Bloomberg Línea — O Grupo Mover, nome atual da antiga Camargo Corrêa, apresentou um novo plano de recuperação judicial (RJ) com opções de pagamento que podem se estender por até 40 anos para alguns tipos de credores, o que se configura como um dos prazos mais longos do mercado brasileiro.
As informações constam em documentos protocolados na 1ª Vara de Falências de São Paulo e divulgadas neste domingo (5) em fatos relevantes enviados à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
O grupo entrou com pedido de recuperação judicial no fim do ano passado, com dividas então declaradas de R$ 14,3 bilhões. Laudo posterior de fevereiro deste ano, com data retroativa a setembro de 2024, apontou que o passivo era de R$ 21,1 bilhões.
O plano apresentado neste domingo envolve três holdings (Mover Participações, Sucea Participações e Sincro Participações).
Os ativos totalizam R$ 20,3 bilhões em cenário de liquidação forçada, mas o valor líquido disponível para credores é de R$ 3,59 bilhões.
Essa diferença decorre do passivo de R$ 21,1 bilhões da InterCement, controlada em recuperação judicial apartada, que consome R$ 16,7 bilhões dos ativos avaliados.
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A Mover detém participação de 14,86% da Motiva (CCRO3), ex-CCR e um dos maiores grupos de infraestrutura e transporte do país, operador de concessões da América Latina e dono de ativos como a Via Dutra, a Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo e o VLT Carioca.
Essas ações valem R$ 2,6 bilhões e representam 72% do valor líquido de R$ 3,59 bilhões. A venda dessa participação é considerada fundamental para viabilizar o plano. A empresa projeta receber R$ 900 milhões em 2026 de uma transação ainda não detalhada.
O plano oferece duas opções aos credores quirografários (sem garantias) financeiros.
Na alternativa A, eles receberiam os valores devidos em 30 anos, com correção pela TR (Taxa Referencial); na B, recebem até R$ 100 mil em um ano.
Para credores quirografários não financeiros, a alternativa A contempla o pagamento no 40º aniversário a partir da homologação do plano, ou seja, em 40 anos; ou até R$ 50.000 em 30 dias a partir da homologação.
Credores trabalhistas recebem até R$ 10.000 em 30 dias. Pequenas empresas têm limite de R$ 30.000. A estrutura anunciada favorece quem aceitar receber menos.
Pesquisa de 2017 da PUC-SP e da Associação Brasileira de Jurimetria, que analisou cerca de 200 casos de recuperação judicial em duas varas da Justiça na cidade de São Paulo, indica que o prazo médio para o pagamento de dívidas renegociadas é de 10 anos para a amostra analisada.
A Mover projeta receber R$ 102 milhões em dividendos da Motiva em 2025. Mas o histórico mostra instabilidade: foram R$ 842 milhões em 2024 e apenas R$ 50 milhões em 2021.
As despesas operacionais consomem 276% da receita prevista para 2025. O fluxo de caixa fica negativo em 9 dos 11 anos projetados
A crise se agravou quando o Bradesco BBI exerceu opção de compra de ações superior a R$ 3 bilhões em maio de 2024 depois que o grupo não conseguiu honrar o compromisso que tinha com o banco.
Uma tentativa de reestruturação extrajudicial fracassou, levando ao pedido de recuperação judicial em dezembro de 2024.
Venda do negócio de cimentos
A InterCement fica em processo separado com passivo de R$ 21,1 bilhões excluído da conta acima. A venda do negócio de cimentos é premissa-chave do plano.
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A origem da crise remonta a 2012, quando a então Camargo Côrrea comprou a cimenteira portuguesa Cimpor por cerca de 3 bilhões de euros, segundo o pedido de recuperação judicial.
Foi uma aposta em um crescimento que não veio como planejado, disse a empresa. O setor de cimento caiu 27,2% entre 2015 e 2018, enquanto o dólar e a taxa Selic subiram. As premissas não se confirmaram. Outras cimenteiras, como Grupo João Santos (Cimento Nassau) e Cimento Tupi, também pediram recuperação judicial no período.
Para o plano funcionar, várias condições precisam se confirmar simultaneamente: a venda da fatia na Motiva precisa ser realizada no preço esperado; o grupo precisa contar de fato com o ingresso de R$ 900 milhões decorrentes da transação não revelada em 2026; os dividendos precisam continuar a entrar; e, de forma fundamental, a maioria dos credores precisa aceitar os termos propostos.
Passivos contingentes trabalhistas, cíveis e tributários não foram detalhadamente quantificados, e processos judiciais podem levar a novos credores.
O laudo menciona depósitos judiciais de R$ 30 milhões, o que sugere litígios relevantes.
-- Reportagem atualizada em 07/10/2025, às 18h23, para incluir no primeiro parágrafo que o prazo de até 40 anos se aplica a algumas classes de credores, e para incluir o dado da pesquisa da Associação Brasileira de Jurimetria, sobre os prazos de pagamentos de dívidas em casos de RJ, no 13º parágrafo.
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