Guerra de preços da BYD leva a acerto de contas para carros elétricos na China

Montadoras chegam a vender carros novos como usados para reduzir os estoques, em quadro de excesso de oferta, indústria com elevada capacidade ociosa e queda na demanda do consumidor

Por

Bloomberg — A guerra de preços que tomou conta da indústria de veículos elétricos da China já derrubou os preços das ações do setor e provocou um nível incomum de intervenção de Pequim. E o abalo pode estar apenas no começo.

Apesar de todos os esforços do governo chinês para impedir que os cortes de preços da líder de mercado BYD se transformem em uma espiral viciosa, analistas dizem que uma combinação de demanda mais fraca e excesso extremo de capacidade reduzirá os lucros das marcas mais fortes e forçará os concorrentes mais fracos a fecharem as portas.

Mesmo depois que o número de fabricantes de veículos elétricos começou a diminuir pela primeira vez no ano passado, a indústria ainda está usando menos da metade de sua capacidade de produção.

Leia mais: Quebra de concessionárias da BYD acende alerta no setor automotivo da China

As autoridades chinesas estão tentando minimizar as consequências e repreendem o setor pela “competição desenfreada” - também convocaram chefes de grandes marcas para Pequim na semana passada.

No entanto, tentativas anteriores de intervenção tiveram pouco sucesso.

Pelo menos a curto prazo, os investidores apostam que poucas montadoras escaparão ilesas: a BYD, indiscutivelmente a maior beneficiária da consolidação do setor, perdeu US$ 21,5 bilhões em valor de mercado desde que suas ações atingiram o pico no final de maio.

“O que estamos vendo na China é preocupante, porque há uma falta de demanda e cortes extremos de preços”, disse John Murphy, analista automotivo sênior do Bank of America. Por fim, haverá uma “consolidação massiva” para absorver o excesso de capacidade, observou Murphy.

Para os fabricantes, os descontos contínuos ​​corroem as margens de lucro, prejudica o valor da marca e força até mesmo empresas bem capitalizadas a posições financeiras consideradas insustentáveis.

Produtos de baixo preço e baixa qualidade podem prejudicar seriamente a reputação internacional dos carros “Made in China”, observou o Diário do Povo, um veículo controlado pelo Partido Comunista.

Leia mais: BYD corta preços em até 34% na China e gera alerta de ‘concorrência desleal’ no setor

E esse impacto negativo viria logo no momento em que modelos da BYD, da Geely, da Zeekr e da Xpeng começam a ganhar elogios no cenário mundial.

Para os consumidores, as quedas de preços podem parecer benéficas, mas mascaram riscos mais profundos.

Preços imprevisíveis desestimulam a confiança a longo prazo: já há reclamações de consumidores nas redes sociais da China, questionando por que deveriam comprar um carro agora, quando ele pode estar mais barato na próxima semana.

Ao mesmo tempo, há uma chance de as montadoras, ao cortarem custos para se manterem no mercado, reduzirem o investimento em qualidade, segurança e serviço no pós-venda.

Os CEOs do setor automotivo foram informados na semana passada que devem se “autorregular” e não devem vender carros abaixo do custo ou oferecer cortes de preços irracionais, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto que falaram com a Bloomberg News.

Carros novos vendidos como usados

A questão dos carros com quilometragem zerada também surgiu — veículos sem quilometragem no hodômetro são vendidos por concessionárias no mercado de usados, prática vista amplamente como uma forma de as montadoras inflarem artificialmente as vendas e limparem o estoque.

As montadoras chinesas têm oferecido descontos muito mais agressivos do que suas concorrentes estrangeiras.

Murphy, do Bank of America, disse que as montadoras dos EUA deveriam simplesmente sair do país. “A Tesla provavelmente precisa estar presente para competir com essas empresas e entender o que está acontecendo, mas há muito risco nisso para elas.”

Outros não deixam dúvidas de que a BYD, a marca de carros mais vendida da China, está liderando os cortes de preços.

“É óbvio para todos que o maior player está fazendo isso”, disse Jochen Siebert, diretor-geral da consultoria automotiva JSC Automotive.

“Eles querem um monopólio em que todos os outros desistam.”

Leia mais: Carros elétricos crescem na América Latina e já atingem 15% das vendas na Costa Rica

As táticas agressivas da BYD levantam preocupações sobre o potencial de dumping no mercado de carros, problemas de gestão de concessionárias e “pressão sobre os fornecedores”, acrescentou ele.

A turbulência nos preços também se desenrola em um cenário de excesso significativo de capacidade.

A taxa média de utilização da produção na indústria automotiva chinesa foi de apenas 49,5% em 2024, segundo mostram dados compilados pelo Instituto de Pesquisa Automotiva Gasgoo, com sede em Xangai.

Veja mais em Bloomberg.com