Do frete marítimo a portos: como a guerra tarifária afeta a logística no Brasil

Disputa entre EUA e China já impacta os estoques de cadeias globais, com efeitos nos preços do transporte e riscos de desabastecimento, relatam executivos à Bloomberg Línea

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06 de Maio, 2025 | 05:00 AM

Bloomberg Línea — Do preço do frete marítimo à capacidade nos portos, a cadeia logística global vive um cenário de fortes incertezas, diante do vaivém de imposição de tarifas comerciais ao redor do mundo e, em particular, nas maiores economias.

Nesse cenário, empresas brasileiras que atuam com comércio exterior devem enfrentar desafios para garantir abastecimento e escoamento de mercadorias, segundo avaliação de executivos ouvidos pela Bloomberg Línea.

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Um dos principais custos da cadeia logística global, o frete marítimo vem sofrendo oscilações significativas de preços desde a pandemia. Com a guerra tarifária, os preços sobem ainda mais.

Segundo levantamento da MTM Logix, obtido com exclusividade pela Bloomberg Línea, no início de 2024 o frete do contêiner (40 pés) da China para o Brasil girava em torno de US$ 1.200 em média. Atualmente, esse valor já atinge de US$ 3.500 a US$ 4.000, a depender do tipo de contrato (à vista ou de longo prazo).

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Nos chamados “mercados secundários” (menos demandados), o Brasil se torna mais caro em relação a outros países da região: na rota China-Guatemala, por exemplo, o frete médio gira em torno de US$ 4.000, enquanto a rota Brasil-Guatemala — significativamente mais curta – custa cerca de US$ 6.000.

“Temos visto ciclos no setor de logística cada vez mais curtos, com grandes oscilações. Devemos ter uma aceleração da demanda por composição de estoques baseada em incertezas globais, fazendo com que as cadeias fiquem pressionadas”, afirmou o CEO da MTM Logix, Mario Veraldo.

Segundo o executivo, o setor de logística global vive um momento de grande incerteza.

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“Quando a previsão de demanda é mais linear, a capacidade de planejamento é maior. Hoje, as empresas não conseguem se planejar.”

Ele relatou que os Estados Unidos já estão comprando menos da Ásia. Diante dessa mudança, houve um aumento significativo de demanda por transporte no Sudeste Asiático, como, por exemplo, em países como Vietnã e Tailândia, onde o preço do frete já começou a subir.

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O especialista ressaltou que as capacidades de portos, rodovias e ferrovias são estáticas, diferentemente de navios e aviões, que são mais fáceis de reacomodar.

“Diante dos efeitos da guerra comercial, o setor está em compasso de espera, tentando identificar soluções pontuais para problemas que não são derivados de demanda, mas de picos inesperados para evitar os efeitos das tarifas.”

Os gargalos nos portos brasileiros, com destaque para o Porto de Santos – considerado o principal do Hemisfério Sul –, são apontados como um dos maiores desafios do setor de logística no Brasil.

A Log-In Logística Intermodal, maior empresa de cabotagem do país, com nove navios próprios, tem limitações para crescer em um cenário de expansão significativa da demanda portuária, contou o vice-presidente de navegação da companhia, Marcus Voloch.

“Se a economia brasileira crescesse 10%, o volume de carga não conseguiria acompanhar, porque não tem onde colocar [esses volumes]. Se o país crescer 2% ou 3%, o setor vai levando, mas, se houver um crescimento brusco, a infraestrutura não dá conta”, afirmou o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.

Voloch afirmou que o setor de cabotagem cresceu um pouco abaixo de 10% em 2024, enquanto a Log-In registrou um crescimento de 19,5%, com receita recorde de R$ 2,3 bilhões, puxado principalmente por aumento de capacidade (de navios) e por carga internacional (“feeder”).

Em volumes de contêineres, a companhia registrou um avanço de 55% em relação a 2023.

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Para 2025, a empresa projeta um crescimento mais moderado, em linha com a expectativa de avanço do setor. “Esperamos crescimento de um dígito alto na cabotagem neste ano. A Log-In deve crescer com o mercado, talvez um pouco acima, mas não o dobro como foi no ano passado”, avaliou.

Em sua visão, o país tem renda limitada para crescer dois dígitos em 2025. “No ano passado, foi surpreendente ver o mercado crescer quase 10%. A economia está patinando.”

Gargalos e oportunidades

De acordo com a MTM Logix, o modal marítimo é especialmente crítico para um país voltado à exportação de commodities e importação de manufaturados.

No caso do Brasil, os portos – tanto marítimos (de longo curso) quanto a cabotagem – enfrentam problemas de capacidade, eficiência e conexão terrestre, o que gera atrasos e custos extras.

Um desses sintomas é a formação de filas de navios para atracação nos principais portos. De acordo com a Centronave, associação que representa os armadores, os gargalos portuários causam prejuízo estimado de R$ 21 bilhões por ano no país, devido a atrasos e cancelamentos de embarques.

As perdas decorrem de fretes mais caros, sobreestadia de navios (conhecida como “demurrage”) e oportunidades de negócio desperdiçadas devido à lentidão no escoamento.

Diante dos gargalos nos portos do país, somente em março de 2025 o Brasil deixou de embarcar 637,7 mil sacas de café, o equivalente a cerca de 1.932 contêineres, segundo a MTM Logix.

Em um cenário potencial de aumento da demanda decorrente da guerra comercial, o Brasil teria dificuldades para absorver novas necessidades portuárias, relataram executivos.

Voloch afirmou que toda a frota da Log-In é de navios próprios e que a companhia poderia crescer por meio de terceiros (afretamento), embora isso custe caro no Brasil. No entanto, em sua avaliação, isso poderia mudar caso haja redirecionamento de embarcações globalmente com a guerra comercial.

vice-presidente de navegação da Log-In, Marcus Voloch

Para o executivo, o Brasil acaba sendo um substituto natural para alguns produtos consumidos nos Estados Unidos.

“Pode ser que o país exporte mais soja e milho. Isso não é uma carga que vai refletir na cabotagem, mas pode trazer mais renda e PIB para o Brasil, indiretamente gerando mais demanda para nós”, disse. “Precisamos olhar além do curto prazo”, acrescentou.

Para Veraldo, da MTM Logix, o Brasil pode se beneficiar da guerra tarifária, uma vez que o mercado norte-americano não é capaz de produzir toda a manufatura de que necessita.

“Se há restrição para importar da China, eles precisam ter uma opção e o Brasil é uma alternativa viável e de qualidade, com cadeias importantes.”

Por outro lado, o executivo disse acreditar que a China deve buscar novos mercados para produtos antes exportados para os Estados Unidos.

“A indústria automotiva chinesa hoje tem muito poder de fogo, que será colocado em prática. Já vemos isso acontecer no México, por exemplo”, disse.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.