre onde o problema real está e como essa dor pode tocar serviços financeiros”, afirmou a executiva.
Nesse contexto, muitas empresas fazem sentido para investimento. “E a tese é que, com o tempo, podemos adicionar seguro, pagamentos e crédito ao negócio principal que não era necessariamente financeiro.”
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