Israel x Irã: os efeitos sobre preços e oferta de mercado e política da Petrobras

Escalada dos ataques entre os países traz impactos às cotações, atenção a eventos como eventual bloqueio no Estreito de Ormuz e levanta novamente o foco sobre a política de preços da estatal brasileira, segundo especialistas à Bloomberg Línea

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Bloomberg Línea — A rápida escalada do conflito entre Israel e Irã pode trazer impactos significativos ao mercado global de petróleo, com efeitos no Brasil e na América Latina.

No último final de semana, Israel atacou refinarias de petróleo e depósitos de combustível importantes em Teerã. O Irã é o quarto maior produtor de óleo e gás do mundo, com cerca de 3,2 milhões de barris por dia (bpd) de produção, sendo quase 2 milhões destinados à exportação.

Segundo o vice-presidente e analista de geopolítica e macroeconomia da Rystad Energy, Raphael Faucz, o cenário atual representa risco de pressão altista nos preços, com impactos a depender da duração e da intensidade do conflito.

Ele disse que o mercado tem reagido com seletividade em relação aos conflitos na região do Oriente Médio.

Eventos como o início dos bombardeios em Gaza por Israel em resposta ao ataque do Hamas, em outubro de 2023, ou o disparo de mísseis entre Israel e Irã em abril de 2024, geraram apenas movimentos temporários no setor de óleo e gás, muito mais ligados à percepção de risco tático do que a uma escalada real.

“O cenário atual é completamente diferente. O Irã, um dos maiores produtores globais, está diretamente no centro do conflito. Isso muda a percepção de risco, pois, além de as exportações iranianas estarem sob ameaça, existe também o risco real de disrupção no Estreito de Ormuz”, explicou.

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De acordo com o especialista, o principal foco de preocupação do mercado é o terminal de Kharg, que responde por mais de 90% das exportações de petróleo do Irã (cerca de 1,9 milhão de bpd), majoritariamente destinados às refinarias independentes da China.

“Qualquer dano a Kharg retiraria volumes relevantes de um mercado que já opera apertado no balanço de [óleos] médios e pesados”, disse.

Ele acrescentou que ainda mais crítico é o risco sobre o Estreito de Ormuz, por onde transitam cerca de 30% de todo o comércio marítimo global de petróleo cru, além de volumes significativos de gás natural liquefeito (GNL).

Esse fluxo inclui não apenas o petróleo iraniano mas também exportações da Arábia Saudita, Emirados Árabes, Kuwait, Iraque e Catar.

“Embora existam rotas alternativas, como o oleoduto East-West da Arábia Saudita e o oleoduto de Fujairah nos Emirados, essas opções não cobrem sequer um terço dos volumes que cruzam Ormuz diariamente. Isso deixa o mercado extremamente sensível a qualquer sinal de disrupção”, ressaltou.

Por outro lado, o especialista disse acreditar que uma disrupção prolongada no Estreito de Ormuz não interessa estrategicamente a nenhum dos atores envolvidos, mesmo ao Irã.

“Isso teria consequências econômicas devastadoras também para Teerã, que depende desse canal tanto para exportações quanto para a entrada de bens essenciais.”

Adicionalmente, o VP da Rystad Energy afirmou que qualquer tentativa iraniana de bloquear Hormuz acionaria uma resposta militar praticamente automática dos Estados Unidos e de coalizões internacionais, algo que já ocorreu em outros momentos históricos.

“O mercado entende que, embora o risco exista, seria um choque severo, mas provavelmente temporário”, ponderou.

Faucz afirmou que há um movimento massivo de busca por proteção contra possíveis altas súbitas (“spikes”) de preços no curto prazo, com o aumento das opções de compras (“calls”).

“Isso mostra que o risco não está sendo precificado como estrutural para os próximos trimestres, mas, sim, como um evento extremo, com potencial de gerar alta aguda e passageira, especialmente se Ormuz ou Kharg forem efetivamente atingidos”, destacou.

Segundo relatório da consultoria Wood Mackenzie, antes do ataque de 13 de junho, o Brent era negociado entre US$ 68 e US$ 69 e agora tem sido negociado em torno de US$ 75, com um prêmio de US$ 5 a US$ 7 por barril.

Os especialistas da consultoria destacaram que o mercado está precificando uma resposta iraniana aos ataques de Israel.

“Supondo que o Irã espere para responder, estimamos que parte do prêmio de risco diminua nas próximas semanas”, disseram em relatório.

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No curto prazo, a Rystad vê volatilidade elevada nos preços do barril, com manutenção de um prêmio de risco significativo e uma possibilidade concreta de novos spikes, caso haja ataques à infraestrutura crítica do Irã ou uma escalada regional do conflito.

“No médio prazo, porém, o mercado entende que uma disrupção prolongada não é do interesse nem do Irã nem das potências ocidentais, o que limita uma escalada indefinida dos preços.”

Brasil e América Latina

Na América Latina, Faucz apontou que não há impacto relevante sobre o suprimento físico para o Brasil ou para a região, que não depende do petróleo iraniano nem de volumes que passam por Ormuz.

As importações de diesel, por exemplo, vêm majoritariamente dos Estados Unidos e da Rússia, sem dependência logística relevante do Golfo Pérsico.

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Em sua visão, o impacto do conflito é indireto, via preço.

“De um lado, o prêmio de risco no mercado internacional beneficia os exportadores da região, como Brasil e Argentina, que têm volumes crescentes de petróleo para venda”, afirmou. “Por outro lado, pressiona os preços internos de derivados, como gasolina e diesel.”

Nesse contexto, ele afirmou que, no Brasil, a guerra potencial levanta novamente a questão sobre a precificação de combustíveis da Petrobras (PETR3, PETR4).

“Isso naturalmente reacende a discussão sobre a política de preços e seus critérios de repasse ao mercado doméstico”, disse.

Prolongamento do conflito

Caso o conflito perdure por mais tempo, o analista da Rystad afirmou que o prêmio de risco continuará embutido na curva de preços.

No entanto isso não deve se distribuir de forma linear: os contratos de curto prazo (até três meses) subiram cerca de 10%, enquanto os vencimentos mais longos (12 meses ou mais) subiram aproximadamente metade disso. Isso fez com que os preços à vista (spot) ficassem muito mais pressionados.

Faucz explicou que, embora os produtores de shale gas nos Estados Unidos sejam candidatos naturais a responder rapidamente a preços mais altos, a tomada de decisão de ampliar a produção não é tão simples.

A atual distorção da curva, com preços spot mais altos e futuros moderados, torna novos projetos de shale menos atrativos financeiramente.

“Além disso, a indústria de shale hoje é estruturalmente menos elástica ao preço do que foi no passado. As empresas priorizam geração de caixa, retorno ao acionista e disciplina financeira e não crescimento a qualquer custo”, disse.

“Portanto, não vemos uma reação acelerada dos produtores de custo mais alto, a menos que esse prêmio se sustente também nos vencimentos longos.”

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