A Nike ficou para trás nos pés de corredores. Mas tem a receita para a retomada

Pressionada por concorrentes que surfaram a ‘febre da corrida’, como Adidas e On, maior empresa de artigos esportivos do mundo aposta em novos super tênis para tentar reverter perda de mercado, além da volta a lojas especializadas

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Bloomberg — No primeiro domingo de novembro, o CEO da Nike, Elliott Hill, estava na linha de chegada da Maratona de Nova York, no Central Park, para cumprimentar os atletas de elite do esporte. Mas os corredores com tênis Nike não estavam no topo do pódio.

Benson Kipruto venceu a corrida masculina com um par de Adidas. Hellen Obiri, que usava um tênis da marca On, venceu a corrida feminina.

A Nike tem um problema nas ruas, nas pistas e nas esteiras em que seus tênis costumavam dominar. Hill sabe que a maior empresa de roupas esportivas do mundo ficou para trás, e ele fez da revitalização da divisão de corrida uma prioridade urgente desde que voltou à Nike no ano passado.

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“Esperamos mais da nossa equipe de corrida”, disse ele durante uma visita recente ao laboratório de pesquisa esportiva da Nike na sede em Beaverton, no estado do Oregon, onde as instalações de teste incluem uma pista coberta e uma pista de atletismo.

“É fundamental para o sucesso da nossa empresa.”

A Nike perdeu participação no mercado de tênis de corrida estimado em US$ 7,4 bilhões nos Estados Unidos, o que representa cerca de 8% do mercado de calçados, de acordo com a empresa de pesquisa Circana.

A gestão anterior concentrou-se na venda de tênis de lifestyle, como Air Force 1s e Dunks, e deixou de oferecer seus produtos de corrida em lojas de terceiros.

Agora a Nike tenta corrigir o curso.

A empresa projeta novos tênis voltados para performance, entra em contato com clubes de corrida para fortalecer a marca e leva seus produtos de volta às lojas especializadas que os corredores dedicados frequentam.

Kristyn Smith, uma nova-iorquina de 43 anos que treina outros corredores, já foi uma devota ferrenha da Nike.

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Em 2018, ela começou a correr com o Zoom Vaporfly 4% da marca, a versão de US$ 250 para o mercado de massa do super tênis criado para a lenda da maratona Eliud Kipchoge, e adorou a nova tecnologia.

Mas, com o tempo, Smith começou a acumular versões antigas dos tênis Nike porque não gostava das mudanças nos novos lançamentos da marca a cada ano.

s concorrentes desenvolveram seus próprios super tênis, dando a ela muitas alternativas para escolher, e ela os testava em eventos de corrida.

Atualmente, Smith, que trabalha com entretenimento e corre cerca de 4.000 milhas por ano (cerca de 6.400 quilômetros), faz um rodízio de marcas, que incluem Adidas e Puma.

“Eu costumava ser uma grande fã da Nike. Basicamente, eu só usava tênis Nike”, disse Smith, que presta muita atenção aos corredores de elite e aos tênis que os ajudam a vencer. “Eles precisam criar algo que seja realmente bom novamente.”

Novos super tênis

O esforço de retorno da Nike começa com novos super tênis projetados para os melhores atletas.

Dentro de um prédio na sede, cerca de uma dúzia de tênis de corrida recentes da Nike estão dispostos em uma mesa, alguns cirurgicamente abertos para revelar suas entranhas: espumas, placas, couros e fibras sintéticas.

Um dos tênis de pista foi criado para Faith Kipyegon, uma corredora profissional de meia distância que tentou quebrar uma marca em junho usando um par de Nikes personalizado.

A equipe diz que é a sapatilha de retorno de energia mais leve e com mais propulsão que já foi desenvolvida.

Ele tem uma placa curva de fibra de carbono e a unidade de ar mais alta já colocada em um tênis de corrida para devolver o máximo de energia possível a cada passo.

Isso significa que a bolsa de ar no tênis faz um trabalho melhor de amortecimento dos pés dos corredores e ajuda a impulsioná-los para frente.

Os engenheiros da Nike utilizam os conceitos avançados e os integram em produtos que acabam chegando às prateleiras das lojas.

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“A melhor maneira de fazer isso é calçar um Hoka e calçar nosso tênis, preço por preço”, disse Tony Bignell, diretor de inovação da Nike. “Feche os olhos. Qual você acha que é melhor?”

Sob o comando de Hill, a Nike reorganizou seus produtos de corrida em três linhas principais.

Os tênis de corrida de estrada Pegasus são tênis diários versáteis e responsivos, adequados para uma variedade de corridas.

O Vomero é a oferta voltada para o conforto, com almofadas macias da espuma ZoomX, de propriedade da Nike, para amortecer o impacto nos pés e nas pernas em corridas mais longas e fáceis.

A linha Structure oferece o máximo de suporte e estabilidade. Cada uma tem versões com preços diferentes, de US$ 140 a US$ 230.

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No mês passado, a Nike lançou o Vomero Premium, repleto de espuma, duas unidades de ar e uma sola de waffle, uma continuação do Vomero Plus, um pouco mais fino, lançado no verão no hemisfério norte. Ambos se parecem muito mais com Hokas volumosos do que seus antecessores.

Senso de urgência

“Estou dedicando mais tempo ao produto, certificando-me de que temos a inovação para avançar”, disse Hill. “Tenho um grande senso de urgência e um alto grau de impaciência.”

Não se trata apenas de desempenho mas também de estilo. Os tênis, disse ele, são “a silhueta preferida agora nas ruas, além de apenas correr”.

Os executivos na sede repetem um refrão comum: a corrida é o coração da Nike.

Eles falam do cofundador Bill Bowerman, ex-treinador de atletismo, como um herói popular.

O novo Centro de Inovação LeBron James, no campus, tem um padrão de waffle no teto, uma homenagem ao fato de Bowerman ter obtido a inspiração para o Waffle Racer, o primeiro tênis de corrida inovador da Nike, durante um café da manhã em 1971.

Apesar disso, a Nike passou os últimos anos perdendo corredores em um segmento de mercado que costuma ser fiel.

Seu motor de desenvolvimento de produtos desacelerou na hora errada - exatamente quando as pessoas se voltaram para a corrida durante a pandemia, provocando um boom global na cultura da corrida.

Mudança na tecnologia dos super tênis

Havia uma grande mudança em evolução na tecnologia de tênis que a Nike também não percebeu.

Há uma década, os tênis mais rápidos eram minimalistas, batendo no chão a cada passada para estimular o desempenho máximo.

Desde então, eles aumentaram de tamanho e amortecimento, pois os designers acrescentaram camadas de superespumas macias e airbags para torná-los mais confortáveis e, ao mesmo tempo, manter a velocidade.

A mudança pode ser vista em todas as marcas, incluindo os modelos Bondi da Hoka e Cloudmonster da On, que apresentam as maiores e mais recentes inovações: placas de velocidade de carbono, espumas de retorno de energia e amortecedores de calcanhar.

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As empresas acumularam bilhões de dólares em vendas, enquanto os produtos de desempenho que saíam da sede da Nike diminuíam de ritmo.

A Nike também deu um passo em falso crucial com seus parceiros de varejo.

Em uma pesquisa realizada no ano passado, a RunStyle constatou que 75% dos corredores já têm uma marca em mente quando entram em uma loja para comprar um par de tênis, prontos para trocar para a próxima versão de qualquer modelo com o qual estejam acostumados.

A maioria dos compradores recorre a lojas especializadas em corrida e lojas de artigos esportivos, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado.

Reaproximação do varejo

Mas a Nike começou a se afastar desses locais em 2020 para priorizar suas próprias lojas e seu site. De repente, o espaço nas prateleiras de redes como Fleet Feet e Big 5 Sporting Goods ficou sem Nikes.

O vazio foi preenchido por concorrentes como Brooks, Asics, Mizuno, Saucony e Salomon, que se viram mais expostos do que nunca.

A Hoka se tornou um nome familiar e ultrapassou US$ 2 bilhões em receita em seu último ano fiscal.

A On abriu seu capital em 2021 e agora espera que suas vendas líquidas atinjam mais de US$ 3 bilhões neste ano.

Hill prometeu reconstruir as relações de varejo da Nike. Neste ano, a empresa voltou a vender na Amazon pela primeira vez desde 2019.

Na Foot Locker, um de seus parceiros mais importantes, os tênis Nike voltaram a ganhar destaque na frente das lojas pela primeira vez em anos.

“As percepções de nossos varejistas são realmente fundamentais”, disse Tanya Hvizdak, vice-presidente e general manager de corrida global da Nike.

Isso inclui “educação, feedback real e sua visão pessoal sobre o cenário competitivo. Estamos muito concentrados em reconquistar a confiança deles”.

A Nike também está aumentando seu alcance nos clubes de corrida, em que os corredores se encontram regularmente para treinar juntos.

Muitas das grandes marcas de roupas esportivas capitalizaram o crescimento dos clubes de corrida por meio de patrocínios e eventos comunitários.

Um grande teste para os esforços da Nike foi a Maratona de Nova York, em que cerca de 60.000 corredores saíram às ruas com praticamente todas as marcas de tênis de corrida nos pés.

Kipchoge, hoje com 41 anos e o maior embaixador de corrida da Nike, ficou na liderança durante a maior parte da corrida com protótipos de tênis desenvolvidos na sede da empresa.

No dia seguinte, Hill foi à sede da Nike na Quinta Avenida, onde os funcionários haviam enfeitado o andar térreo com equipamentos de corrida da Nike para um evento com Kipchoge, que usava um par de Vomeros retrô.

O endosso de Kipchoge é fundamental, mesmo no momento em que sua carreira entra em sua fase final.

Sibel Canlar, uma treinadora de corrida certificada de 41 anos que trabalha em uma empresa de private equity, disse que quando Kipchoge quebrou extraoficialmente a marca de duas horas na maratona usando Nike em 2019, ela se convenceu da marca e passou a usá-la desde então.

“Nunca mais experimentei outra coisa”, disse Canlar. “As pessoas mais rápidas do mundo correm com eles, e eu corro com eles.”

Os novos produtos estão começando a mostrar resultados.

Embora a Nike não divulgue consistentemente os números de vendas de seu negócio de corrida, os executivos disseram no último trimestre que as vendas aumentaram 20%, um sinal de que Hill impulsiona a marca na direção certa.

“Há dias em que sinto que estou correndo a 150 milhas por hora e há dias em que sinto que não estou indo rápido o suficiente”, disse Hill.

“A realidade é que nosso consumidor e nossa concorrência não estão sentados e esperando.”

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