Movido a café: volta ao escritório alavanca negócios da Nespresso no Brasil

Divisão da Nestlé cresce na esteira de mudanças de hábitos de consumo que se refletem na demanda de clientes corporativos por cafés de alta qualidade, diz Juliana Reis, Brand Manager da Nespresso para o Brasil, à Bloomberg Línea

Cápsulas da Nespresso: vendas são alavancadas por uso em escritórios para atender profissionais que voltam ao modelo presencial (Foto: Stefan Wermuth/Bloomberg)
06 de Agosto, 2025 | 05:00 AM

Bloomberg Línea — “Uma empresa sem café é como um motor sem combustível.”

Não faltam máximas do mundo corporativo para expressar a importância do café na vida - e na produtividade - do trabalhador.

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Para a Nespresso, divisão da Nestlé conhecida pelos cafés em cápsulas com grãos selecionados, tais frases de efeito poucas vezes fizeram tanto sentido como nos últimos meses e anos, com a volta do brasileiro ao escritório.

“No pós-pandemia, vemos um movimento no Brasil de democratização do café de alta qualidade, em casa e nos escritórios. Os hábitos de consumo estão mudando”, disse Juliana Reis, Gerente de Marca (Brand Manager) e Sustentabilidade da Nespresso para o Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.

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Nesse movimento, a marca - que não abre números absolutos de vendas no país - tem intensificado sua presença no mercado corporativo brasileiro por meio de contratos de comodato de máquinas de café expresso.

O comodato funciona como um aluguel sem custo, em que uma empresa cliente se compromete a adquirir um volume mínimo mensal de cápsulas, que são diferentes das utilizadas em máquinas para casa. Ou seja, derruba uma barreira de entrada de empresas para operação das máquinas.

Esse modelo de negócios elimina o investimento inicial em equipamentos, que podem custar entre R$ 800 e R$ 3.900, enquanto o faturamento para a Nespresso advém exclusivamente na venda de cápsulas - e mais do que compensa.

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Nos resultados do primeiro semestre, a Nespresso se destacou como divisão globalmente, com crescimento orgânico de 5,8% - com 3,8 pontos percentuais advindos de aumento de preços - e margem recorrente das operações comerciais de 21,9%, a maior entre as principais áreas de negócios da Nestlé.

As vendas globais chegaram a cerca de US$ 4 bilhões no período.

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Na avaliação da executiva, o café deixou de ser apenas “mais uma bebida” para se tornar também ferramenta de produtividade e bem-estar corporativo.

Entre as vantagens da máquina, segundo ela no pitch comercial, está a redução no tempo de pausa do trabalho: o preparo de cada xícara leva entre 25 e 40 segundos, contra 3 a 5 minutos do método coado tradicional.

A concorrência no segmento inclui marcas como Dolce Gusto (também da Nestlé), a italiana Illy e a brasileira 3 Corações, além de soluções mais simples de vending machines tradicionais, que ilustram um mercado em expansão em que o café se consolida como elemento estratégico do ambiente corporativo.

No caso da Nespresso no Brasil, os contratos de comodato exigem consumo mínimo de 150 cápsulas mensais para escritórios pequenos - e podem chegar a 2.000 unidades para corporações.

No segmento B2B, a cápsula mais barata custa R$ 2,80, o que totaliza R$ 450 para o volume mínimo de 150 unidades, segundo a executiva.

Essa mudança de hábito ocorre em um contexto de crescimento do mercado brasileiro de cafés, que é um dos maiores do mundo, atrás apenas do norte-americano - que se verá prejudicado com as tarifas de Donald Trump.

O consumo per capita de café no país é de cerca de 5 kg de café torrado e moído por ano, equivalente a aproximadamente 1.430 xícaras por pessoa.

Preferências do mercado corporativo

Entre as cápsulas da Nespresso mais consumidas no ambiente corporativo estão Ristretto (mais forte) e Leggero (mais suave), segundo a executiva.

As versões premium, como Master Origin e Carafe, custam entre R$ 4,32 e R$ 6,66 por unidade.

Já a linha mais procurada no Brasil é a Ispirazione Italiana, uma coleção inspirada nas técnicas de torra italianas, com destaque para Ristretto, Arpeggio, Roma, Livanto e Napoli.

“Os cafés inspirados em cafeterias italianas geralmente têm torra mais intensa. É o nosso carro-chefe no Brasil, o portfólio mais vendido”, contou Reis.

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A executiva apontou que pesquisas mostram que o brasileiro está mais acostumado com café intenso por hábito, embora haja uma tendência crescente de difusão dos cafés especiais. A empresa também tem apostado em cápsulas funcionais, com adição de vitaminas.

O perfil dos clientes corporativos varia conforme o setor.

Escritórios de advocacia e consultorias preferem cápsulas premium, enquanto startups e agências criativas consomem volumes altos de blends intensos. Corporações tradicionais optam por variedades equilibradas.

Coado é o preferido; cápsula, em segundo

A região Sudeste, que concentra sedes das maiores empresas e multinacionais com atuação no país, concentra 41,7% do consumo interno de café, seguida por Nordeste (26,9%), Sul (14,6%), Norte (8,8%) e Centro-Oeste (8%).

Pesquisa nacional da Universidade do Café em parceria com a Opinion Box revelou que praticamente um terço (31%) dos brasileiros que consomem café utilizam cápsulas como método de preparo.

O café coado ainda lidera ao alcançar 85% dos consumidores, mas as cápsulas ganham terreno ano a ano, apesar do custo mais elevado.

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Em 2024, o preço médio de cafés em cápsula teve aumento de 2,07%, ritmo inferior ao de cafés especiais (9,80%), gourmets (16,17%), superiores (34,38%) e tradicionais e extrafortes (34,38%).

Nos últimos quatro anos, o preço do café no varejo acumulou alta de 110%. Apesar da disparada dos preços, o consumo brasileiro cresceu 1,11% em 2024.

O faturamento anual da indústria é estimado em R$ 60,85 bilhões, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).

Plantação de café na fazenda da grama, em São Sebastião da Grama, São Paulo

Operação global com grãos brasileiros

A operação da Nespresso ilustra aparentes paradoxos do comércio internacional de café - assim como ocorre com outras commodities. A empresa importa café de 18 países e concentra a produção de cápsulas em três fábricas na Suíça.

Isso significa que o Brasil exporta o grão e importa a cápsula processada.

Para a multinacional suíça, não compensa abrir uma fábrica local no Brasil porque seu portfólio depende de grãos de diversas regiões do mundo. Além disso, existe no país restrição legal à importação de café.

Daniel Motyl, gerente regional de Qualidade Sustentável da Nespresso no Brasil, disse que a empresa compra anualmente cerca de 500 mil sacas de grãos de cooperativas e tradings do país.

Esses fornecedores são submetidos aos padrões do programa AAA, que estabelece práticas sustentáveis que incluem redução do uso de pesticidas e fungicidas, fertilização orgânica, renovação de áreas e arborização.

“Pagamos para as fazendas do programa AAA um incentivo pelo café embarcado que orresponde a um valor entre 5% e 10% do preço da saca. Hoje esse valor está em R$ 100”, disse Motyl.

O programa envolve cooperativas como a Cooxupé, que tem mais de 20.000 cooperados e recebe café produzido em mais de 330 municípios do sul de Minas Gerais, do Cerrado Mineiro, de Matas de Minas e do Vale do Rio Pardo.

Secagem de café na Fazenda da Grama, em São Sebastião da Grama, São Paulo

Estratégia de relacionamento

A Fazenda Cachoeira da Grama, localizada em São Sebastião da Grama, no interior do estado de São Paulo, próximo à divisa com Minas Gerais, exemplifica a estratégia de relacionamento da empresa.

A propriedade, fornecedora de café para a Bourbon Speciality Coffee e participante do programa Triple AAA, recebe visitas de clientes corporativos.

O roteiro inclui desde hotelaria até restaurantes e abrange o processo de produção e degustações de diferentes blends.

Rafael Gonçalves, agrônomo da Nespresso, acompanha um grupo de visitantes para conhecer a fazenda, do cafezal aos terreiros em que os grãos secam e depois são selecionados.

O seu trabalho é orientar produtores sobre práticas de manejo sustentável na lavoura, do uso de compostagem à recuperação de solo.

“A colheita do café começa em maio e vai até agosto. Em setembro, a Nespresso exporta os grãos para a Suíça”, disse Gonçalves.

Tatiana Nakamura, coffee ambassador da Nespresso, disse que o combate ao desperdício é um diferencial no consumo de café em cápsulas, além de permitir a sofisticação do paladar com a degustação de blends de café de qualidade.

“O brasileiro não vê o café como um alimento. Isso significa que joga na pia e desperdiça mais usando o coador”, afirmou.

Essa percepção ganha relevância no momento em que mudanças climáticas afetam a qualidade dos grãos e causam quebras de safra, em cenário que preocupa os maiores países produtores, como Brasil, Vietnã, Colômbia, Indonésia e Etiópia.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.