Vai resolver? Empresas aceleram alternância de CEOs em busca de resultados

Rotatividade recorde no comando de grandes companhias reflete insatisfação de investidores com resultados, segundo consultoria Russell Reynolds em estudo global. No Brasil, substituições de chefes atingem setores do automotivo ao varejo

John Elkann, presidente do conselho da Stellantis (à esquerda com a mão no queixo) e Antonio Filosa, novo CEO do grupo (Foto: Reprodução/Instagram)
27 de Julho, 2025 | 01:46 PM

Bloomberg Línea — O segundo semestre começou com muitas mudanças no comando em companhias de diferentes setores no Brasil e na América Latina.

A alternância de CEOs acontece por razões distintas, próprias de cada organização mas também com algumas em comum.

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Como “pano de fundo”, a perspectiva de um novo ciclo na agenda econômica, marcado pelos impactos negativos das tarifas de Donald Trump pelos Estados Unidos e pela desaceleração da atividade em um cenário de juros ainda elevados.

Com esse contexto, a elevada rotatividade de CEOs é um fenômeno global.

Em 2024, houve um número recorde de 202 diretores-executivos que deixaram o cargo, uma alta anual de 9% no universo das grandes companhias presentes em 13 índices globais de ações, segundo o estudo Global CEO Turnover Report, da consultoria Russell Reynolds Associates, citado pelo Financial Times.

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Entre os principais motivadores das substituições são apontados fatores como insatisfação de acionistas com os resultados financeiros, impaciência dos mesmos com o ritmo de recuperação das receitas e a expectativa - nem sempre correspondida - de que uma mudança no comando pode acelerar a retomada.

A pressão por resultados em setores muito afetados pela tecnologia também motiva indicações de novos CEOs. É o que se observa atualmente na indústria automotiva, desafiada em momento de transição para veículos elétricos.

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Recentemente, a Stellantis nomeou Antonio Filosa como novo CEO global com a missão de interromper o movimento de queda das vendas, provocado por desafios próprios de competitividade com o antecessor Carlos Tavares, em meio à concorrência com fabricantes chinesas de veículos como a BYD.

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A partir de agosto, a Mercedes-Benz terá novo CEO (Denis Güven) para suas operações de caminhões e ônibus no Brasil e no restante da América Latina. Já a Renault anunciou o argentino Ariel Montenegro como novo responsável pela montadora no Brasil - ele assumiu no último dia 14.

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A Automob, maior rede de concessionárias de veículos leves e pesados do Brasil, começou a ser liderada no início deste mês pelo executivo argentino Sebastián Dario Los. A empresa do Grupo Simpar (SIMH3) representa lojas que vendem automóveis de marcas de luxo como BMW, Jaguar Land Rover e Volvo.

A indústria de bens de consumo também tem estado sob os holofotes. Em um período de pouco mais de seis meses, duas gigantes globais, a Nestlé e a Unilever, trocaram de comando, um fato muito raro em suas histórias.

Em agosto passado, a empresa suíça anunciou o veterano de casa Laurent Freixe como CEO em substituição a Mark Schneider; em fevereiro deste ano, a Unilever anunciou que Fernando Fernandez, que comandou a operação no Brasil por quase uma década, até 2019, seria o substituto de Hein Schumacher.

Há casos em que a saída do CEO marca o final de um capítulo na história da companhia. Neste mês, Stéphane Maquaire deixou o comando da operação brasileira do Carrefour, desligou-se do grupo e voltou para a França.

Em quatro anos, ele conduziu a integração do Grupo BIG (antigo Walmart Brasil), adquirido pelo antecessor Noël Prioux em 2021, e também a deslistagem da subsidiária na B3, em operação recém-concluída em maio.

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Transição com cautela

O processo de “passagem de bastão” é realizado com planejamento em algumas organizações. É o que ocorre no Mercado Livre, que anunciou em maio que Ariel Szarfsztejn será o novo CEO, mas apenas a partir de 1º de janeiro de 2026. Até lá, a transição é conduzida pelo Marcos Galperin, que será o novo chairman.

O impulso da Inteligência Artificial será um dos focos do futuro chefe do Mercado Livre, segundo citado pela companhia no anúncio da mudança.

A ruptura acarretada pelas novas tecnologias de IA para os negócios tem sido o pano de fundo em várias decisões de troca de comando.

Em 2024, as empresas de tecnologia registraram a maior taxa de rotatividade entre todos os setores, segundo o estudo da Russell Reynolds Associates. Foram 40 CEOs substituídos, uma alta de 90% em relação a 2023, com destaque para a mudança no comando da Intel.

Pat Gelsinger foi demitido no ano passado após o seu plano de recuperação da fabricante de chips ter falhado diante do avanço em especial da Nvidia na frente de IA. Em março deste ano, Lip-Bu Tan assumiu a Intel e iniciou a reestruturação com medidas como demissões de equipes e desburocratização de gestão.

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CEO que vira conselheiro

A transferência do CEO para o conselho de administração é uma solução frequente em algumas companhias, o que não é exatamente uma novidade.

A Arcos Dorados, master franqueada do McDonald’s na América Latina, nomeou o então COO Luis Raganato para o lugar de Marcelo Rabach, que permanecerá como membro do board. Raganato assumiu a nova cadeira no último dia 1º de julho.

“A transição garante uma sucessão tranquila e não prevemos nenhuma interrupção nas operações ou na estratégia. Rabach permanecerá no conselho, o que consideramos positivo, dada sua vasta experiência no setor de QSR [Restaurante de Serviço Rápido] na América Latina”, avaliou Alejandro Fuchs, analista do Itaú BBA, em relatório.

Historicamente, COOs e CFOs estão entre os candidatos naturais para a promoção a CEO, como foi o caso de Rabach. “Acreditamos que os sólidos resultados operacionais devem continuar avançando”, escreveu Fuchs.

Outro caso de COO que se tornou CEO foi o do argentino Pablo Lorenzo, que assumirá o comando do Carrefour Brasil com a saída de Maquaire.

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Aposentadoria também é motivo

Outro cenário frequente é a decisão do chefe de longa data de se aposentar. Foi o que ocorreu na dona de uma das marcas de tequila mais famosas do mundo, a mexicana Jose Cuervo, pertencente ao grupo americano Proximo Spirits.

No último dia 1º de julho, Mauricio Vergara, que foi executivo da Bacardi até dezembro, assumiu o cargo de CEO da Proximo Spirits para os EUA e Canadá. Ele substituiu o veterano Luis Fernando Felix, que se aposentou após 25 anos na empresa.

Ao avaliar a troca, a equipe do Bank of America destacou, em relatório, a expectativa de uma transição tranquila, dada a “ampla experiência” de Vergara na indústria de bebidas destiladas dos EUA.

Em sua primeira postagem no LinkedIn, Vergara destacou o “próximo capítulo de uma das empresas mexicanas mais icônicas, que desempenhou um papel fundamental em tornar a tequila como uma das categorias de bebidas de crescimento mais rápido e líder no cenário global de destilados”.

Já a Yduqs (YDUQ3) anunciou na semana que passou Rossano Marques como novo CEO a partir de 15 de agosto, em substituição a Eduardo Parente, que passará a integrar o conselho de administração depois de sete anos no comando.

“A transição de liderança é uma realidade natural nas organizações. Pode-se discutir a frequência, mas sua ocorrência é inevitável — e, normalmente, muito positiva. Ela oxigena a empresa, traz novos desafios, cria oportunidades para talentos em diferentes níveis e abre espaço para inovação", escreveu Parente em post no LinkedIn.

“Também representa uma oportunidade de renovação para quem encerra um ciclo, permitindo novos aprendizados, horizontes e desafios”, completou, antes de ressaltar que a transição foi devidamente planejada.

“Rossano e eu estamos juntos há sete anos — e particularmente próximos nos últimos três. Cada passo foi cuidadosamente pensado e acompanhado pelo nosso conselho de administração", escreveu.

Em relatório, o Goldman Sachs avaliou que a promoção interna garante a continuidade na estratégia de uma das maiores empresas de educação superior do Brasil, com foco em geração de caixa e crescimento disciplinado, e que a permanência de Parente no conselho contribui para uma transição suave.

Veja a seguir dez nomeações recentes de CEOs de empresas com operações no Brasil:

Carrefour Brasil

Pablo Lorenzo assumiu o comando das operações do grupo francês no Brasil e na América Latina em 14 de julho, sucedendo Stéphane Maquaire, que retorna à Europa e foi anunciado como novo CEO da Club Med. Lorenzo foi descrito como um dos melhores gestores do grupo por Alexandre Bompard, CEO da matriz, que destacou em nota o sucesso dele na recuperação da operação na Argentina.

Mercado Livre

Ariel Szarfsztejn assume o comando da companhia a partir de 1º de janeiro de 2026, em substituição a Marcos Galperin, que se tornará presidente do conselho depois de 26 anos no comando, segundo anúncio em maio. Szarfsztejn, que tem MBA de Stanford (2012), entrou na companhia em 2017 ocupando diversas posições de liderança até assumir em 2024 o cargo de presidente de Commerce.

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Mercedes-Benz do Brasil

Denis Güven será o novo CEO da Mercedes-Benz do Brasil, responsável pela região da América Latina para caminhões e ônibus, a partir de agosto. Ele substituirá Achim Puchert, nomeado CEO da Mercedes-Benz Trucks. Güven era Head de Produto e Estratégia na Daimler Truck Asia, em Tóquio.

Renault do Brasil

No último dia 14, o argentino Ariel Montenegro assumiu o cargo de CEO da montadora francesa no país, em substituição a Ricardo Gondo, que deixou a companhia. O executivo começou a carreira na Renault Argentina em 2005 e atuou na região das Américas e na França em cargos de liderança nacional, como na Colômbia.

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Arcos Dorados

Luis Raganato, então COO (Chief Operating Officer), passou a ocupar o cargo de CEO da operadora master franqueada do McDonald’s na América Latina no dia 1º de julho, no lugar de Marcelo Rabach, que passou para o conselho de administração. Raganato iniciou carreira na Arcos há mais de três décadas e teve diversos cargos gerenciais, como o de presidente da antiga divisão caribenha e gerente geral no Peru.

KFC Brasil

Otávio Pimentel foi nomeado para o cargo de CEO da nova operação após a segregação dos ativos no Brasil que estavam sob o “guarda-chuva” da IMC para uma joint venture com a KFC Chile - e assumiu em junho com foco na expansão e no fortalecimento da rede no país. Ele possui mais de uma década de experiência em empresas dos setores de fast food, food service, consultoria e gestão. “Temos certeza de que podemos construir a maior e melhor marca de frango frito do país”, escreveu no LinkedIn. Alexandre Santoro segue como CEO da IMC.

Dasa e Rede Américas

No grupo de saúde com foco em medicina diagnóstica, Rafael Lucchesi se tornou CEO no dia 1º de julho após a renúncia de Lício Cintra, que assumiu o mesmo posto na Rede Américas, nome da empresa resultante da fusão de hospitais do grupo com outros da Amil, conforme planejamento estabelecido havia mais de um ano. Ele atua há 13 anos na empresa de 25.000 funcionários e mais de 40 marcas. “Meu objetivo é transformar esse alcance gigante em entrega com impacto positivo, com gestão disciplinada e capacidade de execução”, disse Lucchesi em nota.

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Dengo Chocolates

Cintia Moreira, ex-diretora comercial, chegou ao posto de CEO em junho após a saída de Túlio Landin para o Mercado Livre como diretor sênior de marketplace para o Brasil. Depois de passagens por empresas como Estée Lauder, Lacoste e Loungerie, a executiva trabalha na empresa desde agosto de 2024. A chegada de Cíntia ao cargo reforça o protagonismo feminino na empresa, disse a Dengo em nota.

Automob

Desde 1º de julho, o argentino Sebastián Dario Los lidera a rede de concessionárias do Grupo Simpar, após a renúncia de Antônio da Silva Barreto. Los tem mais de 25 anos de experiência no varejo, incluindo 22 anos no Grupo Cencosud, gigante de supermercados, em que atuou como CFO por cinco anos e, mais recentemente, como CEO por seis anos, segundo apontou o BTG Pactual em relatório.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.