Colapso do Banco Master levanta debate sobre papel de plataformas como a XP

Maior corretora do Brasil vendeu a clientes mais CDBs do banco de Daniel Vorcaro do que qualquer outra instituição, no total de R$ 26 bilhões, disseram fontes à Bloomberg News, como parte de movimento de players menores de captar via plataformas

CDBs com maior risco e retorno do Master foram distribuídos por meio de plataformas voltadas para o investidor de varejo
Por Cristiane Lucchesi - Matheus Piovesana - Leda Alvim
01 de Dezembro, 2025 | 10:06 AM

Bloomberg — A ascensão meteórica do Banco Master, que entrou em colapso no mês passado em meio a alegações de fraude, dependeu fortemente de seus laços com a XP, cuja plataforma de investimentos para o varejo possibilitou a quase duplicação da carteira de empréstimos do banco a cada ano.

A XP, a maior corretora do Brasil, vendeu a seus clientes mais Certificados de Depósito Bancário (CDBs) do Master do que qualquer outra instituição financeira.

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A empresa distribuiu cerca de R$ 26 bilhões que ajudaram a impulsionar o crescimento da carteira de empréstimos do Master em 86% ao ano, em média, segundo pessoas familiarizadas com o assunto ouvidas pela Bloomberg News.

Isso também contribuiu para financiar novos e luxuosos escritórios do Master em Miami e uma série de aquisições.

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A chave para o relacionamento entre as duas empresas foi o Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Por causa das garantias do FGC, os títulos do Master puderam ser vendidos como investimentos seguros para os clientes da XP, principalmente pessoas físicas.

O Master também oferecia rendimentos atraentes: seus CDBs pagavam juros de até 140% da taxa interbancária brasileira, conhecida como DI, em linha com outras pequenas e médias instituições financeiras.

Isso se compara a 100% do DI ou menos pago pelos maiores bancos. Em caso de liquidação do Master — cenário que agora se tornou realidade —, o FGC cobre as perdas dos investidores até R$ 250 mil por pessoa por banco, com teto de R$ 1 milhão em quatro anos.

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Para viabilizar sua estratégia de negócios, o Master emitia títulos de mais longo prazo que, por causa de seu vencimento mais distante, pagavam aos assessores de investimento no momento imediato da venda comissões maiores do que seus concorrentes, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.

Esse sistema pode criar incentivos perversos e encorajar os assessores a promoverem os investimentos mais lucrativos para eles próprios, segundo críticos.

“Eu vejo nitidamente um conflito de interesse que tem de ser mudado”, disse Cleveland Prates, professor de direito da Fundação Getulio Vargas, em entrevista à Bloomberg News.

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Segundo Prates, esse formato predispõe os assessores financeiros a “oferecerem um CDB de um banco de mais risco, com taxa absurdamente alta, e ganhando comissão sobre isso”.

A XP disse em comunicado à Bloomberg News que a remuneração média dos assessores financeiros para produtos de renda fixa, incluindo CDBs, é de 0,3% ao ano, em linha com as práticas de mercado.

Essa taxa é ainda menor do que a de outros produtos, como fundos e notas estruturadas, disse a XP, sem comentar mais.

Aumento da concorrência

A venda de títulos de bancos de pequeno e médio porte para pessoas físicas com a garantia do FGC pelas plataformas de investimento promoveu concorrência no sistema financeiro, possibilitando que novas instituições financeiras obtivessem financiamento.

Aproximadamente metade das instituições financeiras brasileiras obtém mais de 20% de seu financiamento por meio de plataformas de varejo, de acordo com o Banco Central.

E o valor dos títulos de dívida bancários vendidos por terceiros cresceu para R$ 430 bilhões em junho, ante R$ 60 bilhões em dezembro de 2019, segundo relatório da Jefferies.

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Mas os títulos do Master geralmente tinham vencimento em cinco anos, um prazo maior do que o usual para pequenas instituições financeiras.

Isso significava que o assessor de investimentos recebia uma comissão de 1,5% no momento da venda, em comparação com uma comissão de 0,6%, por exemplo, para um título de dois anos.

Com uma estratégia de negócios inspirada no “supermercado” financeiro americano Charles Schwab, a XP foi a primeira plataforma a oferecer à classe média brasileira a opção de comprar ações e títulos, bem como produtos antes disponíveis apenas para os muito ricos, incluindo fundos multimercado e derivativos.

Os bancos brasileiros, que historicamente venderam em suas plataformas apenas seus próprios produtos, com taxas mais altas que as de mercado, foram obrigados a se adaptar ao sucesso da XP nos últimos anos.

Outras plataformas também vendem títulos de pequenos bancos como o Master.

A plataforma digital de varejo do BTG Pactual vendeu cerca de R$ 6,7 bilhões em CDBs do Master e interrompeu as vendas no mercado primário em dezembro de 2024, após uma análise mais minuciosa dos ativos do banco, disseram as pessoas.

A Easynvest, plataforma de investimentos comprada pelo Nubank em 2020, vendeu cerca de R$ 2,9 bilhões, sendo que aproximadamente metade desse total antes da aquisição da empresa pelo banco digital, disseram as pessoas.

O Nubank parou de vender CDBs do Master em julho de 2024, segundo as pessoas.

O BTG e o Nubank não comentaram para a Bloomberg News.

A competição entre plataformas também contribuiu para impulsionar as vendas, já que alguns clientes buscavam os títulos do Master, pois eles ofereciam altos rendimentos, contavam com a garantia da FGC e o banco era fiscalizado pelo Banco Central, disseram as pessoas. Se a plataforma não oferecesse os títulos, os clientes migravam para outras que ofereciam.

“Embora na época de seu surgimento as plataformas de distribuição de investimentos tenham sido vistas como uma ferramenta para auxiliar instituições financeiras de pequeno e médio porte a captarem recursos do varejo e, consequentemente, tornarem-se competitivas, agora isso é percebido como um risco crescente”, disse a Jefferies em seu relatório.

O presidente do Master, Daniel Vorcaro, chegou a ser preso no mês passado pela Polícia Federal sob a acusação de que seu banco fabricou carteiras de crédito falsas que foram vendidas ao Banco de Brasília (BRB).

Vorcaro foi solto no último sábado (29) por decisão da desembargadora Solange Salgado, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que determinou uso de tornozeleira eletrônica pelo executivo e outras medidas restritivas.

A defesa de Vorcaro nega as acusações.

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Bancos brasileiros são cada vez mais dependentes de plataformas como a XP para captação de recursos de terceiros

Plataformas de varejo e fintechs não contribuem com o FGC, enquanto os bancos pagam 0,0125% ao mês de seus depósitos à vista e a prazo.

Assim, embora a XP e seus assessores de investimento tenham sido os que mais lucraram com a venda de CDBs do Master, a contribuição da XP para o FGC é extremamente pequena e só acontece porque a instituição financeira possui um pequeno banco que recebe depósitos.

Instituições maiores, como o Itaú Unibanco, o Banco do Brasil e o Bradesco, que venderam poucos ou nenhum CDB do Master, pagarão a maior parte da conta em termos absolutos para recapitalizar o FGC.

E, no final, os clientes desses bancos serão os que realmente arcarão com a conta na forma de spreads de crédito mais altos, segundo Jairo Saddi, advogado e ex-presidente do conselho do FGC.

“Precisamos mudar o arranjo”, disse Saddi. “Outros precisam participar dessa conta, discutir responsabilidades.”

E a conta é substancial, a maior da história do FGC.

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Em comunicado, o FGC disse que pagará R$ 41 bilhões a cerca de 1,6 milhão de credores do Master.

A liquidação do banco pode custar ainda mais ao FGC, até R$ 55 bilhões, caso outras duas instituições financeiras menores relacionadas ao caso também sejam liquidadas, disse uma pessoa familiarizada com o assunto à Bloomberg News no mês passado.

O FGC tem recursos para essa conta: no final de setembro, o fundo possuía R$ 160 bilhões em ativos e cerca de R$ 122 bilhões de liquidez em caixa, de acordo com um comunicado.

Mas o FGC precisará ser recapitalizado já no início do próximo ano.

Saddi disse não ver risco sistêmico decorrente da liquidação do Master ou da necessidade de recapitalizar o fundo garantidor, mas considera que a situação pode afetar os bancos menores, que em alguns casos terão que pagar o dobro do percentual dos bancos maiores ao FGC.

Uma opção seria o Banco Central flexibilizar depósitos compulsórios, segundo Saddi, que também disse que o BC precisa aumentar sua equipe de supervisores.

Além disso, o caso pode levantar a discussão sobre a necessidade de limitar os juros que seriam garantidos pelo FGC, disse ele.

Outros argumentam que a autoridade monetária deveria, em vez disso, concentrar-se na qualidade dos ativos detidos pelos bancos que dependem mais da garantia da FGC, incentivando-os a ter mais liquidez e carteiras menos arriscadas.

Alguns sugerem ainda que o BC deveria forçar a diversificação das fontes de financiamento dos bancos.

Christian Keleti, diretor-executivo da Alpha Key Capital, disse que, embora o FGC deva ser capaz de absorver as perdas, “no final, os grandes bancos acabarão pagando a conta, e eles não são os principais culpados”.

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