TV 3.0 vai derrubar as barreiras entre antena e internet, diz CFO da Globo

Em entrevista à Bloomberg Línea, Manuel Belmar diz que entrada da TV aberta no ambiente digital vai permitir oferta de publicidade segmentada e revela investimento de R$ 5 bi em 2023

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Bloomberg Línea — A bilionária família Marinho, dona do Grupo Globo, maior conglomerado de mídia do Brasil, enfrenta um cenário de crescente competição do setor com uma estratégia de unificação dos negócios de TV aberta, TV por assinatura, streaming e digital e de aposta no que é chamado de TV 3.0.

“Estamos nos preparando para o futuro quando a TV 3.0 vai derrubar definitivamente as barreiras entre antena e internet. E vai inserir a TV aberta no ambiente digital, abrindo novas oportunidades de negócios, como a possibilidade de oferta de publicidade segmentada na TV aberta”, disse Manuel Belmar, diretor de Finanças (CFO), Jurídico e de Infraestrutura da Globo, em entrevista à Bloomberg Línea.

Essa geração de TVs permite aos usuários não apenas assistir ao conteúdo linear e sob demanda por meio de streaming mas também interagir com aplicativos, acessar serviços personalizados e utilizar a conectividade para uma nova experiência multimídia. “A conexão das TVs já é uma realidade. Hoje, 60% das casas brasileiras já possuem TVs conectadas”, disse o executivo da Globo.

A resposta da Globo à entrada de plataformas concorrentes inclui disciplina de custos - que tem se refletido na dispensa de nomes consagrados da dramaturgia e do jornalismo nos últimos anos - e um investimento que chegou a R$ 5 bilhões em 2023 em conteúdo, direitos e tecnologia, contou Belmar.

A Globo possui uma estrutura de capital com um caixa equivalente a R$ 13,8 bilhões, acima da dívida total de R$ 5,4 bilhões, calculou a agência de classificação de risco Fitch em relatório em dezembro. Essa posição financeira permite ao grupo analisar e, potencialmente, realizar operações de M&A (fusões e aquisições) estratégicas para complementar estratégias da companhia, segundo a agência.

Um exemplo, via mercado de capitais, foi a compra de ações na bolsa para se tornar uma acionista relevante da Eletromídia, empresa líder do mercado nacional de mídia out of home (OOH). A Globo tem hoje 27% do capital, que teria custado quase R$ 1 bilhão, segundo estimativas de mercado.

Os três filhos do fundador Roberto Marinho, João Roberto Marinho, Roberto Irineu Marinho e José Roberto Marinho, são os principais herdeiros e gestores do grupo após o falecimento do pai em 2003. João Roberto é o presidente do conselho e o presidente do Grupo Globo.

Público diário de 80 milhões

Neste verão, a principal alavanca de audiência e de publicidade da Globo será a 24ª edição do BBB (Big Brother Brasil), que começa no próximo dia 8 com término previsto para maio. Serão pelo menos 14 marcas patrocinadoras, com cotas estimadas pelo mercado entre R$ 20 milhões e R$ 114 milhões, com anunciantes como Mercado Livre (MELI), Stone (STNE) e Seara, do grupo JBS (JBSS3).

“Em apenas um dia, a Globo fala com quase 80 milhões de pessoas, o que qualquer plataforma de vídeo leva pelo menos um mês para alcançar. Em apenas uma semana, a Globo fala com dois terços da população [do país]. Investimos em tecnologia e no conhecimento do consumidor, sem perder de vista o principal: o conteúdo brasileiro forte e seguro para marcas e consumidores”, disse o CFO.

Belmar destacou o alcance conquistado pela plataforma digital do grupo, mesmo diante da competição com gigantes globais como Netflix, Amazon Prime e Disney Plus.

“O Globoplay já é a maior plataforma de streaming brasileira, a segunda mais consumida no país e a plataforma de vídeo online com o maior tempo médio de consumo diário em TVs do Brasil. Foram quase 3 bilhões de horas consumidas em 2023, um crescimento de 20% em relação a 2022.″

Para analistas da Fitch, o cenário enfrentado pelo Globo é tão desafiador que ajudou a fundamentar a decisão de rebaixamento de sua nota como emissor de longo prazo em moeda local, de BB+ para BBB-.

“O rebaixamento reflete os resultados operacionais voláteis da Globo, sua menor lucratividade em comparação com pares internacionais com grau de investimento e a tendência desafiadora do setor de fragmentação de audiência em plataformas de distribuição digital e linear e o declínio da base de assinaturas de TV por assinatura”, justificou a agência de classificação de risco em nota há um mês.

Veja a entrevista com Manuel Belmar, CFO do Grupo Globo, editada para fins de clareza.

A Globo enfrenta concorrência crescente de outras plataformas por espectadores e anunciantes, em um mercado de crescente fragmentação da audiência e de mudanças nas preferências do consumidor. Qual a estratégia para enfrentar esse cenário?

A hiperconexão potencializou o consumo de conteúdo. Nunca se consumiu tanto conteúdo audiovisual, em tantas plataformas. Essa disrupção na indústria provocada pela tecnologia nos levou a uma profunda revisão da operação e da nossa estratégia.

Há três anos, iniciamos o movimento de fortalecer nosso mix de negócios e hoje temos uma oferta única de conteúdos e de plataformas no mercado. Um dos mais potentes portfólios do país e um ambiente seguro para o público e para nossos parceiros comerciais.

Essa transformação nos faz líderes na TV aberta, na TV por assinatura e no digital. Temos o alcance inigualável da TV Globo, a diversidade dos nossos canais por assinatura, a vitalidade dos nossos produtos digitais – como G1, GE, Gshow, Cartola, Receitas –, e temos o Globoplay, que tem um papel importantíssimo na nossa estratégia, já que ele é o grande hub de conteúdo digital da Globo.

Segundo a agência Fitch, a Globo tem investido em áreas diversas, de eventos ao vivo ao serviço de vídeo sob demanda por assinatura do Globoplay. Qual o valor do investimento e qual o racional para a definição das áreas que vão receber maior atenção?

Em 2023, investimos R$ 5 bilhões em conteúdo, direitos e tecnologia. Na Globo, o conteúdo brasileiro está no centro de tudo que fazemos. É o pilar central da nossa estratégia para manter relevância em um mercado de atenção tão pulverizada. Se a maneira de consumir muda, a gente se transforma.

Temos o mais potente portfólio de conteúdo do país e somos os maiores investidores do mercado audiovisual independente do Brasil. Nossa estratégia é e continuará sendo garantir que o conteúdo Globo esteja onde esse consumidor estiver. Nos preparamos para a conexão das TVs, que já é uma realidade. Hoje, 60% das casas brasileiras já possuem TVs conectadas, com um crescimento de 41% no consumo em relação ao ano passado. E 77% desse consumo é na TV aberta ou na TV por assinatura.

Como a Globo se preparou para essa era das TVs conectadas?

Essa jornada de transformação digital também pautou nossa estratégia de dados e enriqueceu as experiências de consumo e também nossos produtos e serviços digitais.

Avançamos em novas ofertas de publicidade digital. Temos soluções exclusivas no mercado brasileiro, que unem a força do nosso conteúdo com formatos que garantem a entrega no target dos clientes. Hoje temos 140 milhões de GloboIDs, quase toda a população conectada no Brasil, com mais de 1.900 combinações de segmentação possíveis para entregar publicidade segmentada para os anunciantes e conteúdo personalizado para os consumidores.

E já estamos nos preparando para o futuro quando a chamada TV 3.0 vai derrubar definitivamente as barreiras entre antena e internet. E vai inserir a TV aberta no ambiente digital, abrindo novas oportunidades de negócios, como a possibilidade de oferta de publicidade segmentada na TV aberta.

Enquanto olha para o futuro, a Globo tem que atravessar o presente. Quais os resultados operacionais da companhia em 2023 e o que tem sido mais determinante?

Mesmo diante de um cenário altamente competitivo, estamos fechando 2023 com ótimos resultados. No acumulado dos nove meses [dados mais recentes disponíveis], tivemos a melhor receita líquida desde 2016, com R$ 11,091 bilhões, impulsionada principalmente pelo crescimento no faturamento em publicidade e na base de assinaturas de produtos digitais como o Globoplay e o Premiere Play.

O Ebitda acumulado do ano é de R$ 934 milhões, 24% maior do que o registrado nos nove primeiros meses de 2022. Os resultados da Globo refletem a boa performance do conjunto das suas operações e uma constante avaliação do cenário econômico do país e dos negócios.

Como parte do processo de transformação pela qual vem passando nos últimos anos, a empresa mantém a disciplina de custos e investimentos em iniciativas importantes de crescimento. E o mercado vem respondendo de forma muito positiva à nossa estratégia de unificação dos negócios de TV aberta, TV por assinatura, streaming e digital, que possibilitou a criação de um ecossistema único no mercado brasileiro e um mix de negócios que mistura ofertas intermediadas e D2C [direto ao consumidor].

A Globo pagou R$ 653 milhões em aquisições em 2023 até o terceiro trimestre, principalmente relacionadas à participação de 27% no capital da Eletromídia. Como esse negócio contribui para a estratégia comercial da Globo?

O investimento na Eletromídia vem da estratégia de ampliação do nosso portfólio. Estamos satisfeitos com nossa participação atual. O segmento de mídia OOH [Out of Home] no mercado publicitário é altamente complementar ao da Globo. Com a nossa participação, conseguimos ampliar a nossa presença na jornada do público e oferecer soluções cada vez mais completas aos nossos parceiros comerciais.

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