O plano bilionário da Petrobras para retomar a expansão da refinaria Abreu e Lima

Depois de 10 anos, estatal retomou o projeto de ampliação de capacidade da RNEST em Pernambuco, que esteve sob suspeitas de corrupção na Operação Lava Jato

O processo de licitação das obras da segunda unidade de produção da refinaria Abreu e Lima acaba de ser iniciado (Foto: Agência Petrobras)
08 de Agosto, 2023 | 04:50 AM

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Bloomberg Línea — A Petrobras (PETR3, PETR4) decidiu retomar as obras da segunda unidade de produção da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), alvo de denúncias de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato. Depois de quase uma década paralisado, o projeto volta com um orçamento potencialmente multibilionário e cercado de incertezas, que vão desde os custos até o cronograma de conclusão.

Na última sexta-feira (4), o CEO da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que a primeira licitação referente às obras do trem 2 da RNEST já foi iniciada, com a oferta de sete contratos.

“Aprovamos o investimento no conselho e na diretoria e estamos completamente livres para reiniciar a questão [do projeto] do trem 2. A licitação já está na praça”, contou o executivo.

No balanço divulgado na última quinta-feira (3), a petroleira reportou uma baixa contábil (impairment) de R$ 1,9 bilhão no segundo trimestre, principalmente relativa ao segundo trem da RNEST.

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De acordo com o relatório de demonstrações contábeis, a avaliação da recuperabilidade do segundo trem da RNEST “resultou no reconhecimento de perdas por desvalorização no montante de R$ 1,858 bilhão, principalmente em função da:

  • reavaliação do projeto, com revisão do escopo de infraestrutura logística, impactando no aumento dos investimentos necessários para a implantação do segundo trem;
  • aumento da taxa de desconto para 7,4% ao ano, de 7,1% em dezembro de 2022;
  • redução do dólar, impactando negativamente o valor em uso”.

A companhia ressaltou no documento que o projeto ainda é “resiliente” e apresenta “VPL (valor presente líquido) positivo”, embora não tenha fornecido detalhes.

Segundo o diretor executivo de engenharia, tecnologia e inovação da estatal, Carlos Travassos, os contratos relativos às novas obras da RNEST estão em diferentes estágios.

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“Trata-se de um conjunto de sete contratos grandes. Empresas de diversos portes poderão participar, em um investimento bastante robusto, com potencial de geração de 30 mil empregos diretos e indiretos”, disse.

A RNEST começou a ser gestada em meados de 2005 e a Petrobras chegou a negociar a entrada da estatal venezuelana de petróleo PDVSA como sócia no projeto – o que não aconteceu de fato.

As obras da refinaria foram marcadas por atrasos, revisões e incertezas e estiveram no centro de suspeitas de corrupção da Operação Lava Jato, após denúncias de contratos superfaturados. O orçamento saltou para mais de US$ 20 bilhões em meados de 2014, ante US$ 2 bilhões inicialmente.

A CEO da Petrobras à época da entrega da primeira fase do projeto, Maria das Graças Foster, chegou a afirmar publicamente sobre a importância de não se repetir “erros do passado”. “A RNEST nos ensinou muitíssimo. Lições aprendidas devem ser escritas, lidas e jamais esquecidas”, declarou a executiva.

Embora a Petrobras não abra o investimento destinado para as obras do segundo trem da RNEST nesta nova fase do projeto, o valor deve ficar na casa de bilhões de reais.

“A construção do segundo trem [da RNEST] é potencialmente um projeto multibilionário”, afirmou o sócio-diretor da A&M (ex-Alvarez & Marsal) Infra, Filipe Bonaldo.

O especialista explicou que a construção de uma unidade de produção de combustíveis é complexa. “Pequenas e médias empresas não possuem envergadura financeira para esse tipo de projeto porque não conseguem fluxo de caixa suficiente.”

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Além disso, ele lembrou que o número de empresas aptas a fazer esse tipo de projeto no Brasil diminuiu muito devido aos desdobramentos da Lava Jato: muitas fecharam as portas ou reduziram de tamanho.

“Antes, o mercado tinha cerca de 20 empresas com capacidade e fôlego financeiro para tocar esse tipo de obra, mas hoje temos cinco ou seis”, disse Bonaldo.

Tradicionalmente, para esse tipo de projeto a Petrobras trabalha com a modalidade de contratação de “EPCs” (empresas de engineering, procurement and construction, ou engenharia, compras e construção), que ficam responsáveis por todo o gerenciamento das obras. Ainda assim, os fornecedores dessa cadeia precisam estar de acordo com as regras de qualidade e compliance da petroleira.

Estima-se que centenas de empresas atuem direta ou indiretamente em um projeto dessa magnitude, fornecendo desde aço até grandes tubulações, além de outras especializadas em diferentes serviços.

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Desafios para o projeto

Na visão de Bonaldo, há três grandes desafios a serem superados para que o segundo trem da RNEST seja concluído. O primeiro é a concorrência com outros projetos de porte similar nos setores de energia elétrica – com destaque para transmissão e geração – e infraestrutura em geral, como saneamento, por exemplo.

Um segundo desafio é a falta de mão-de-obra, explicou o sócio da consultoria, tanto qualificada para o segmento de refino quanto de trabalhadores de obras de base em geral. “Já temos um déficit natural desse tipo de mão-de-obra no país.”

O terceiro e mais significativo desafio de todos, na avaliação de Bonaldo, é a retomada do projeto em si. “A empresa que entrar agora não vai começar do zero. Primeiramente, terá que entender tudo o que foi feito e fazer um orçamento a partir disso”, avaliou o especialista.

“Isso causa incertezas, devido à pressão de prazo e custos. Ainda que saia uma primeira divulgação de orçamento, há o risco de problemas não previstos aparecerem posteriormente”, acrescentou.

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Sob a ótica do investidor, a grande preocupação deve ser o consumo de caixa para a conclusão do segundo trem da RNEST. “Se o projeto não for colocado em pé no prazo previsto e dentro dos custos estimados, isso diminuirá a capacidade de distribuição de dividendos da companhia e, no limite, de realização de outros investimentos”, avaliou Bonaldo.

O especialista afirmou que, uma vez iniciado, o projeto precisará ser terminado. “Mas há dúvidas sobre se a Petrobras vai conseguir concluí-lo no prazo estimado ou se vai acabar custando muito mais caro do que o previsto, dado o histórico recente do projeto.”

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Executivos da Petrobras reforçaram na semana passada que a aprovação do segundo trem da RNEST passou por diferentes análises. “Nossa sistemática de implantação de projetos é realizada em fases, e essa avaliação é feita por um colegiado, de acordo com critérios objetivos. A partir do momento que vai para frente, é porque é economicamente viável para a companhia”, disse Travassos.

Prates disse ainda que a Petrobras deve realizar um grande encontro com fornecedores de toda a região na RNEST provavelmente depois do feriado de 7 setembro.

“Vamos reinaugurar essa grande fase da Petrobras e retomar as obras com seriedade, responsabilidade, sobretudo com um grande efeito multiplicador nas regiões em termos de geração de emprego, qualificação de fornecedores e capacitação de pessoas”, destacou.

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Retomada: produção prevista

A refinaria Abreu e Lima está localizada no complexo industrial portuário de Suape, a 45 quilômetros de Recife (Pernambuco). Iniciou suas operações em 2014 com o primeiro conjunto de unidades (trem I).

A planta já refina petróleo e produz derivados para o mercado desde dezembro de 2014. Segundo a Petrobras, o trem 2 tem como objetivo principal produzir diesel e atender a demanda de derivados das regiões Norte e Nordeste, de forma a diminuir as importações.

De acordo com a estatal, o início da operação comercial do segundo trem de refino está previsto para 2027, com produção de gasolina, gás liquefeito de petróleo (GLP), nafta e, principalmente, diesel de baixo teor de enxofre (S-10).

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A companhia projeta que o trem 2 deve adicionar cerca de 13 milhões de litros de diesel S10 por dia à capacidade de produção nacional.

Enquanto o projeto da nova unidade não sai do papel, a Petrobras desembolsa recursos para realizar a manutenção das obras que foram paralisadas, afirmou Bonaldo. “O custo para manter a unidade ‘hibernando’ é altíssimo”, segundo o especialista.

Ele disse acreditar que a expansão da refinaria Abreu e Lima deve ser um dos grandes testes da estatal. “Diante das incertezas do projeto, a conclusão do segundo trem da RNEST, em uma escala de complexidade de 1 a 10, é 10″, disse.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.