Bloomberg Línea — A gigante metalúrgica Tupy (TUPY3) tem reorganizado sua estrutura de produção para fazer frente ao cenário comercial cada vez mais beligerante desencadeado pelas tarifas do governo dos Estados Unidos de Donald Trump.
O mercado norte-americano é o principal destino das exportações da companhia a partir da operação brasileira. Segundo o CEO da Tupy, Rafael Lucchesi, a estratégia do grupo inclui o reordenamento das capacidades produtivas e uma distribuição que classificou como mais eficiente.
“Estamos com um pacote de ações no sentido de defender os interesses dos nossos clientes e, dessa forma, o interesse dos consumidores norte-americanos e brasileiros”, disse o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.
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Fornecedora-chave de grandes montadoras de veículos, a Tupy está presente em 40 países. Possui plantas fabris no Brasil, com capacidade instalada de 594 mil toneladas, e também no México (326 mil toneladas) e em Portugal (41 mil toneladas), com 67% da produção exportada para mais de 40 países.
Em 2024, a companhia registrou uma receita líquida de R$ 10,7 bilhões.
Segundo Lucchesi, 14% da produção brasileira é exportada para os Estados Unidos. “Como não podemos ignorar a realidade, vamos ter que melhorar a distribuição, tornando-a mais eficiente, diante do quadro de tarifas”, afirmou.
O executivo acrescentou que, embora o grupo avalie constantemente novos mercados, essa é uma tarefa que demanda muito tempo.
“Para homologar um motor novo, por exemplo, são 18 a 24 meses. Isso nos prende à cadeia onde estamos. Não é algo que vamos resolver em poucas semanas.”
Além da homologação do motor em si, as fábricas, as linhas e os moldes também têm que ser todos homologados para começar a funcionar. “Trata-se de um processo de altíssima complexidade industrial e tecnológica.”

Lucchesi afirmou que a companhia não deve sofrer impactos das tarifas americanas em 2025, uma vez que os estoques atuais somados são suficientes para atender a dez semanas de produção.
“Para 2026, estamos fazendo ajustes de reordenamento de plantas. Também estamos trabalhando em todas as frentes institucionais”, disse.
O trabalho inclui diálogos com interlocutores do governo brasileiro em Brasília e grupos empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham).
Sobre a possibilidade de instalar fábricas nos Estados Unidos, Lucchesi disse que essa não é uma possibilidade que está em avaliação, embora a empresa não descarte a opção.
“Temos que esperar mais tempo para ver como vamos avançar nessa agenda. Isso não está colocado no curto prazo, nem dispensamos, mas não há um estudo claro nessa direção”, disse.
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O mercado americano é atendido indiretamente pela planta no México, que fornece peças para montadoras instaladas localmente e que comercializam muitos de seus produtos para os Estados Unidos. Do total, 9% da produção da unidade da Tupy no México é destinada diretamente para o país vizinho do norte.
O executivo ressaltou ainda que, no geral, o setor de fundição não está presente nos Estados Unidos.
“Nada está ‘fora do baralho’, mas estrategicamente temos que pensar com os fundamentos da realidade”, afirmou o executivo, que assumiu o comando da Tupy em maio depois de atuar mais de 18 na CNI em diversos cargos.
O executivo também descartou transferir parte da produção do Brasil para o México ou para outros países, para atender o mercado americano.
“Joinville [onde está a principal operação da Tupy] é uma potência da nossa indústria. Tem um grande parque industrial. Nós vendemos para 40 países. Não está colocado no horizonte reduzir o apetite que nós temos na produção brasileira", afirmou.
“Para além da ação de defesa e de apoio comercial do governo brasileiro, nós temos uma convicção estratégica com relação às competências que nós temos na produção brasileira. Isso não está colocado.”
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Diversificação do portfólio
Uma das apostas da Tupy é o avanço da atuação em mercados para além do automotivo, como geradores para data centers. “Cada vez mais o avanço global da renda per capita vai levar ao crescimento do consumo de energia”, disse.
Enquanto isso, a companhia já se prepara para o futuro. A Tupy tem como estratégia o investimento em inovação e tecnologias voltadas para a descarbonização e a infraestrutura “verde”.
Ele disse acreditar que o Brasil pode protagonizar a transição energética, com destaque para “bioplantas”.
Hoje, a companhia tem três unidades-piloto do gênero, que têm como base contratos firmados com grandes produtores agropecuários para prover eletricidade limpa, combustível renovável e fertilizante organomineral, feitos a partir dos dejetos e dos resíduos gerados nas propriedades.
“O negócio de bioplantas, do ponto de vista econômico, tem um horizonte estratégico muito forte para o futuro.”
Diante do cenário global em que Estados Unidos têm retirado subsídios para energia limpa, enquanto Europa e China “dobram a aposta”, segundo Lucchesi, a expectativa é que a transição energética leve mais tempo.
Para a Tupy, que atua em grande parte no segmento de veículos pesados, as soluções são ainda mais limitadas. “Quanto maior o motor, mais difícil é uma solução que se afaste da combustão interna”, explicou.
Nesse contexto, ele ressaltou que o mercado historicamente sempre pagou pela inovação tecnológica. “E continuará disposto a pagar, mas nem sempre a melhor rota tecnológica, sem a melhor estratégia, vencerá. O futuro é multicombustível”, disse.
Perspectivas de curto prazo
Em um mundo mais protecionista, com cotas de conteúdo local, Lucchesi apontou para o que descreveu como capacidade de resiliência e flexibilidade das plantas da companhia.
“O Brasil já passou por inúmeros ciclos, desde a crise do subprime [nos EUA em 2008], passando pela crise de 2014 a 2016 e a pandemia. Tudo isso gerou um enorme aprendizado: temos grande flexibilidade e competências únicas no chão de fábrica, além de operar em três continentes”, disse o executivo.
Ele ressalta que a aquisição da fabricante de motores MWM, em 2022, foi estratégica para a consolidação da capacidade do grupo. “Saímos da sucata ao motor.”
Nesse sentido, o executivo reforçou a avaliação de que a união da Tupy com a MWM permite operação, formação de preço, agressividade de contrato e histórico de capacidade de engenharia para motores.
“Estamos na fronteira do desenvolvimento”, disse Lucchesi.
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