Bloomberg Línea — Consumo consciente, mas acessível. Em um contexto de avanço agressivo das importações de roupas no Brasil, provenientes principalmente de grandes marketplaces asiáticos como Shein, Shopee e Aliexpress, indústrias nacionais apostam em inovação com apelo à sustentabilidade para fidelizar o consumidor brasileiro.
As estratégias vão desde reúso de água no processo produtivo até calça jeans com algodão reciclado. Para executivos ouvidos pela Bloomberg Línea, o plano também passa pela conscientização do consumidor.
Na avaliação da diretora de sustentabilidade da Riachuelo (GUAR3), Taciana Abreu, é difícil saber a procedência de grande parte das importações de roupas provenientes de marketplaces internacionais asiáticos, principalmente em questões relacionadas a uso irregular de mão de obra, segurança do trabalho para os funcionários das operações, origem da matéria-prima e descarte, entre outros.
“Como é possível trazer [da Ásia] uma camiseta a cinco dólares para o consumidor brasileiro? Não é viável. O fast fashion adotado por algumas empresas espremeu a cadeia para derrubar os preços, usando o desejo da moda como motor para a engrenagem de um modelo que sabemos ser insustentável”, disse a executiva em entrevista à Bloomberg Línea.
A Riachuelo lançou no último dia 22 de setembro sua maior linha de jeans produzida com algodão reciclado, batizada de “Pool Loop”. Para esta primeira coleção, a marca reaproveitou 9,4 toneladas de aparas têxteis, que se transformaram em mais de 420 mil peças. O jeans foi feito com cerca de 25% de algodão reciclado e 75% de algodão “ABR” (Algodão Brasileiro Responsável).
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Apesar do volume pequeno, Abreu ressalta que esta é uma linha fixa, diferentemente da primeira iniciativa da marca no ano passado, de oito mil peças, ou coleção “cápsula”, no jargão do setor de moda.
“Conseguimos escalar significativamente o volume de peças da nossa coleção circular. É mais do que uma linha, é um compromisso nosso, que vai existir sempre”, observa.
Sustentabilidade x perenidade
Algumas soluções nascem de uma dor. Para a gigante têxtil Vicunha (VINE3), o processo de reutilização de água em seu parque fabril em Pacajus, no Ceará, se formou pela necessidade do insumo, escasso na região.
“A escassez de recursos fez com que a empresa se moldasse em relação a suas ações. O projeto nasceu de uma dor”, afirma o diretor de novos negócios da Vicunha, Marcel Imaizumi, em entrevista à Bloomberg Línea.
A solução de reúso de água na unidade cearense foi inspirada em um projeto já existente da Vicunha na Argentina. O executivo relata que a empresa precisava criar um “corpo receptor de efluentes”, ou seja, de resíduos industriais. No país vizinho, o grupo já havia desenvolvido um projeto para implantar uma espécie de rio subterrâneo para destinar o efluente tratado, nos padrões da legislação local.
No Ceará, o sistema foi desenvolvido em parceria com a Cagece, companhia estadual de saneamento, por meio da VSA, uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) com 51% da participação societária da Vicunha e o restante da Cagece. Do início do processo de licenciamento ambiental até a entrada em operação, o projeto levou quatro anos para ser concluído e o investimento foi da ordem de R$ 60 milhões.
Uma estação foi criada para reúso de água que seria jogada fora. Após o consumo humano, o esgoto doméstico gerado neste processo é captado e transformado em água para utilização exclusivamente industrial. Para tanto, foi necessário a aprovação de uma lei estadual, já que o reúso não é permitido nem por indústrias no Brasil.

“Somos grandes consumidores de água, só em Pacajus são 35 milhões de litros por mês, quase 400 milhões por ano”, destaca.
Custos x competitividade
Imaizumi afirma que o projeto ainda não se pagou, mas permite que a Vicunha desenvolva produtos que estejam alinhados com as métricas de sustentabilidade do grupo, o que também contribui para obtenção de linhas de financiamento voltadas para projetos “verdes” -- que frequentemente têm juros mais baixos.
“Grandes clientes internacionais, antes de sentar à mesa conosco, querem saber se nossos processos se encaixam em suas certificações de sustentabilidade. Hoje, um crédito mais barato está atrelado à inovação e algumas certificações são condição necessária para fechar negócio”, diz.
Ele relata que a Vicunha recentemente desenvolveu uma linha de produção batizada de “zero fresh water”, totalmente feita com água de reúso (em vez de manancial). “O produto não é diferente, mas tem como intenção oferecer um conteúdo de valor.”
A Vicunha tem como uma de suas principais metas zerar o uso de água de manancial para processos industriais nas duas fábricas do Ceará até 2030.

Além disso, a estação utiliza uma tecnologia para purificar parte do esgoto doméstico gerado pelo município de Horizonte com o objetivo de produzir água de reúso possível de ser utilizada pelas indústrias da região em diferentes processos produtivos, a preços atrativos. O esgoto doméstico tratado é transferido por meio de um emissário com 12 quilômetros de extensão.
Abreu, da Riachuelo, afirma que apesar do desejo de aumentar a oferta de peças com algodão reciclável pela marca, ainda existe uma barreira tecnológica para expandir a produção desses itens, uma vez que o processo de reciclagem das peças é químico e depende da utilização do algodão virgem.
“A calça jeans Loop é reciclada e reciclável, mas precisamos de soluções escaláveis. Estamos no começo da jornada, nossa intenção é chamar a atenção e falar muito sobre isso, precisamos transformar a indústria.”

Ela diz ainda que o seu papel é fazer com que peças sustentáveis não sejam mais caras para o cliente. “Nós, como empresa, queremos oferecer uma moda democrática, que o cliente possa pagar. O intuito é estimular um consumo consciente, mas isso não significa necessariamente comprar menos”, diz a executiva. “A reflexão sobre o volume de consumo é individual, mas nosso papel é incentivar uma compra melhor”, acrescenta.
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