Bloomberg Línea — O varejo brasileiro de móveis e decoração segue em baixa, como reflexo da desaceleração da atividade econômica, do elevado nível de endividamento das famílias com o ciclo de alta dos juros e de uma inflação ainda pressionada.
Nesse contexto macroeconômico, o Grupo Toky, nome da companhia resultante da fusão entre Mobly (MBLY3) e Tok&Stok, tem conseguido acelerar a captura de sinergias com corte de despesas e medidas de eficiência operacional, segundo os resultados do primeiro trimestre, divulgados na noite desta quarta-feira (28).
Ao mesmo tempo, o grupo continua a enfrentar um conflito societário com os fundadores da Tok&Stok, Régis e Ghislaine Dubrule, e um endividamento elevado, enquanto busca avançar na agenda de integração, o que inclui cortar mais custos, aumentar a geração de caixa e reduzir a alavancagem financeira.
O grupo terá o ticker de sua ação alterado de MBLY3 por TOKY3 no pregão da B3 a partir da próxima terça-feira (3), segundo comunicado do último dia 26 de maio.
Há uma corrida contra o tempo para apresentar os resultados esperados de modo a reconquistar a confiança de investidores - a ação tem queda acumulada de cerca de 35% neste ano - e antes de vencer o prazo de carência do pagamento da dívida com os bancos credores.
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“O mercado de móveis segue em baixa, sem recuperação. Com o juro alto, a categoria sofre muito, pois nosso tíquete médio é elevado, para um produto que não é essencial. Isso significa que o consumidor acaba esperando antes de fazer a compra”, disse o CEO da Toky, Victor Noda, em entrevista à Bloomberg Línea.
No primeiro trimestre, o grupo capturou cerca de R$ 29 milhões em sinergias. Um estudo da consultoria Bain & Company apontou em 2024 que a fusão pode render entre R$ 80 milhões e R$ 135 milhões ao ano por cinco anos.
“Após seis meses de operação, capturamos mais sinergias e de forma mais rápida do que esperávamos e mais do que o estimado pela Bain”, disse o CFO, Marcelo Marques, na mesma entrevista.
Ele não revelou os números de abril, que compõem esse período citado - a integração teve início em novembro do ano passado.
A primeira fase de captura de sinergias veio com medidas como o fim da duplicação de times e de centros de armazenagem e com a renegociação de contratos com prestadores de serviços.
“Logo que entramos na Tok&Stok, cancelamos contratos, fizemos demissões e negociamos o fim de coisas que avaliamos que não faziam sentido”, disse Marques.
O grupo tem 67 lojas (17 da Mobly e 50 da Tok&Stok), que estão concentradas principalmente nas regiões mais ricas do Brasil (Sul e Sudeste).
Não há unidades em cinco estados (Acre, Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins). Sem retomada do setor, não há um plano de expansão em andamento.
“Não fechamos nenhuma loja no primeiro trimestre, mas estamos fazendo uma readequação da unidade do D&D Shopping na Marginal Pinheiros em São Paulo”, afirmou o CFO da Toky.
Houve redução da área ocupada no shopping voltado para o público de alta renda, com a devolução de um andar. “A loja era muito grande. Com uma área menor, conseguimos fazer mais receita”, disse Marques.
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Com a fusão, o grupo tem revisado parte da estratégia dos fundadores da Tok&Stok de apostar em megalojas, o que significava custos mais elevados.
A unidade na Marginal Pinheiros na altura do Butantã, na zona oeste da capital paulista, continua a ser a maior da marca e era usada como referência pela gestão anterior para replicar o formato em outras lojas, segundo o CFO.
“Replicar a loja de Pinheiros não faz sentido. Também estamos racionalizando os estoques das lojas, que estavam abarrotados por falta de controle e de gestão. Havia negociação ruim com os fornecedores sobre o tamanho da ordem mínima”, afirmou Marques.
O grupo adotou um plano de maior curadoria para adequar os SKUs (tipos de mercadorias) ao público de cada loja, segundo o executivo.
“Por exemplo, na loja do D&D, não havia necessidade de ter em estoque todo tipo de prataria, copos e talheres. As categorias de produtos mais simples vendem mal no D&A. Fizemos uma maior seleção desses SKUs”, explicou.
Entrega da sede da Tok&Stok e redução de CD
O grupo devolveu o imóvel que abrigava a sede da Tok&Stok, no condomínio empresarial Spark, na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo.
A unidade da Tok&Stok na Pompéia, também na zona oeste da capital, abriga agora a sede do grupo, em um andar em que antes havia um outlet.
Até o fim do ano, a companhia pretende executar uma “redução significativa” do CD (Centro de Distribuição) da Tok&Stok no município mineiro de Extrema: trata-se de um investimento considerado controverso pelos executivos, pois distanciou as mercadorias do principal mercado consumidor.
“O CD de Extrema é um elefante branco”, disse o CFO, acrescentando que o CD da Mobly em Cajamar (Grande São Paulo) vai concentrar as operações do grupo.
Teste com lojas compartilhadas
Com a fusão, o plano é que as marcas compartilhem espaço. Os testes desse formato estão em andamento na unidade da Anchieta, enquanto o grupo analisa dados de performance, incluindo entrevistas com consumidores.
“Temos que entender a reação do público a esse modelo, em que a Mobly funciona em um andar e, no superior, há uma Tok&Stok. Estamos capturando dados. Não há uma decisão de operar esse modelo em outras praças”, disse Marques.
Ebitda positivo e resultado recorde
O CEO destacou o Ebitda ajustado positivo de cerca de R$ 54 milhões entre janeiro e março. “Mesmo com o macro negativo, vemos melhorias nas margens do negócio. Tivemos o melhor trimestre da história do grupo”, destacou Noda.
A margem Ebitda chegou a 14,1%, com avanço de 16,1 pontos percentuais na base anual (sem a Tok&Stok antes).
Com a integração das duas empresas, o GMV (volume total de mercadorias vendidas) totalizou R$ 496,2 milhões, enquanto a receita líquida alcançou R$ 381,4 milhões.
“O grupo de fato cresceu muito com a aquisição da Tok&Stok. Estamos em uma escala diferente. A combinação de negócios trouxe rentabilidade e liderança de mercado. Somos a maior empresa de móveis do Brasil”, afirmou Noda.
Sozinha, a Tok&Stok tinha uma dívida de R$ 530 milhões no final de março. Como parte do acordo que viabilizou a fusão, o grupo acertou com os bancos credores o pagamento no prazo de dez anos com carência de dois anos.
“O resultado vai continuar negativo por um bom tempo. Negociamos com os bancos, dentro da recuperação extrajudicial da Tok&Stok, para melhorar o fluxo de caixa, trabalhar na captura de sinergias e voltar a pagar a dívida a partir de 2027″, resumiu o CEO.
Questionado pela Bloomberg Línea sobre hipóteses de alternativas para redução da alavancagem financeira, o CFO ressaltou em primeiro lugar que não há nada no radar no curto prazo de maneira concreta: uma pré-condição é engatar uma sequência de expansão de Ebitda por diversos trimestre.
Prioridade: gerar caixa
“Temos que correr para mostrar os resultados e gerar caixa.”
Caso esse cenário seja concretizado e o grupo encontrar apetite de investidores no mercado, poderia potencialmente realizar um follow-on, que permitiria com os recursos antecipar o pagamento da dívida e conseguir um haircut [desconto]. Ou fazer uma conversão de dívida em equity”, citou o CFO.
Quanto ao conflito com a família Dubrule, os executivos destacaram o fato de que os acionistas minoritários se uniram e rejeitaram a proposta de retirada da poison pill (cláusula de proteção) para ofertas hostis, enquanto os fundadores desistiram da OPA (oferta pública de aquisição de ações) e os bancos credores evitaram marcar assembleia para discutir a execução antecipada da dívida.
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