Crise do império do coco: Ducoco propõe a credores pagar 10% da dívida

Banco do Brasil, Itaú e Tetra Pak estão entre os principais credores do grupo de origem familiar no Nordeste, com dívida total de R$ 670 milhões; plano prevê carência de 24 meses para o início dos pagamentos

Grupo Ducoco, de água de coco, entra em RJ, recuperação judicial
06 de Maio, 2025 | 02:38 PM

Bloomberg Línea — Com dívida estimada em R$ 670 milhões e em recuperação judicial desde março, o Grupo Ducoco, um dos mais tradicionais do Brasil no mercado de água e derivados de coco, propõe pagar 10% do valor devido (deságio de 90%) em parcelas trimestrais, com carência de 24 meses para o início dos pagamentos.

A companhia, fundada em 1982 por uma família de banqueiros do Ceará e vendida para a Malibu Holding em 2020, aguarda a votação do plano por parte dos credores do PRJ (Plano de Recuperação Judicial), visto pela Bloomberg Línea.

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Além das condições de reestruturação dos vencimentos, a Ducoco, que possui duas unidades produtivas (uma no Ceará e outra no Espírito Santo), indica alternativas como a venda da empresa ou arrendamento. O processo envolve dois CNPJs do grupo (Ducoco Alimentos e Ducoco Produtos Alimentícios).

Leia mais: Ducoco: como o grupo passou de império familiar à recuperação judicial

“O principal plano que se submete à alternativa do pagamento através [sic] da geração de caixa é feito por meio do arrendamento ou então a venda da empresa, seja pela cessão das ações, ou pela aquisição do estabelecimento empresarial como um todo”, diz a empresa no plano de recuperação, que tem 68 páginas.

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No caso de venda da empresa, os credores deverão receber à vista seus créditos, mas com um deságio de 80% sobre o valor previsto na proposta original, segundo o PRJ. Se o caminho for o arrendamento, o plano indica um prazo mínimo de 36 meses.

As parcelas de pagamento dos créditos dos credores financeiros e dos fornecedores serão corrigidas anualmente pela TR (Taxa Referencial) e remuneradas com juros de 0,2% ao ano, segundo propõe o PRJ.

O PRJ também prevê um leilão reverso, em que os credores oferecem descontos (deságio) sobre seus créditos para receber pagamentos antecipados em uma recuperação judicial. Quem oferecer o maior desconto tem prioridade no pagamento.

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“O leilão reverso será aberto a todos os credores de cada classe, com um lance de deságio mínimo de 50% do saldo existente na data”, segundo o PRJ.

O plano protocolado, em cumprimento ao prazo máximo de 60 dias após o decreto da recuperação judicial, ainda pode ser aperfeiçoado, o que significa que as condições indicadas no documento podem sofrer alterações.

“O plano foi apresentado sem uma negociação prévia com credores. Ao longo do tempo, as negociações vão melhorando. Em geral, os planos não são aprovados em sua versão original”, avaliou o advogado Daniel Báril, da Silveiro Advogados, sem relação com o caso, à Bloomberg Línea.

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BB, Itaú e empresa sueca entre os credores

Entre os principais bancos credores da Ducoco estão o Banco do Brasil (BBAS3) e o Itaú Unibanco (ITUB4).

A empresa sueca Tetra Pak, de embalagem usada no envase da água de coco, também se destaca na lista geral de credores, formada por 1.547 créditos, incluindo os trabalhistas (696 nomes).

Desde 2024, o Banco do Brasil tem registrado alta da inadimplência em operações com o agronegócio. A Ducoco, que atua como agroindústria, deve R$ 3,136 milhões ao BB, segundo a lista. Já o crédito do Itaú Unibanco (ITUB4) soma R$ 6,559 milhões. A Tetra Pak tem direito a um crédito de R$ 6,033 milhões.

Há ainda na lista de credores players da Faria Lima como o fundo Bio Stars, da Solis Investimentos, gestora que atua com FIDC (fundo de investimento em direitos creditórios), com crédito de R$ 5,168 milhões; e a Okno Capital, que atua na gestão de ativos com special situations, com R$ 7,033 milhões a receber.

“Ainda não há dados para a AGC [Assembleia Geral de Credores]”, disse à Bloomberg Línea o administrador judicial André Cruz, que foi nomeado pela Justiça do Ceará para conduzir o processo de recuperação da Ducoco.

Durante a realização da AGC, ainda sem prazo, os credores podem aprovar, alterar ou rejeitar as propostas indicadas no PRJ.

Para a aprovação do plano, a Ducoco precisa da aprovação da maioria em cada uma das classes de credores.

O grupo também propôs tomar junto a seus credores um empréstimo DIP (Debtor-in-Possession), uma modalidade de financiamento concedido a empresas em recuperação judicial que permite que elas obtenham recursos para se reestruturar e pagar dívidas.

“Ainda há uma desconfiança das instituições financeiras, grandes empresas e conglomerados, em suma, das empresas em geral, de dar crédito a empresas em recuperação judicial”, diz a Ducoco no PRJ.

Bradesco (BBDC4) e Daycoval são outros bancos presentes na lista geral de credores, mas com valores mais baixos (R$ 32.870,08 e R$ 22.391,43, respectivamente).

É um caso diferente do Banco do Nordeste (R$ 2,487 milhões), estatal com sede em Fortaleza, capital em que a recuperação judicial da Ducoco tramita na 3ª Vara Empresarial, de Recuperação de Empresas e de Falências do Estado do Ceará.

Projeção de crescimento

Para justificar a proposta de carência de 24 meses, a Ducoco cita uma projeção de que o seu segmento de atuação retomará o crescimento somente a partir de 2027.

“Calcada nessa previsão e com o escopo de compatibilizar o início dos pagamentos com a previsão de crescimento do segmento, para início dos pagamentos haverá uma carência de 25 meses a contar do trânsito em julgado da decisão que homologar o presente PRJ”, cita o grupo no plano.

Para os credores trabalhistas, o grupo propõe o pagamento em 12 meses por meio de parcelas trimestrais de mesmo valor, a partir do aval judicial definitivo à decisão da assembleia de credores.

A venda de ativos proposta no plano depende da aprovação do plano pelos credores. O grupo possui extensos territórios no Ceará com coqueirais, principalmente no município de Itapipoca.

“Algumas vendas de ativos são opções que podem ainda ampliar a manutenção de empregos e a geração de receitas da empresa e da Unidade Produtiva Isolada que seja vendida”, diz a empresa no PRJ.

Entre os credores da Ducoco está outra indústria de alimentos que atua no Ceará.

O Grupo Cartha, que atua na fabricação de produtos alimentícios e bebidas no município de Paraipaba, outro polo de extensos coqueirais. A Ducoco deve R$ 5,7 milhões à Cartha, segundo a lista de credores.

Falta de crédito

O documento também resumiu os fatores que levaram a busca pela proteção judicial, na avaliação da empresa.

“O ponto de partida para a crise financeira do Grupo Ducoco foram os modelos das linhas de crédito disponíveis, o que acarretou a dificuldade extrema de conduzir os negócios com especial destaque aos meios circulantes, análise dos prazos com impacto mais significativo que os juros incorridos”.

A venda da Ducoco ocorreu em 2020, após décadas de ligação com membros da tradicional família Pinheiro, que também atuava com bancos de menor porte como o BMC (adquirido pelo Bradesco em 2007), o Pine (que não tem ligação com a Ducoco) e o FPB Bank.

Hoje a Ducoco pertence à Malibu Holding, que tem como um dos sócios o administrador Rodrigo Camargo Neves de Lucas, da Terra Nova Trading, segundo a BRS Advogados, que atende os interesses do Grupo Ducoco.

“O custo financeiro extremamente elevado dos aportes fez com que a estratégia de alavancagem financeira tivesse um revés, ou seja, o Grupo Ducoco não conseguiu honrar seus compromissos com as instituições financeiras, bem ainda, teve um prejuízo operacional”, registrou o PRJ.

O plano também mencionou a concorrência com produtores da Colômbia e a tendência estável do preço da água de coco concentrada em patamar de US$ 1,6 por kg, estimando o mercado mundial do produto em US$ 1,6 bilhão.

“A Colômbia está fazendo projetos grandes para o abastecimento do mercado norte americano, um evento um tanto inusitado”, citou a empresa no plano.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.