Bloomberg Línea — Duas gigantes latino-americanas protagonizam uma disputa cada vez mais acirrada pela preferência das finanças e dos bolsos de consumidores da região.
Ao mesmo tempo, outros players - de incumbentes a novas fintechs - também buscam avançar de maneira ampla ou com estratégia segmentada, o que torna a região palco de uma batalha que salta aos olhos globais.
Em um dos capítulos mais recentes, o Mercado Pago surpreendeu ao anunciar Anitta como sua nova embaixadora, com direito a indiretas ao Nubank (NU), parceiro da cantora, empresária e celebridade global.
A fintech do Mercado Livre (MELI) ainda elevou inicialmente a atratividade de seu “cofrinho”, modalidade de reserva de investimentos, ao oferecer rendimentos equivalentes a até 112% do CDI para atrair novos clientes.
O Nubank, pioneiro na iniciativa com as “caixinhas”, reagiu, elevando seu rendimento para 115%.
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No espaço de um mês, os dois concorrentes igualaram o rendimento dos “cofrinhos” para 115% e criaram modalidades com rendimento de até 120% do CDI mediante certas condições – como ser cliente Ultravioleta, segmento de alto padrão do Nubank, ou assinante do Meli+, serviço de assinatura do Mercado Livre.
A remuneração da conta se tornou ao longo dos últimos um dos principais mecanismos para atração de clientes e de seus recursos, o que foi exacerbado pelos anos seguidos de juros acima de 10% ao ano - deixá-los parados significa literalmente perder dinheiro.
A disputa, no entanto, vai além dos rendimentos e faz parte de uma batalha maior: a conquista da principalidade bancária na América Latina.
No Brasil, onde o consumidor mantém, em média, seis contas bancárias, conquistar o status de ser o banco principal abre as portas para uma receita mais alta e diversificada, com um leque maior de produtos financeiros contratados, além de, em geral, menores índices de inadimplência em caso de crédito.
Alcançar esse nível estratégico de relacionamento é o objetivo central não apenas das fintechs mas de todos os bancos.
O Mercado Pago diz que não está avançando sobre a base do Nubank – ao menos por enquanto.
Segundo Osvaldo Gimenez, presidente global da fintech do Mercado Livre, o crescimento de 34% no número de clientes no último ano veio essencialmente de usuários que migraram dos grandes bancos de varejo para pares digitais.
“Nossa missão é ser o maior banco digital da América Latina e temos crescido muito onde temos atuação. Em algumas delas, já somos líderes no segmento, como é o caso da Argentina”, disse o executivo a jornalistas em evento no final de abril.
O Mercado Pago tem hoje 64 milhões de usuários na região, distribuídos em oito países: Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru, Uruguai e Venezuela.
O Nubank, por sua vez, alcançou a marca de 118,6 milhões de clientes ao fim do primeiro trimestre deste ano – alta de 19% em base anual –, o que consolida o seu status de maior banco digital da América Latina.
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Recentemente, o banco liderado por David Vélez conseguiu a licença para operar como banco no México, segunda maior economia da América Latina, o que tende a acelerar a conquista de novos clientes e o seu engajamento com eles.
A oferta de remunerar o dinheiro deixado em conta pode fazer parte também da estratégia de funding de instituições financeiras, dado que são recursos a custo mais baixo do que muitas fontes de capital.
O PagBank é outro banco brasileiro que oferece rendimento para os recursos deixados em conta - o equivalente a 100% do CDI quando fica 30 dias.
O Inter, por sua vez, se destaca na “corrida” com Nubank e Meli com sua expansão pela América Latina. O banco digital presente no varejo anunciou em março deste ano uma parceria com o grupo financeiro Bind, da Argentina, para entrar no mercado vizinho. O Inter tem atualmente 37,7 milhões de clientes.
No caso do Inter, não há rendimento do dinheiro parado na conta, mas há instrumentos como o acesso a um CDB com liquidez diária, que paga o equivalente a 100% do CDI.
A fintech britânica Revolut também está de olho na região. Depois de iniciar operação no Brasil em 2023, a empresa anunciou expansão para México e Colômbia no ano passado, inicialmente focada em remessas internacionais para depois entrar com outros produtos. A Revolut tem 55 milhões de clientes no mundo.

Busca pela liderança em LatAm
O Mercado Pago voltou a mirar seu país de origem e anunciou, na última semana, que irá solicitar licença bancária ao banco central argentino, nos mesmos moldes do que foi solicitado em outros mercados-chave, como Brasil e México.
“Vemos o movimento como um próximo passo natural na consolidação de sua liderança no setor de serviços financeiros do país”, afirmaram analistas da equipe de equity research do Itaú BBA em relatório.
“Embora não seja uma mudança estratégica, sinaliza um marco importante no esforço de longa data da MELI para formalizar e expandir seu modelo bancário na América Latina, refletindo os esforços já em andamento no Brasil e no México”, escreveram os analistas.
O BBA estima que a Argentina é o mercado mais lucrativo da MELI, com margens de contribuição de mais de 40%, contra cerca de 20% no Brasil e 18% no México.
O Nubank, por sua vez, tem no Brasil seu principal mercado. São 104,6 milhões de clientes no Brasil, que representam 88% da base. Outros 11 milhões de clientes estão no México, e a Colômbia conta com 3 milhões de usuários.
O mercado brasileiro também tem peso maior no resultado em diferentes métricas.
“A maior diferença [entre Nubank e Mercado Pago] é que nos tornamos o banco principal para grande parte de nossos clientes”, disse o CEO global e cofundador do Nubank, David Vélez, à Bloomberg News em dezembro de 2024.
“Esse não é o caso do Mercado Pago. Eles são uma carteira na qual você deixa dinheiro e obtém crédito. Há um valor nisso, mas é uma estratégia fundamentalmente diferente”, disse na ocasião.
O Nubank estima que 59% de seus clientes no Brasil tenham a fintech como seu banco principal. Cada instituição mede a principalidade de acordo com critérios próprios, e, no banco digital de Vélez e Cristina Junqueira, a métrica considera os clientes que transferem mais de 50% de sua renda líquida para lá.
O Mercado Pago, por sua vez, não abre números nem critérios de principalidade, mas estima ter 32 milhões de usuários com algum tipo de tomada de crédito com o banco.
“Seria uma métrica aproximada de principalidade, que totaliza 52% da base”, afirmou Larissa Quaresma, analista da Empiricus.
A expectativa é que parte dos R$ 34 milhões anunciados pelo Mercado Livre para investimento no Brasil neste ano seja alocado para acelerar os planos de expansão da fintech, que já responde por 44% do faturamento do grupo.
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O Mercado Livre registrou lucro líquido de US$ 494 milhões no primeiro trimestre de 2025, alta de 44% em 12 meses. Foram US$ 5,9 bilhões em receita líquida – US$ 2,6 bilhões referentes ao Mercado Pago.
Já o Nubank reportou um lucro líquido de US$ 557,2 milhões no primeiro trimestre, um crescimento de 74% em relação ao ano anterior. Em receita, o aumento foi de 40%, para US$ 3,2 bilhões no trimestre.
O que dizem os analistas
Apesar da atuação no mesmo setor, os modelos de negócio das duas fintechs têm diferenças que impedem uma sobreposição completa.
O Nubank nasceu com foco em cartão de crédito e mantém base de clientes majoritariamente com pessoas físicas, com a liderança em crédito ao consumidor. Tem também uma atuação em pessoa jurídica, mas que proporcionalmente tem um peso menor no resultado da instituição.
O Mercado Pago, enquanto isso, tem penetração maior entre micro e pequenas empresas, herança de seu foco inicial em vendedores - os sellers - do marketplace do Mercado Livre. Esse público que já tem relacionamento com a plataforma acaba sendo levado também para a conta pessoa física.
O crescimento no crédito para PF é, a propósito, uma das avenidas de crescimento que analistas têm destacado como vantagem competitiva do Mercado Pago.
“Embora o Nubank tenha uma base maior de clientes ativos, o Mercado Pago está crescendo mais rápido, com espaço para aumentar as operações de crédito ativas por cliente”, avaliaram analistas do Citi.
Em relatório divulgado no início deste ano em que faz a comparação das métricas das fintechs, o banco reiterou recomendação de venda para Nubank e de compra para Mercado Livre.
“As visões se baseiam nas perspectivas contrastantes de crescimento, em que o Nubank parece estar desacelerando, devido à potencial saturação de cartões de crédito, enquanto o Mercado Livre está em estágio inicial [de expansão nessa frente]”, apontaram analistas do Citi.
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Por outro lado, analistas de equity research do JP Morgan enxergam o crescimento da carteira de crédito como um desafio para a fintech argentina - e mantém recomendação neutra para as ações do grupo.
“O Mercado Livre ainda está em fase de investimento. É improvável que atinja ou supere as estimativas de consenso, dados os crescentes gastos com logística e a expansão do negócio de cartão de crédito, que apresenta uma margem estruturalmente menor”, escreveram.
O JPMorgan não comparou as métricas dos dois bancos digitais, mas, em relatório separado sobre o Nubank, reforçou a recomendação overweight (equivalente à compra) para as ações.
Entre os pontos citados, os analistas do banco de Wall Street destacaram a melhora na margem líquida de juros no Brasil e a perspectiva de melhora nos números do México a partir do segundo trimestre deste ano.
O Nubank tem valor de mercado de US$ 57,9 bilhões, e é o segundo banco com maior valor de mercado da América Latina, atrás do Itaú (ITUB4). Entre os analistas que cobrem a ação, 13 recomendam compra, sete têm recomendação neutra e outros três recomendam a venda do papel. As ações sobem 5,76% no ano.
Já o Mercado Livre é a empresa mais valiosa da região, avaliada em US$ 129 bilhões. São 27 recomendações de compra para o papel, contra uma neutra e uma de venda. As ações têm alta acumulada de 45,23% em 2025.
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