Bloomberg Línea — Em meio a um longo período de crise na cadeia aeronáutica, com atrasos na manutenção e na entregas de aeronaves, CEOs de companhias aéreas planejam se dedicar de maneira ainda mais assertiva sobre planilhas de custos para ganhar o máximo de eficiência, aponta um novo estudo da Deloitte.
De acordo com o levantamento, a confiabilidade operacional (66%) e o controle de custos (63%) lideram a agenda estratégica desses executivos nos próximos 12 meses, em meio à busca por operações mais eficientes e previsíveis.
A conclusão é parte do “2025 Airline CEO Survey”, estudo global da Deloitte, cuja metodologia abrangeu a participação de CEOs de 32 companhias aéreas do mundo todo, incluindo do Brasil.
A pesquisa foi conduzida entre abril e maio de 2025, abrangendo empresas de diferentes portes, receitas e modelos de operação.
“Para enfrentar as restrições na cadeia de suprimentos e motores, a saída está em uma combinação de visão estratégica e execução impecável. Isso envolve maior resiliência logística, uso de dados para planejamento de manutenção e, principalmente, cultura organizacional forte que mantém as equipes engajadas”, afirmou o líder da indústria de consumo da Deloitte, Paulo de Tarso, em entrevista à Bloomberg Línea.
Em sua avaliação, a união de tecnologia, gestão e pessoas permite entregar consistência de serviço, mesmo diante da escassez de peças ou de atrasos de fornecedores.
Entre as ações mais citadas pelos executivos entrevistados para os próximos 12 meses estão a busca por pontualidade nos voos, excelência técnica na manutenção e capacidade de recuperação rápida das operações em situações de crise.
Conforme o estudo, mais da metade dos CEOs afirmou investir em processos e tecnologias para reduzir o impacto de interrupções e melhorar a gestão de recursos, como tripulação e frota.
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Historicamente, o setor de aviação trabalha no limite de custos.
A situação se agravou com os efeitos da pandemia, o que acabou levando, mais cedo ou mais tarde, as principais empresas que atuam no Brasil - Latam (LTM), Gol (GOLL54) e Azul (AZUL4) - a entrar em recuperação judicial nos Estados Unidos (Chapter 11), sendo que a Azul permanece nesse processo.
Na visão de Tarso, CEOs das aéreas estão cada vez mais atentos à necessidade de reequilibrar as operações, principalmente após anos de crescimento acelerado. Segundo o executivo, a agenda é estrutural: é imperativo tornar as companhias mais enxutas e eficientes.
“Isso significa atuar em frentes como eficiência energética, digitalização de processos e gestão inteligente de frota”, disse Tarso.
“Mais do que cortes pontuais, trata-se de repensar como a estrutura de custos pode sustentar resiliência e confiabilidade em um ambiente de incerteza econômica e geopolítica”, acrescentou.
Ele citou como exemplo a transformação digital, que tem o uso de Inteligência Artificial (IA) visto como algo cada vez mais essencial. “É uma das formas para reduzir custos com foco e de maneira sustentável.”
Cálculos mais acurados e manutenção preditiva em aeronaves, eficiência no administrativo (back office), entre outras oportunidades de melhoria, estão no planejamento dos entrevistados (veja mais detalhes abaixo).
Margens x volume
O levantamento mostrou que o uso de tarifas para atrair mais passageiros aparece de forma marginal nas preocupações de CEOs das aéreas.
“O foco está em margens saudáveis e no controle de custos, e não em disputas por volume. Em um cenário de incerteza macroeconômica e volatilidade, as companhias buscam resiliência financeira”, disse Tarso.
Isso sugere que os preços das passagens devem se manter em patamares elevados no curto prazo, até que haja maior previsibilidade na cadeia de suprimentos e no custo operacional, segundo o executivo.
Por outro lado, Tarso afirmou que a transformação digital passou a ocupar o centro da estratégia de crescimento das companhias aéreas.
A análise avançada de dados lidera o ranking geral de investimentos, citada por 63% dos CEOs como prioridade para os próximos 12 meses, pela capacidade de gerar ganhos imediatos de eficiência e lucratividade.
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“As análises avançadas de dados já estão entregando ganhos reais às companhias aéreas. Os CEOs destacaram que, após modernizar seus ambientes de dados, foi possível avançar em eficiência operacional e lucratividade”, disse.
“Isso inclui desde otimização da malha e precificação dinâmica até gestão de manutenção preditiva, reduzindo falhas não programadas.”
IA em precificação dinâmica
Já a inteligência artificial aparece na sequência como prioridade, com destaque em uma pergunta específica do estudo sobre áreas de maior impacto esperado nos próximos três anos.
Entre os usos mais citados, 56% dos líderes indicaram gestão de receita e precificação dinâmica como a principal aplicação transformadora, seguidas por manutenção preditiva e confiabilidade de aeronaves (53%) e atendimento ao cliente e recuperação de operações (47%).
Na avaliação do especialista, a IA desponta como alavanca transformadora para os próximos três anos, incluindo aplicações em atendimento ao cliente e resposta a imprevistos, com potencial de melhorar a experiência do passageiro em momentos críticos.
“A mensagem é clara: a IA está se consolidando como um pilar estratégico.”
Ainda na área de digitalização, o foco na experiência do cliente também se mostrou uma preocupação para os entrevistados.
Segundo o estudo, 65% dos CEOs disseram priorizar soluções digitais e móveis, seguidas por confiabilidade operacional (54%), melhorias no produto de bordo (44%), programas de fidelidade (41%) e atendimento personalizado (38%).
Segundo Tarso, a pesquisa reforçou que a experiência do passageiro é construída pela soma de interações consistentes ao longo de toda a jornada, e não apenas por momentos pontuais.
SAF: sustentabilidade e eficiência
Em um setor que enfrenta periodicamente desafios de treinamento e retenção, a pesquisa da Deloitte mostrou que desenvolvimento de liderança e sucessão (citado por cerca de 50% dos CEOs) e engajamento e bem-estar de funcionários (47%) são fatores considerados fundamentais para fortalecer a cultura organizacional e garantir estabilidade operacional.
“Esse recorte reforça a percepção de que uma equipe alinhada e motivada é essencial para entregar desempenho consistente em um mercado desafiador”, disse Tarso.
Em paralelo, embora iniciativas ambientais não estejam entre as preocupações imediatas, 80% dos CEOs apontaram o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) como prioridade para atingir metas de sustentabilidade.
Em seguida, 63% priorizam a otimização do tempo de voo e do consumo de combustível, mostrando que a sustentabilidade está alinhada à eficiência operacional.
Já as compensações de carbono aparecem quase ao final da lista (13%), e investimentos em tecnologias de longo prazo, como propulsão elétrica ou captura de carbono, registram adesão ainda menor, de apenas 10%.
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