Bloomberg Línea — Maior plataforma de delivery do país, o iFood acaba de dar mais um passo - ou três de uma vez - em sua estratégia de ampliar a sua posição no mercado alimentar, com a aquisição da operação de três empresas que oferecem sistemas de gestão para restaurantes: a Opdv, a Saipos e a 3S Checkout.
O movimento, ao qual a Bloomberg Línea teve acesso de forma exclusiva, representa um ganho de relevância no salão dos estabelecimentos e um impulso para a conexão em várias pontas da cadeia de negócios.
No ano passado, o iFood anunciou a vertical iFood Salão, com totens para pedidos e lançamento de maquininha própria, a “maquinona”, com uma ferramenta de gerenciamento de relacionamento com o cliente (CRM).
Leia mais: O iFood chegou a 100 milhões de pedidos no mês. O CEO diz por que é só o começo
As vendas nos espaços físicos de bares e restaurantes responderam por 66,5% da receita dos estabelecimentos do país, de acordo com dados da consultoria Euromonitor International. O delivery fica com os 33,5% restantes.
Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o setor movimentou R$ 455 bilhões no ano passado.
A chegada das três novas companhias à plataforma do iFood vai permitir uma imersão ainda maior na “cozinha” dos negócios, com módulos que vão desde o controle de atendimento no salão à gestão de estoque, de inventário, do fluxo de vendas e de informações financeiras.
Os acordos foram fechados com a aquisição de 100% da operação e os fundadores continuarão no comando dos negócios. Os valores não foram revelados.
“Nós temos uma visão muito clara de que a beleza desse negócio está em conseguir integrar o mundo online e offline para aumentar transparência, eficiência e redução da ociosidade dos restaurantes”, disse Diego Barreto, CEO da iFood, à Bloomberg Línea.
De acordo com ele, a vertical de salão tem o potencial de chegar a 10% da receita da companhia nos próximos três anos, partindo de uma base atual de 1,5%.

O principal valor estratégico, porém, está em quanto a divisão de negócios pode agregar na tese de ecossistema, ao fornecer mais informações e possibilidade de integração. A expectativa é que esse efeito multiplicador abranja 80% da base de restaurantes, atualmente em 380 mil.
“Por exemplo, nós batemos esse mês R$ 130 milhões em empréstimos para o restaurantes, com um prazo médio de 18 meses. Não existe no Brasil ninguém com oferta para pequenos e médios restaurantes que empresta essa volumetria mensal em um prazo desse”, afirmou Barreto.
“Fazemos isso porque, com uma integração do online com offline, enxergamos melhor o restaurante. Apesar de não dispor de uma boa leitura do risco financeiro, eu tenho uma boa leitura operacional.”
O anúncio das transações ocorre em um momento em que o mercado de delivery recebe as notícias de novas plataformas, como o potencial desembarque da chinesa Meituan e o retorno da 99Food.
“O movimento não tem a ver com concorrência. Imagina que um M&A, em média, leva entre um ano e um ano e meio. Essas discussões estão acontecendo muito antes de qualquer notícia sobre a entrada de competidores. É uma construção natural da proposta de valor”, disse.
Leia mais: iFood do futuro? Fabricio Bloisi acelera planos de superapp europeu na Prosus
O perfil das empresas adquiridas
Cada uma das três operações adquiridas dialoga com um perfil diferente de restaurante.
A porto-alegrense Opdv, com foco em estabelecimentos menores, será integrada ao AnotaAí, plataforma pedidos por whatsApp adquirida pelo iFood em 2022 e que hoje com mais de 70.000 restaurantes conectados.
Também gaúcha, a Saipos, de São Leopoldo, ficará com a sua base de restaurante com um nível intermediário de demanda, enquanto a paulista 3S Checkout se enquadra no último estágio, com as grandes contas.
A carteira de clientes inclui uma base com nomes como Cia Tradicional do Comércio - dona de Astor, Pirajá, Bráz e Lanchonete da Cidade -, Burger King e Rascal.
Segundo informações da Euromonitor, a indústria de foodservice brasileira é feita, sobretudo, por pequenos negócios e empresas familiares, que representam 91% de toda a cadeia. Apenas 9% participam de alguma rede, com 10 ou mais estabelecimentos.
De acordo com Thiago Silva, diretor de Inovação e M&As do iFood, a decisão de trazer as plataformas de software para “dentro de casa” foi motivada pela visão de que o mercado é muito fragmentado e carente de opções.
Leia mais: Prosus, liderada por Fabricio Bloisi, acerta compra da Decolar por US$ 1,7 bilhão
“Nós entendemos que se tem um monte de gente que não usa nada, vários estabelecimentos não estão felizes com a solução que implementaram e, mesmo quem tem dinheiro para aportar, precisa fazer isso por fora sem nenhum tipo de auxílio, precisávamos construir um portfólio em que atendemos muito bem esses parceiros”, disse à Bloomberg Línea.
A estimativa dentro do iFood é que apenas 30% dos estabelecimentos brasileiros fazem uso hoje de gestão para a gestão das operações, enquanto os demais se desdobram entre anotações em cadernos e planilhas.
Nas três aquisições, as operações continuarão independentes, de acordo com o iFood, e manterão a autonomia para a oferta dos serviços e produtos, incluindo a integração com plataformas concorrentes.
A principal mudança acontecerá com a Opdv, que será imediatamente integrada com a Anota AI, que atua com estrutura independente do iFood. A incorporação do Anota AI, inclusive, será o modelo a ser seguido nessas novas transações, com manutenção da marca e das operações separadas.
A nova lancha
Desde que entrou para o ecossistema do iFood em 2022, o Anota AI cresceu cinco vezes em receita e saltou de 3.000 restaurantes para 70.000 cadastrados - em parte, por ter conquistado maior musculatura financeira e usar do ecossistema interno para acelerar o desenvolvimento de tecnologias.
“Nós aportaremos valor, principalmente, em tecnologia e na capacidade de distribuição, apresentando a mais restaurantes da nossa base. E vamos evoluir a integração que eles têm com o iFood a partir desse novo produto que vamos criar”, afirmou Leandro Viana, diretor da frente de serviços para o salão no iFood.
“Isso é importante para o restaurante justamente entender o que é o marketplace e o que são essas soluções nas quais estamos investindo para transacionar os pedidos de salão.”
As três empresas já trabalhavam como parceiras do iFood e estavam bem posicionadas como integradoras. A decisão de compra, internamente chamada de “investimento”, busca acelerar o potencial de escala desses negócios e do próprio iFood nos espaços físicos.
“Nós iremos ajudar no ‘topo de funil’, a partir da geração de leads para dentro do restaurante. E na conversão, na hora em que monto uma boa estrutura de pedido que seja a mais fácil possível - inclusive, pagamentos é algo que vai entrar dentro dessa estrutura”, disse Viana.
“E, terceiro, é a forma como eu garanto que toda essa venda gere lucro, dado que apoio o restaurante a fazer uma boa gestão de inventário.”
No universo do iFood, que usa o termo “jet ski” para novos projetos que coloca em campo para teste, o salão começa a ganhar outro patamar e a se transformar em uma ‘lancha’, dentro de um negócio que cresceu 22% e fechou 2024 com US$ 1,2 bilhão em receita, excluindo fusões e aquisições. O lucro operacional da empresa aumentou 249% em moeda local e fechou em US$ 96 milhões.
Leia também
Rappi atingiu níveis de lucro que permitem pensar em IPO, diz cofundador
China e modelo open source serão as vencedoras da IA, diz CEO do Web Summit
Com preço do carro ainda elevado, locadoras têm desafio de repasse de tarifas