Brasileira QI Tech levanta US$ 200 milhões em uma das maiores Série B da história

General Atlantic lidera rodada em fintech que oferece infraestrutura para soluções B2B que vão de estruturação de crédito a Banking as a Service e que mira DTVM as a Service

Da esquerda para a direita, Marcelo Bentivoglio (CFO), Pedro Mac Dowell (CEO) e Marcelo Buosi (COO), co-fundadores da QI Tech (Foto: Divulgação)
31 de Outubro, 2023 | 07:00 AM

Bloomberg Línea — Em um momento em que o mercado de venture capital ainda ensaia uma recuperação dos níveis mais baixos dos últimos dois anos, uma startup brasileira acaba de captar uma das rodadas Series B de maior valor da história - e não apenas no nível doméstico mas global: a QI Tech, que oferece infraestrutura tecnológica para soluções financeiras no segmento B2B, acertou um aporte de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1 bilhão) liderado pela General Atlantic. A Across Capital, já acionista, dobrou a sua participação.

O novo valuation não foi divulgado, mas fontes da indústria de VC apontam que a startup provavelmente alcançou o status de unicórnio, avaliada em US$ 1 bilhão ou mais.

O controle da startup que tem sede em São Paulo segue com os atuais sócios-fundadores Pedro Mac Dowell (CEO), Marcelo Bentivoglio (CFO) e Marcelo Buosi (COO).

“A nova parceria estabelece as bases para o tamanho da oportunidade que buscamos. Usaremos o novo capital para fortalecer nossa posição de liderança no Brasil. Estamos atentos a potenciais oportunidades de negócio e executando uma estratégia de crescimento agressiva para cada unidade de da empresa [veja mais abaixo]”, disse Pedro Mac Dowell em comunicado.

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O volume captado será utilizado essencialmente para M&A (fusões e aquisições), em negócios que possam agregar verticais de atuação que sejam complementares às existentes, disse Marcelo Bentivoglio em entrevista à Bloomberg Línea. O plano é que sejam feitos poucos cheques para tais transações.

Um IPO (oferta pública inicial) está nos planos, e a empresa se preparou para esse momento quando a janela do mercado reabrir em condições consideradas adequadas, mas não há pressa. “Não precisamos de dinheiro. A QI Tech gera caixa, cresce bastante e tem fundamentos sólidos. Não precisamos aceitar qualquer proposta”, disse o CFO.

Apenas para fins de comparação, o Nubank, caso mais bem-sucedido de startup brasileira, que conta hoje com um market cap de US$ 38,3 bilhões na NYSE, a Bolsa de Nova York, recebeu um aporte de US$ 30 milhões em sua Series B em 2015. E se tornou unicórnio na Series F, em 2018, de US$ 150 milhões.

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Dados da Eqvista apontam apenas cinco rodadas Series B da ordem de US$ 200 milhões ou mais, a mais recente do GitHub, de US$ 250 milhões em 2015, liderado pela Sequoia Capital.

A QI Tech desenvolveu tecnologia proprietária - em que reside boa parte do seu valor - em suas verticais principais de soluções para clientes corporativos: estruturação e emissão de crédito, Banking as a Service e soluções antifraude e outras. Consegue oferecer assim um modelo one-stop-shop que inclui ferramentas de cadastro digital, validação de dados, motor de crédito, abertura de contas digitais, pagamentos com Pix etc.

Isso amplia as possibilidades de cross selling (venda cruzada de produtos), dado que muitos clientes preferem trabalhar com um fornecedor, segundo Bentivoglio.

A carteira conta com clientes como Vivo, Unidas, Enjoei, QuintoAndar, 99 e Banco Bari, entre aqueles que são divulgados. O foco é em grandes empresas.

“Ao construir conectividade nativa com o sistema financeiro, bem como por meio de uma API modular, a QI Tech permitiu o desenvolvimento de soluções bancárias de crédito e de pagamentos digitais para fintechs, gestoras e outras empresas”, disse Luiz Ribeiro, managing partner e co-head da General Atlantic no Brasil, em comunicado. Segundo ele, a fintech tem conseguido capturar “excelentes oportunidades” ao se beneficiar do cenário de aumento da adoção do crédito e penetração digital no Brasil.

O J.P.Morgan atuou como leading placement agent, a Vinci Partners, como assessor financeiro, enquanto o escritório Freitas e Leite Advogados ficou com a assessoria jurídica.

A empresa não divulga dados de receitas, mas, em outra entrevista recente à Bloomberg Línea, Bentivoglio apontou que estavam na casa de centenas de milhões de reais. A QI Tech disse que é lucrativa desde o primeiro ano e que gera caixa e tem “boas margens”.

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Na ocasião, o CFO disse que a QI Tech emitia cerca de R$ 700 milhões em crédito por mês, com um volume de cerca de 20.000 transações por dia, destacando o fato de a empresa contar com 115 pessoas no time, em uma operação que classificou como lean graças a processos automatizados.

Há concorrentes em todas as frentes de negócio, especialmente em Banking as a Service, casos de Bankly e Dock, ou em crédito, como a Serasa e a BMP, mas não no modelo full service e tampouco, em sua avaliação, com a complexidade de produtos e automação.

A vertical de crédito é justamente considerado o principal diferencial competitivo da QI Tech, segundo Bentivoglio. Isso porque a construção da infraestrutura de tecnologia foi desenvolvida do zero com tecnologia proprietária e tem sido aperfeiçoada há quatro anos, de modo que poucos players independentes conseguiriam oferecê-la.

Segundo esse modelo, clientes como a Vivo e a 99, por exemplo, captam recursos por meio de um FIDC (Fundo de Investimento de Direito Creditório) emitido pela QI Tech, que depois vai a mercado negociar os títulos que compõem o produto.

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Esses recursos, por sua vez, são utilizados pelas empresas clientes para bancar operações como empréstimos ou o refinanciamento de contas em atraso de clientes. Toda a estrutura por trás dos serviços é providenciada - powered by - pela QI Tech, que não assume em seu balanço nem faz a gestão do risco da carteira.

M&As para o crescimento

A estratégia de crescimento também por meio de M&A já havia sido adotada por ocasião da rodada anterior, uma Series A em outubro de 2021 que resultou em um aporte de US$ 50 milhões (R$ 270 milhões) - o maior já feito para uma fintech da América Latina - do GIC, um dos fundos soberanos de Singapura.

Dois meses depois, a QI Tech acertou a compra - por valor não revelado - da Zaig, uma startup com soluções de prevenção à fraude, o que se tornou uma nova frente de atuação. É a vertical que mais cresce atualmente, segundo o CFO, com a ressalva do efeito base. Desde a aquisição, a receita da vertical chamada de “conheça o seu cliente” foi multiplicada em sete vezes.

As demais verticais crescem de 70% a 80% por ano, disse Bentivoglio.

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A QI Tech nasceu no fim de 2018 com Mac Dowell, que anteriormente havia sido sócio fundador da Quatá Investimentos, Buosi e Bentivoglio, que trabalhara no Goldman Sachs. Na mesma época, tornou-se a primeira fintech do país a obter a licença concedida pelo Banco Central para atuar como SCD (Sociedade de Crédito Direto).

Em julho deste ano, a fintech passou a operar como DTVM após ter conseguido a licença do Banco Central e as aprovações de CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e Anbima, ou seja, como uma distribuidora de títulos de valores mobiliários, a exemplo de uma corretora.

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Isso permitiu a negociação de títulos de crédito no mercado secundário no modelo 24x7 (24 horas, sete dias por semana), o que deu mais agilidade e eficiência a essa vertical e evitando o descasamento do horário comercial para tais operações, dado que a fintech faz o repasse de captações aos clientes.

‘DTVM as a Service’

Uma parte menor dos recursos captados será alocada para o desenvolvimento de produtos do ponto de vista de infraestrutura tecnológica. A QI Tech planeja entrar com pedido junto ao Banco Central para operar uma mesa de câmbio, diante da avaliação do CFO de que, assim como Banking as a Service se tornou já uma commodity no mercado, o mesmo acontecerá com o Banking as a Service cross border.

Isso incluiria também serviços como remessas e contas globais que empresas clientes possam oferecer.

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“Essa função de infraestrutura de câmbio poderá atender todo o mercado. A minha visão é que qualquer conta digital, por default, será multimoeda. Ela não precisará mais ser uma conta em reais apenas. Eu acho que o que falta é infraestrutura para que essas contas todas sejam, por definição, multimoeda.”

Segundo Bentivoglio, outras soluções também são planejadas para o médio prazo, como a estrutura para plataformas de investimento com milhares de produtos, de fundos a ativos de renda fixa. Seria uma espécie de DTVM as a Service.

Nesse cenário, a QI Tech ingressaria em um mercado hoje dominado por players como XP Inc. (XP) e BTG Pactual (BPAC11), reduzindo os custos de acesso que hoje são bancados por clientes como escritórios de assessores de investimento (antes conhecidos como agentes autônomos).

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“Se um agente autônomo quiser se desplugar de qualquer casa para plugar em uma DTVM neutra, ele terá condições e poderá oferecer um portfólio com produtos que quiser”, disse Bentivoglio, ressaltando que a QI Tech entrará com a infraestrutura, mas não vai competir para oferecer investimentos.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.

Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups