Guerra de preços de carros elétricos chega ao Brasil com modelo de entrada da BYD

Depois que montadora chinesa passou a vender seu modelo compacto por R$ 149.800, concorrentes como CAOA Cherry e JAC Motors reduziram seus preços

Loja de concessionária da BYD em São Paulo
28 de Julho, 2023 | 02:54 PM
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Bloomberg Línea — A estratégia agressiva da montadora chinesa BYD, uma das líderes globais em vendas de carros elétricos, mexeu com o mercado brasileiro. Além do plano de investir R$ 3 bilhões na produção local, a companhia trouxe um compacto 100% elétrico para brigar no segmento mais demandado no país. Após seu lançamento, os preços de modelos da concorrência sofreram reduções.

Até o final de junho, a gigante chinesa só atuava com SUVs e sedãs no Brasil, mas o lançamento do compacto 100% elétrico Dolphin por R$ 149.800 levou o segmento para outro patamar de preços.

Em apenas um mês, a montadora vendeu 3.000 unidades do modelo no país.

Com carga cheia da bateria, o Dolphin promete rodar “no mínimo” 294 quilômetros. O modelo, segundo a marca, acelera de 0 a 100 km/h em 10,9 segundos e atinge velocidade máxima de 160 km/h.

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Para crescer no Brasil, a marca conta com 24 concessionárias em operação no país. Segundo a montadora, 66 unidades foram nomeadas nas principais cidades brasileiras e a previsão é alcançar 100 pontos de vendas até o final de 2023.

Enquanto isso, a concorrência passou a se movimentar de olho na briga pelo consumidor. O compacto 100% elétrico ICAR, da CAOA Chery, passou de R$ 149.990 em junho para R$ 139.990 em julho, segundo levantamento da consultoria automotiva JATO Dynamics. Uma queda de 6,7%.

Já o compacto E-JS1 da JAC Motors teve uma redução de R$ 10.000 na mesma base de comparação, de R$ 164.900 para R$ 154.900. Uma redução de 6,1%.

Embora da categoria de SUVs, o híbrido Tiggo 8, da CAOA Chery, também registrou uma queda de preços da ordem de R$ 30 mil na passagem de junho para julho, de R$ 269.990 para R$ 239.990. Uma variação negativa de 11,1% no período.

Interior do BYD Dolphin, primeiro compacto comercializado pela marca no Brasil. Foto: BYD/Divulgação

“Em cinco anos, queremos estar na liderança do mercado geral, não só de elétricos no Brasil. Esse é o nosso objetivo”, afirmou o conselheiro da BYD no país, Alexandre Baldy, em entrevista à Bloomberg Línea.

A marca é líder em vendas no mercado chinês, o maior do mundo tanto em veículos elétricos quanto a combustão, e tem encostado na Tesla (TSLA) globalmente nos últimos meses. Em 2022, a chinesa comercializou 1,85 milhão de veículos eletrificados globalmente, sendo metade de híbridos e o restante 100% elétricos.

“Somente em junho vendemos 253 mil veículos [globalmente], somos a montadora que mais cresceu no mundo, com um desempenho surpreendente”, afirma Baldy.

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Na visão do diretor de desenvolvimento de negócios da JATO, Milad Kalume Neto, a chegada da BYD com proposta de produção local mexeu com o mercado.

“A BYD é a montadora de elétricos mais importante da China e veio para o Brasil com preços competitivos. Isso causou um rebuliço no mercado, impactando diretamente os competidores. O brasileiro gosta de preço”, afirma o especialista.

A chinesa se comprometeu a comprar a fábrica da Ford, em Camaçari (BA), e viabilizar uma capacidade de produção de 150 mil veículos por ano. A expectativa é começar a produzir localmente no último trimestre de 2024, relata Baldy.

Ele espera que o processo de aquisição da fábrica da Ford seja concluído em cerca de 60 dias. “É o período de diligências, um tempo normal para uma negociação como essa”, diz o executivo.

Mercado de elétricos no Brasil

Atualmente, quase 20 marcas comercializam veículos elétricos e híbridos no Brasil, mas a maioria dos modelos é considerada “premium” – acima de R$ 250 mil.

O líder em vendas desse mercado no país é o Kwid 100% elétrico, da Renault, considerado um subcompacto: o modelo custa R$ 149.990. Uma parcela desses emplacamentos é fruto de uma parceria da montadora para o setor de locação, principalmente para utilização por motoristas de aplicativo.

De acordo com Kalume, o brasileiro que compra -- ou aluga -- um elétrico tem um perfil de uso intenso do automóvel. “São pessoas que rodam muito com o veículo, utilizando como negócio, como os motoristas de aplicativo”, esclarece.

Além da economia de combustível, a manutenção dos carros eletrificados é menor, já que têm um número reduzido de peças. No caso dos modelos premium, o apelo é a sustentabilidade.

Ele acrescenta que os carros elétricos despertam mais interesse nas grandes capitais, majoritariamente em regiões centrais. Isso porque ainda há a necessidade de expansão dos pontos de recarga, um obstáculo para o crescimento da modalidade no Brasil. São aproximadamente 2.500 pontos no país.

Em 2022, as vendas de elétricos e híbridos no Brasil alcançaram 50,3 mil unidades, cerca de 3,1% do total emplacado no país. No ano anterior, o volume comercializado foi de 38,7 mil unidades.

Já no acumulado de 2023 até junho, as vendas de eletrificados somaram 33,4 mil veículos. “Essa é uma tendência do mercado. Não vejo risco de os números de vendas de elétricos voltarem para trás no Brasil”, diz Kalume.

Plano agressivo

O memorando de entendimento assinado pela BYD com o governo da Bahia foi o pontapé inicial para o ambicioso projeto da montadora chinesa. Segundo Baldy, a política de incentivos do governo estadual prevê a verticalização da produção local, com possível atração de novos fornecedores ao polo de Camaçari.

“Vamos estimular todos os fornecedores que tenham capacidade de produzir nossas partes e peças a vir para dentro do nosso polo industrial”, diz o executivo.

A produção da montadora no país deve começar com dois modelos, um puramente elétrico e outro híbrido a etanol. “Estamos desenvolvendo o híbrido a etanol desde que decidimos por esse investimento. Isso demonstra a importância do Brasil para o grupo”, destaca.

A ideia também é exportar a partir do polo baiano. “Os nossos carros produzidos na Bahia poderão partir para toda a América Latina”, diz Baldy. Hoje, a BYD já comercializa carros na região.

A montadora também pretende investir no negócio de lítio no país, mineral vital para a produção de baterias. Segundo o executivo, a empresa está olhando minas já existentes e também projetos greenfield (totalmente novos), como investidor direto ou não.

Ele acrescentou que a BYD já está em conversas com empresas de lítio no Brasil, inclusive para potenciais contratos de fornecimento do insumo. “Essa é uma alternativa caso a extração em si não prospere”, disse.

A BYD já possui uma fábrica de módulos de bateria em Manaus (AM), destinados à montagem dos ônibus elétricos da marca fabricados em Campinas (SP). “A fábrica de baterias continuará em Manaus, não há a intenção de levar a produção para Camaçari”, diz Baldy.

Próximos passos

Além de concluir a transação com a Ford, a BYD tem pela frente a atualização da planta em termos de projetos. “Já vieram 27 chineses para avaliar a infraestrutura da fábrica em Camaçari, para sua adequação. Depois disso, é focar no investimento”, observa o executivo.

Ele acrescenta que o governo federal demonstrou que a agenda de sustentabilidade é uma prioridade, bem como o estímulo à reindustrialização do país. “Acreditamos que vamos ter um ambiente de negócios propício para produzir no país. Sobre o capital para o investimento não há risco, o dinheiro virá todo da China”, diz.

Kalume afirma que, diferentemente de alguns anos atrás, o custo de produção de veículos elétricos está menor, um ponto a favor para a montadora chinesa. “A BYD já examinou a situação do mercado brasileiro, seu plano parece factível. E a empresa estará num lugar estratégico, no Nordeste, com fácil acesso à toda a região para exportar.”

*Todos os preços são com data base de 24 de julho de 2023.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.